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terça-feira, 19 de novembro de 2024

Beethoven, músico revolucionário

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BeethovenTalvez nenhum artista tenha jamais conseguido revolucionar um gênero artístico de forma tão ampla e profunda como fez Beethoven. Suas inovações na forma tanto de compor quanto de ouvir música o tornaram um ponto de referência e o símbolo do que há de mais sublime e sofisticado na chamada rainha das artes, na música.

Ludwig van Beethoven nasceu em 17 de dezembro de 1770, na cidade de Bonn, Reino da Prússia (atual Renânia do Norte, na Alemanha), na segunda metade de um século conturbado, de grandes transformações. Embora Marx tenha observado que nem sempre os períodos de grande florescimento artístico estejam conformes ao desenvolvimento geral da sociedade, a época em que Beethoven desenvolveu seu trabalho testemunhou, no entanto, grandes revoluções também no campo social. Em 1776, a Revolução Americana uniu treze colônias do norte do continente americano contra o Império Britânico. Foi a primeira revolução vitoriosa contra uma potência europeia, e serviu como modelo e inspiração para outros povos colonizados. Já na Europa, em 1789, a Revolução Francesa, sob o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, incendiou todo o velho continente e foi de fundamental importância na superação do absolutismo medieval e do feudalismo.

A história de Beethoven, devido a um contexto familiar desfavorável – era filho de um pai alcoólatra e de uma mãe tuberculosa – “parece zombar abertamente dos determinismos da hereditariedade”, afirma Bernard Fauconnier, um de seus biógrafos. Ludwig deixou a escola aos 11 anos de idade. Seu pai, músico empregado no arcebispado de Colônia, queria fazer do filho uma espécie de menino prodígio, assim como Mozart havia sido quando criança, alguns anos antes. Esse projeto fracassou miseravelmente. Beethoven era apresentado como tendo dois anos menos do que realmente tinha, mas mesmo assim suas performances não impressionavam a nobreza, que chegou mesmo a dizer que ele não era “nenhum Mozart”. Seu pai, ao chegar bêbado em casa, por várias vezes tirou o pequeno Ludwig da cama durante a madrugada para treinar piano. Beethoven teve, assim, muitas razões para se afastar completamente da música quando crescesse, mas não foi esse o seu destino

Beethoven nunca foi um compositor rico. Sua condição social sempre foi a de um “gênio plebeu”, como lhe chamou certa vez o compositor russo Stravinsky. Isso porque ele escolheu não se empregar nem na igreja, nem com nenhum nobre ou príncipe, como era costume dos compositores de então. Isso lhe trouxe, obviamente, algumas tribulações financeiras, mas lhe permitiu, todavia, se manter modestamente e com a necessária liberdade criativa de que precisava.

Sinfonias revolucionárias

Beethoven recebia as notícias dos acontecimentos revolucionários – principalmente da França – com grande entusiasmo. Mas, como disse Karl Marx, a diferença entre os franceses e os alemães é que enquanto os franceses faziam as revoluções, os alemães meramente especulavam sobre elas. Por isso Beethoven se mostrou impaciente diversas vezes pelo fato de ainda não terem acontecido revoluções na Alemanha. Certa vez chegou a afirmar que “enquanto os austríacos tiverem sua cerveja e uma salsicha, eles não se revoltarão.”¹

As aspirações revolucionárias do homem Beethoven, naturalmente, se fazem sentir em grande parte de sua obra. Se é verdade que a música clássica não é de maneira alguma música para “relaxar” – uma incompreensão muito comum em relação à música clássica, já que a finalidade de nenhum tipo de obra de arte é essa – isso fica ainda mais evidente na apreciação de várias das composições de Beethoven, cujo efeito sobre o ouvinte, longe de acalmar, é de chocar.

