A chegada dos médicos estrangeiros, especialmente os cubanos, para reduzir a defasagem de profissionais no interior do País, e a lamentável postura de parte dos médicos brasileiros contra isto levam-nos a fazer uma reflexão profunda sobre a saúde no Brasil. Avaliar o atual modelo de saúde, seu financiamento, estrutura e qualidade é importante, porém é necessário nos aprofundarmos a fonte da crise atual.
Voltando ao tempo, chegamos em 1988, quando boa parte da proposta do movimento sanitário foi inserida na Constituição, representando um grande avanço, pois a saúde passou a ser legalmente um direito e um dever: direito do cidadão e dever do Estado; sendo então este o principal financiador e regulador do setor, com um modelo descentralizado e horizontal.
Na prática, porém, o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), estatal, universal, gratuito e de qualidade, vem sendo descumprido desde a sua criação. A situação econômica do País, a confluência de déficits fiscais, a alta pressão das dívidas externa e interna e o modelo político neoliberal resultaram em políticas de ajustes estruturais que reduzem os investimentos em despesas públicas, apresentando como saída as propostas de privatização para redução de gastos com o setor público. Neste cenário, observamos o crescimento dos planos de saúde (bem como o subsídio a eles fornecido pelo Governo), as parcerias público-privadas (PPPs), as organizações sociais (OS e Oscips) e as fundações estatais de direito privado (como a Ebserh), estabelecendo um processo de universalização excludente e caminhando na contramão dos princípios do SUS.
Mas a crise da saúde não é somente econômica. Nossos médicos e demais profissionais que hoje criticam de maneira vergonhosa o programa “Mais Médicos”, pouco ou nada falam do programa “Mais Saúde”, também chamado de PAC da Saúde; programa do Governo Federal que, ao mesmo tempo, que criou programas como (Saúde da Família, Brasil Sorridente e Samu), institucionalizou as parcerias público-privadas (PPPs) e criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) para terceirizar e privatizar os Hospitais Universitários Federais; o que demonstra que a formação acadêmica apresenta falhas na formação política e humanitária dos nossos profissionais, que deveriam antes de tudo, estar a serviço da população.
Esta realidade se reflete na prática da construção do sistema e da assistência médica, que passa longe dos princípios da medicina preventiva e da ênfase na atenção primária. Investir em saúde não significa somente dobrar ou triplicar os recursos, e sim gerenciá-los de maneira correta para que sejam bem aproveitados e para que o sistema priorize a promoção da qualidade de vida e não o tratamento de doenças.
Isabela Neves,
biomédica