Confesso que Vivi é a autobiografia de Pablo Neruda (veja A Verdade, nº 148). Em prosa, foi escrito durante muitos anos e somente publicada em 1974, um ano após sua morte. Deveria sempre ser o primeiro livro de Neruda lido por quem quer conhecê-lo. Mas por que me lembrei deste livro? Porque foi o primeiro livro que li ao cursar Direito na UEPB. A Faculdade possui uma biblioteca própria em seu prédio histórico, no Centro de Campina Grande, e nela está preservada a antiga biblioteca particular do saudoso jurista Raimundo Asfora. Apenas no acervo de Asfora encontrávamos livros de literatura, filosofia ou outro gênero fora do Direito.
Lá encontrei Confesso que Vivi, obra que demonstra claramente que Dom Pablo (como era chamado por alguns amigos) não fora só o poeta do amor, mas o poeta da política, do povo, dos trabalhadores, das lutas, etc. Neruda recorda sua infância, seus amores juvenis, suas viagens, sua eleição ao Senado chileno pelo Partido Comunista, a Guerra Civil Espanhola, sua visita ao Brasil. A partir daí, descobri, de fato, quem era este poeta militante, do qual conhecia apenas alguns poemas.
Neruda descreve sua perseguição e fuga pelos Andes a cavalo, durante o governo González Videla. Relata no discurso “Yoacuso” sua denúncia sobre a prisão política de mineiros em campos de concentração. Seu exílio pelo México, Espanha, China, URSS e Itália, onde viveu algum tempo numa casa do amigo italiano Edwin Cerio, na Isola de Capri. Esta passagem pela ilha é contada no famoso filme O Carteiro e o Poeta.
Ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971, Neruda afirmou em seu discurso: “O poeta não é um pequeno deus. Não, não é um pequeno deus. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao daqueles que exercem outros misteres e ofícios. Tenho expressado frequentemente que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não pensa que é deus. Ele realiza a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, colocar no forno, dourar e entregar o pão cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chegar a alcançar esta consciência simples, poderá também a consciência simples converter-se em parte de um colossal artesanato, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega de uma mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos. Se o poeta se incorporar a esta luta nunca gasta a fim de consignar cada qual nas mãos do outro sua ração de compromisso, sua dedicação e sua ternura pelo trabalho comum de cada dia e de todos os homens, o poeta tomará parte no suor, no pão, no vinho, no sonho da Humanidade inteira. Somente por este caminho inalienável de ser homens comuns chegaremos a restituir à poesia o amplo espaço que lhe é recortado em cada época, que nós mesmos lhe recortamos em cada época”.
Tiago Medeiros, mestrando em Direitos Humanos na UFPB