Nesta Quarta-Feira de Cinzas, 05 de março, veio o fim do Carnaval, mas, por outro lado, o fortalecimento da greve dos garis na cidade do Rio de Janeiro. Depois de três horas de negociação com a direção da Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb), a Prefeitura voltou atrás com as 1.200 demissões que iniciou no dia anterior, mas, em troca, cobrou que os garis se contentassem com um reajuste de 9% nos salários, sem garantir os demais pontos da pauta de reivindicações da categoria.
Em plena Terça-Feira de Carnaval, cerca de 500 trabalhadores de limpeza urbana da Comlurb desfilaram na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro. Não, não era para celebrar o Carnaval, mas a greve da categoria.
A manifestação foi a resposta dos trabalhadores ao descaso do prefeito Eduardo Paes (PMDB), que, desde o início da greve, na sexta-feira (28/02), se nega a atender as reivindicações do movimento.
O cenário de uma cidade entulhada de lixo fazia com que fosse percebida a importância desses trabalhadores, fundamentais, mas que, em geral, ficam invisíveis nas ruas, principalmente para as elites. Não foi por acaso que Prefeitura e a direção da Comlurb, antes de ceder a qualquer negociação em benefício dos trabalhadores, contratou empresas terceirizadas para fazerem a limpeza, não da cidade, mas do Sambódromo, mostrando claramente sua preocupação com a “imagem” do Rio, mas não com seus trabalhadores. Além disso, a mídia dos ricos tentou esconder a greve; não conseguindo, passou a tentar desmoralizá-la. Durante a manifestação, um gari declarou: “Globo não! Manda a Globo embora!”.
A repressão policial não deixou por menos. Relatos de garis falavam em policiais, com fuzil em punho, escoltando companheiros de empresa para garantir o trabalho de limpeza na Avenida Rio Branco, uma das principais do Centro. A gerência da Comlurb pressionou psicologicamente diversos trabalhadores para não aderirem à greve, e, no dia 4 de março, anunciou 300 demissões, que atingiram principalmente as lideranças do movimento nas negociações e piquetes.
Sindicato pelego não apoia a greve
A greve teve início depois que o Sindicato de Asseio e Conservação, da UGT, negociou uma pauta de reivindicações totalmente fora das aspirações da categoria. Um pífio reajuste de 9%, que elevaria o salário-base para R$ 874,00 líquidos, foi categoricamente rejeitado pelos trabalhadores em assembleia na frente do sindicato, que contou com a descarada ausência da direção da entidade. Os trabalhadores exigiam piso de R$ 1.200,00 para reparar perdas salariais históricas, além de insalubridade, periculosidade para trabalhadores de cozinhas escolares e outros direitos básicos não recebidos pela categoria hoje.
Após negociação estabelecida no dia 04, o sindicato assinou acordo com a Prefeitura, dizendo que a greve não era legal, gerando novo descontentamento da categoria, que decidiu pela manutenção de greve e só negocia com anulação das demissões anunciadas pela Comlurb. Entre as principais lideranças do movimento a palavra de ordem é de “ter um sindicato autônomo, sem rabo preso”.
A greve vai além do Carnaval
Entrevistado por A Verdade, uma das principais lideranças do movimento declarou: “Queremos o básico. Desde o início, deixamos claro que o sindicato não nos representa mais. A comissão de greve é quem negocia, e o líder do movimento é o gari. Todo apoio de vocês, que são uma imprensa do povo, e das demais organizações, é fundamental para nossa luta ser vitoriosa. São 30 anos de adormecimento da categoria, mas agora não tem volta!”.
É fato que o espírito das mobilizações de junho tem inspirando diversas categorias a entrarem em greve no Brasil. Mas também é necessário registrar que os garis cariocas têm atuado com grande organização e coletividade e com objetivos claros, como mostra a frase de um gari na manifestação, quando falava sobre os donos das redes de televisão: “Queria colocar esses caras para trabalhar limpando rua todo dia que nem a gente, para eles aprenderem”.
A grande maioria dos garis é de negros, o que não é surpresa em profissão tão depreciada pela sociedade capitalista, em especial no Brasil, que carrega a chaga de 400 anos de escravidão e, em pleno século 21, mantém negros em profissões com 70% do salário dos brancos. A manifestação parecia trazer no tempo, por via da cor, a imagem de um povo submetido no passado e seus algozes capitães do mato (hoje policiais fardados) no presente.
Esteban Crescente e Gabryel Henrici, Rio de Janeiro