Recentemente publicado, documento do Ministério da Defesa que regulamenta a atuação das Forças Armadas em operações de segurança pública considera movimentos sociais como “forças oponentes” do Exército, Marinha e Aeronáutica nas situações em que estas forem acionadas para garantir a lei e a ordem, e iguala organizações populares a quadrilhas, contrabandistas e facções criminosas.
De acordo com o manual, também podem ser alvo da repressão militar pessoas, grupos de pessoas ou organizações “infiltrados” em movimentos, “provocando ou instigando ações radicais e violentas” – termos que têm sido utilizados pelas autoridades e pela opinião pública para descrever as atividades de pessoas mascaradas durante manifestações, os chamados black blocs.
O regulamento considera que todos eles, sem distinção, devem ser “objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente, enfrentamento durante a condução das operações” das tropas federais, que agora estão textualmente autorizadas a atuarem em grandes eventos, como já vinha ocorrendo desde a Conferência Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2012.
Ameaças
Além de elencar características das “forças oponentes” do Estado brasileiro, o manual enumera as “principais ameaças” à manutenção da lei e da ordem no país. Entre elas, figuram estratégias comuns de protesto popular, como “bloqueio de vias públicas de circulação”, “invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas” e “paralisação de atividades produtivas”.
Ainda no rol das ameaças, o documento cita episódios observados nas manifestações do ano passado em algumas capitais, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, tais como “depredação do patrimônio público e privado” e “saques de estabelecimentos comerciais”. O termo “distúrbios urbanos”, utilizado como sinônimo de manifestações públicas em manuais das polícias militares, também aparece como perigos à ordem.
A normativa passou a vigorar em 19 de dezembro, após publicação da Portaria 3.461/MD, assinada pelo ministro Celso Amorim. Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, do jornal Folha de S. Paulo e portal UOL, em 27 de novembro, Amorim já havia informado sobre o emprego de aproximadamente 1.400 efetivos das Forças Armadas em cada cidade-sede da Copa do Mundo, que ocorre neste ano em 12 capitais brasileiras.
Apelativo
“Isso não é qualitativamente diferente do que a gente já fez na Copa das Confederações, na visita do papa e na Rio+20. Na realidade, é uma questão de escala, sobretudo no caso da Copa, que será mais dispersa. Nas Olimpíadas, será mais concentrado. Cada uma terá suas características”, explicou o ministro. “Naturalmente, esses dois eventos são muito apelativos, e precisam cuidado redobrado.”
Na ocasião, Amorim lembrou que o trabalho das Forças Armadas possui basicamente duas naturezas. A principal delas é proteger o país de agressões externas, guardando fronteiras, monitorando espaço aéreo e litoral, desempenhando defesa cibernética e operações antiterroristas. “É sua competência primordial”, classifica. “Teremos também um preparo de contingência para hipótese das forças de segurança pública não darem conta do recado em alguma situação, por qualquer motivo que seja.”
É nestas situações que o emprego de Exército, Marinha e Aeronáutica deverá obedecer ao documento recentemente editado pelo Ministério da Defesa, intitulado Garantia da Lei e da Ordem ou MD33-M-10. “Esperamos que o trabalho de contingência não ocorra, mas pode ocorrer”, alerta Celso Amorim, afirmando que operação semelhante foi desencadeada durante a missa celebrada pelo papa Francisco em Copacabana, no Rio de Janeiro, em julho último.
Comunicação
O documento também mostra como as Forças Armadas estão preocupadas com a recepção de suas atividades pela opinião pública. Há uma seção especialmente dedicada ao uso adequado da comunicação social para auxiliar no cumprimento das missões. “Um simples incidente poderá ser explorado pelas forças oponentes ou pela mídia, comprometendo as operações de garantia da lei e da ordem e a imagem das Forças Armadas.
Assim como fizeram as polícias estaduais durante manifestações públicas no ano passado, o Ministério da Defesa recomenda que os comandos militares utilizem equipamentos de gravação. “Junto aos escalões avançados, deverá haver uma equipe de filmagem e fotografia, composta por pessoal especializado, que registrará a atuação da tropa”, pontua. “A filmagem deverá ser planejada de modo a constituir prova contra possível propaganda adversa à atuação das Forças Armadas.”
Manoel S. Moraes de Almeida
(Professor da UNINASSAU/Comissão da Verdade Dom Helder Câmara e Membro da Comissão Nacional da Anistia)