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terça-feira, 19 de novembro de 2024

A depressão e o uso de antidepressivos

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depressaoSer feliz nunca foi tão fácil: não importa como esteja o mundo ou sua vida, existe uma pílula específica para o seu caso. A psiquiatria moderna garante que sua infelicidade tem cura, e a um preço razoável.

Esta é a denúncia feita pelo médico estadunidense Ronald W. Dworkin, autor do livro Felicidade artificial: o lado negro da nova classe feliz, da Editora Planeta. Nesta obra, Dworkin revela que o consumo de antidepressivos e outras drogas psicotrópicas está aumentando, criando o que ele chama de felicidade artificial. Isto é, está se formando uma nova geração de pessoas que se sentem felizes independentemente do que façam com suas vidas. Não importa como vão o emprego, os problemas financeiros ou o relacionamento: é possível ser feliz à base de pílulas, apesar de tudo.

Desde meados do século passado, a infelicidade tem sido vista como uma doença. Essa tendência teve início nos EUA, quando os médicos de atenção primária simplesmente não sabiam como reagir aos problemas sociais e emocionais que eram levados aos consultórios por seus pacientes. A partir daí, sob a pressão de proporcionar alívio imediato ao sofrimento psíquico e com uma formação humanista extremamente deficiente, a estes profissionais se tornou atraente a linha de investigação que considerava as doenças psíquicas apenas segundo seus sintomas e seus aspectos mais superficiais.

Dentre todos os problemas psicológicos modernos, a depressão é o caso mais emblemático. Esta é uma das doenças que mais levam ao consumo de fármacos e, segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 350 milhões de pessoas sofrem de depressão atualmente, sendo a maioria mulheres. No Brasil gastou-se cerca de R$1,8 bilhão com antidepressivos e estabilizadores de humor no ano de 2012, um aumento de 16,29% em relação ao ano anterior, colocando o país na liderança mundial de venda dessas drogas. A depressão tem sido abordada pela atual psiquiatria como uma disfunção química do cérebro, como mera falta de seratonina.

Segundo o psicanalista britânico Darian Leader, autor do livro Além da depressão – novas formas de entender o luto e a melancolia (Editora BestSeller), a maioria dos historiadores da psiquiatria e da psicanálise concorda que a depressão foi criada como uma categoria clínica, entre outros motivos, por uma pressão para classificar os problemas psicológicos da mesma forma que os outros problemas de saúde, o que deu nova ênfase no comportamento superficial, deixando de lado os mecanismos mais profundos, inconscientes. Na década de 1970, após a revelação dos efeitos nefastos e viciantes dos tranquilizantes mais comuns para a depressão terem sido publicados, e seu mercado ter desmoronado, uma nova categoria diagnóstica foi criada – e, ao mesmo tempo, um remédio para ela. Como resultado, a indústria farmacêutica lucrou tanto com a ideia da depressão quanto com sua cura.

Ainda segundo Darian, existe hoje certo ceticismo em relação aos antidepressivos. Sabe-se bem que a maioria dos estudos sobre sua eficácia é financiada pela indústria farmacêutica e que, até recentemente, os resultados negativos raramente eram publicados.

O tratamento da depressão, quando vista como um “problema cerebral”, traz inúmeros riscos. A ingestão de paroxetina, por exemplo, aumenta o risco de suicídio. No entanto, de acordo com a chamada “mitologia cerebral” da atual psiquiatria, existe uma explicação bioquímica: essa substância causa apenas “pensamentos suicidas”. Dessa maneira, segundo Leader, tal explicação compartilha da crença de que nossos pensamentos e ações podem ser determinados bioquimicamente.

Pode-se identificar na base de tal concepção um problemático reducionismo associado ao chamado “materialismo vulgar” e ao positivismo. O surgimento da psicanálise, ao final do século 19, deu-se de certa maneira como uma alternativa diante das insuficiências de tal perspectiva. A psiquiatria moderna não considera, em grande medida, as especificidades de cada indivíduo, abstraindo deste apenas seus sintomas mais superficiais. A psicanálise, ao contrário, deu voz ao indivíduo. Não o considera como um objeto, não o examina sob as lentes de um microscópio, e considera a subjetividade e a história de cada indivíduo como únicas. É por isso que psicanalistas como Darian Leader defendem a necessidade de abandonar o atual conceito psiquiátrico de depressão e de considerá-la como um conjunto de sintomas que derivam de histórias humanas complexas e sempre diferentes, à luz dos conceitos freudianos de luto e melancolia. Assim, o tratamento psicanalítico da depressão buscará suas causas profundas na história de vida do indivíduo e em seu inconsciente, atacando as causas mais profundas, e não apenas os sintomas e seus derivados.

Os medicamentos têm se mostrado importantes no alívio temporário do sofrimento. Não sendo administrados, todavia, paralelamente a outras psicoterapias ou à análise psicanalítica, são incapazes de resolver definitivamente as causas dos problemas que atacam, além de causarem efeitos colaterais e oferecerem grande risco de dependência. O mito da depressão como uma doença exclusivamente biológica, não obstante seus ares de cientificidade, é um conceito altamente lucrativo para a indústria farmacêutica, mas de certa forma preocupante para seus consumidores.

Glauber Ataide

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