No último dia 25 de janeiro, a cidade de São Paulo foi marcada pelo primeiro protesto por direitos sociais e contra os gastos com a Copa da Fifa. A concentração começou às 16h, no Masp, com cerca de duas mil pessoas que levantavam cartazes exigindo mais saúde, educação e moradia digna.
As principais palavras de ordem foram: “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” e “Copa para quem?”. Com estas mensagens, o povo saiu às ruas para dizer que quer mais hospitais; melhor educação pública e mais vagas nas universidades; melhoria dos transportes públicos e baixas tarifas; passe-livre para estudantes e desempregados; moradia digna e reforma urbana; enfim, uma vida digna e garantia dos direitos básicos para o povo.
Porém, mesmo se tratando de uma manifestação justa e garantida pela Constituição Federal, a Polícia Militar montou um aparato para reprimir e criminalizar o protesto popular. Eram mais de mil policiais e dezenas de viaturas, Força Tática, Batalhão de Choque e até helicópteros.
Todo esse aparato não intimidou os milhares de jovens, trabalhadores, militantes dos movimentos negros e de mulheres, de organizações sociais e partidos políticos de esquerda. A manifestação seguiu firme pela Av. Paulista e, em seguida, entrou pela Av. Brigadeiro Luiz Antônio, em direção ao Centro da cidade, já contando com mais de três mil pessoas.
Tudo corria bem até que a passeata começou a se aproximar do Centro da cidade, onde acontecia a comemoração do aniversário de São Paulo. De acordo com o comandante da PM, 900 policiais seguiam a manifestação. O plano da Polícia para impedir a continuidade da marcha era cercar os manifestantes e encurralá-los, prender quantos fosse possível e, utilizando bombas e balas de borracha, dispersar os demais.
Na altura do Hotel Linson, na Rua Augusta, centenas de pessoas que protestavam pacificamente ficaram encurraladas, sendo alvejadas por balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.
Foi nesse momento que um grupo de jovens, estudantes, mulheres e trabalhadores se refugiaram no saguão do hotel, buscando se proteger e salvar suas vidas. Em seguida, um grupo de policiais do Batalhão de Choque, armados de escopetas e pistolas, invadiu o Linson disparando balas de borracha e agredindo as pessoas indefesas.
O fotojornalista Felipe Larozza conseguiu filmar a brutalidade da ação policial. No vídeo disponível na internet é possível ouvir os gritos dos policiais, que disparavam tiros e jogavam as pessoas no chão como marginais.
“Venho cobrindo as manifestações desde junho passado como fotógrafo, e a atitude da Polícia Militar não me surpreende mais. No entanto, desta vez, eles entraram num hotel, com hóspedes e pessoas que não tinham nada com a situação, e dispararam tiros de bala de borracha em local fechado, à queima roupa”, declarou Felipe à imprensa.
Após a invasão da PM, iniciaram-se as agressões com socos, chutes e cassetetes. Mulheres foram agredidas e chamadas de vacas e vadias pelos policiais. Os celulares foram desligados, e as imagens das câmeras internas confiscadas para que nada fosse divulgado.
O principal ferido foi o estudante de Química Industrial da Unifesp, Vinícius Duarte, de 26 anos, que teve o rosto inteiro machucado, três dentes quebrados e traumatismo no maxilar. O jovem ficou com um coágulo na cabeça, terá que passar por uma cirurgia para refazer o maxilar e uma plástica no nariz.
Na versão dada pela PM e registrada no Boletim de Ocorrência, lia-se: “Diante de tais fatos e da resistência oferecida, foi necessário usar força moderada e necessária para vencer a resistência”.
Porém, nas palavras de Vinícius, os fatos foram bem diferentes:
“Dentro do hotel estava pacífico e não tinha ninguém com capacidade para oferecer resistência. Mesmo assim a polícia chegou batendo em todo mundo e ainda apontava armas enormes em nossa direção.”
Ao todo, 128 pessoas foram presas, dentre elas militantes do PCR, UJR, PSOL, vários professores da Apeosp, estudantes da USP e Unifesp e as companheiras Katerine Oliveira (vice-presidente da UNE), Aline Bailo (presidente do Grêmio do Instituto Federal de SP e diretora da Fenet) e Vivian Mendes (assessora da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva).
Para justificar as agressões, a TV Globo e os demais meios de comunicação burgueses buscavam imagens e fatos distorcidos que pudessem incriminar os manifestantes e taxá-los de vândalos e baderneiros. Como de costume, deram amplo destaque para as vidraças quebradas de alguns bancos e revendas de carros importados, atacados por jovens por se tratarem de símbolos do imperialismo, da opressão financeira e do Estado capitalista em nível mundial.
Vale lembrar que estas instituições financeiras, tão fortemente defendidas pela Globo e pelo Estado brasileiro, são responsáveis pela crise financeira iniciada em 2008, pela sangria da dívida pública, por milhões de trabalhadores desempregados no Brasil, na Europa e nos EUA. São também responsáveis pelas mortes de milhares de inocentes nas guerras no Iraque, no Afeganistão, na Palestina, na Líbia, todas financiadas pelo capital financeiro e pela indústria petroleira mundial.
Nas edições dos telejornais da Globo no domingo e na segunda-feira apareceram imagens de um carro incendiando depois de passar por cima de um colchão em chamas. A Globo monta uma farsa para induzir a opinião pública a pensar que foram os manifestantes que atearam fogo no carro. Omitem, porém, que foram os próprios manifestantes que socorreram a família, retirando-a do carro em chamas depois dele se enganchar no colchão por acidente.
Outro fato gravíssimo foi a abordagem policial durante a perseguição de jovens que participavam do protesto, que terminou com o estudante Fabrício Proteus, de 22 anos, sendo baleado por policiais militares e internado, com risco de morte, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), na Santa Casa, no Centro de São Paulo.
A PM de São Paulo alega que o jovem teria resistido e ameaçado a vida dos policiais com um estilete, versão que é reforçada pela Globo. Porém, uma moradora da região disse à imprensa que ouviu três disparos por volta das 23h e escutou gritos que diziam: “mata, mata mesmo”. Na realidade, fica difícil acreditar na versão policial: como um jovem estudante, com um simples estilete, poderia ameaçar a vida de policiais armados com potentes armas?
Para o defensor público Carlos Weis, que acompanhou o resgate do ferido, “a Polícia agiu com absoluto excesso e despropósito na situação”.
A mídia, além de mentir e falsificar os fatos, também omite da população as verdadeiras e justas reivindicações do povo, por isso foi tão fortemente repudiada durante os protestos de junho. Não divulgam por exemplo, o que estava escrito no manifesto do Movimento, escondendo da população as verdadeiras causas de o povo estar indo às ruas:
“Os gastos bilionários na construção de estádio não melhoram a vida da população, apenas retiram investimentos dos direitos sociais… Nosso manifesto é em defesa das pessoas, contra os interesses do lucro e daqueles que querem transformar tudo em mercadoria”. (Trecho do manifesto “Se não tiver direitos, não vai ter Copa!”)
A juventude e o povo brasileiro já demonstraram, em junho, que não adianta reprimir e nem mentir para a população. Vamos continuar lutando antes, durante e depois da Copa da Fifa, pois não podemos aceitar que a Fifa ponha uma mordaça em nosso povo, nem tampouco que nossas riquezas, como o pré-sal, continuem sendo entregues ao capital internacional.
Wanderson Pinheiro, São Paulo