Carnaval é uma época de muita festa, alegria e liberdade. A festa que a mídia faz em torno dos problemas que fingimos não ter, a alegria que parece não acabar em ressaca numa quarta-feira de cinzas e uma falsa liberdade onde ricos curtem com seus carrões luxuosos, seus camarotes blindados e suas fantasias, alegorias e exageros. Do outro lado da rua, alguém pede comida ou cata latinhas nas calçadas perdidas do fim do feriado, mas isso a mídia não mostra. Carnaval é só alegria! Até parece que estamos de férias! Alguns dias no paraíso! Muita fantasia, maquiagem, rios de risos e uma utopia de que tudo vai melhorar, mas não melhora nada. Nada muda.
Com os índices de educação lá em baixo (88ª posição e 8ª em analfabetismo segundo a ONU/Unesco, mesmo sendo a sexta economia mundial e a sede da próxima Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas), é até aceitável ver surgir em quase todo Carnaval as chamadas “músicas do verão” como no caso da atual modinha, que talvez dure dois meses tirando nosso sono, a chamada “Lepo Lepo”:
“Eu não tenho carro, não tenho teto
E se ficar comigo é porque gosta
Do meu “rarararararara, lepo lepo”
Pois é… é esse tipo de qualquer coisa vomitada que faz concorrência com os sambas-enredos, frevos, cocos e maracatus, considerados antiquados por boa parte da grande mídia, que divulga esse tipo de cultura acéfala, machista, sexista e de baixo conteúdo, mostrando uma festa originalmente feita pelo povão, agora dominada pelos grandes grupos empresariais que a tornou, infelizmente, um meio de consumo.
“Não jogue lixo no chão”, “não urine aqui”, “use camisinha”, “se beber, não dirija”… recomendações repetidas todos os anos. Só não se fala do baixo salário mínimo, a seca do Nordeste ou do aumento do preço do feijão. “Você viu o Ronaldo sambando?” “E a absolvição dos quadrilheiros do Mensalão?” ou será que vamos falar sobre as quadrilhas apenas no São João?
Carnaval é cultura? Onde estão os investimentos nas orquestras de frevo, nos blocos populares, nas escolas de samba, algumas esquecidas quase o ano inteiro? Há cidades que vibram intensamente no Carnaval, como no interior de Pernambuco (Pesqueira, Surubim, Triunfo…) algumas delas até disputam a atenção com a programação da capital, mas, onde estão essas cidades no resto do ano? São bilhões para a Copa, que não é nossa, e pouca atenção em utilizar nossa cultura popular como ferramenta prática de ensino, educação e transformação. Não queremos o monopólio do frevo, nem a exportação para o mundo do Carnaval de Rua de Olinda; queremos apenas a intervenção do povo, a música do povo, o olhar do povo, a alegria do povo transformando nossa emoção.
Imaginemos um Carnaval novo, puro e verdadeiro, sem o medo de assalto logo ali na esquina, o toque de recolher, a falta de informação e a sobra das DSTs, a repressão policial, a intervenção da mídia, a repressão policial, a violência e a violação de nossas mulheres, nossos direitos e de nossas meninas. Imagine o Carnaval no socialismo, o fim do turismo sexual e da alienação de um povo em pensar que toda a vida começa e termina ali, em três ou quatro dias de folia. Imaginemos um Carnaval de todos, verdadeiramente livre, onde Pierrot e Colombina sejam apenas mitos, e o sorriso de alegria não tenha que ser pago ou perdido quando chegar o fim.
Cloves Silva, UJR-PE, estudante de Letras da UFRPE