Que alguém tente “relaxar” ouvido os vibrantes primeiros compassos de sua Quinta Sinfonia, por exemplo – que de tão imponentes receberam o nome de “o Destino batendo à porta”. Esta sinfonia, uma de suas obras mais conhecidas e que trata da Revolução Francesa (1789), tem todos os seus principais temas extraídos de canções revolucionárias.

O maestro Nikolaus Harnancourt, amplamente reconhecido por suas conduções das sinfonias do compositor, afirmou sobre essa obra: “Isso não é música; é agitação política. É algo nos dizendo: o mundo que temos não é bom. Vamos mudá-lo! Venham!”

Segundo o cientista político Alan Woods, a mensagem central dessa sinfonia é a luta e o triunfo sobre todas as dificuldades, e sua mensagem é sempre: “É necessário lutar! Nunca se renda! No final certamente venceremos!”

A propósito, os primeiros compassos da Quinta Sinfonia de Beethoven eram utilizados durante a Segunda Guerra Mundial para agrupar os franceses para lutar contra os invasores alemães, o que mostra como grandes obras de arte falam conosco através dos séculos, mesmo após suas origens terem se perdido nas névoas do tempo².
Outro exemplo desse espírito revolucionário que move as sinfonias de Beethoven está na sua Nona Sinfonia, a qual também é chamada de “Marselhesa da Humanidade”. Segundo Woods, ainda hoje a Nona Sinfonia não perdeu sua habilidade de chocar e inspirar, e expressa a voz de um otimismo revolucionário. Essa sinfonia é a voz do homem que se recusa a admitir a derrota, cuja cabeça não se curva diante da adversidade.

Surdez

Mas esse otimismo das sinfonias de Beethoven não é expressão apenas de suas posições políticas. Ele também se origina da postura do compositor diante da vida. Aos 28 anos, no auge de sua carreira, Beethoven teve o diagnóstico de que estava perdendo a audição gradativamente. Se tal doença é aterradora para qualquer ser humano, para um compositor de sua envergadura e com um futuro promissor pela frente é catastrófico. No entanto, à medida que ia perdendo a audição, Beethoven trabalhava ainda mais, compondo obras cada vez mais belas e revolucionando a arte da música. No ano de sua mais devastadora crise, por volta de 1802, ele compôs a grande sinfonia chamada Eroica³, mesmo estando à beira do suicídio.

Se considerarmos, junto com o biógrafo Bernard Fauconnier, que Beethoven já estava completamente surdo em 1818 – pois a data de sua surdez total é incerta –, então sua Nona Sinfonia, finalizada só em 1824 e considerada quase universalmente como a sua maior obra, foi composta com Beethoven não ouvindo praticamente nada do que fazia. A Nona Sinfonia tornou-se, em 2001, a primeira obra musical considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

A dialética das sonatas

Uma análise das obras de Beethoven mostra que sua música sempre se move por um conflito, por uma contradição interna. Os compositores antes de Beethoven escreviam partes calmas e partes agitadas, mas completamente separadas. Beethoven, ao contrário, passa rapidamente de uma à outra, lhe conferindo uma tensão que exige uma solução. Segundo Woods, essa é a música da luta.

A sonata, especificamente, tem uma forma básica com uma linha de desenvolvimento A-B-A, chamados na linguagem musical de exposição, desenvolvimento e recapitulação. Isso é, parte-se de um tema A, passando por B e retorna-se a A, mas em um nível mais elevado. Segundo Woods, isso é um conceito totalmente dialético. É um movimento através da contradição, da negação da negação. Usando termos filosóficos simplificados, seriam a tese, a antítese e a síntese.

Beethoven não criou essa forma da sonata. Compositores como Haydn e Mozart, anteriores a ele, já tinham composto várias sonatas. No entanto, a inovação de Beethoven nas sonatas é que até então a forma prevalecia sobre o conteúdo, mas com Beethoven o real conteúdo da sonata finalmente emerge, mostrando o mais sublime exemplo de unidade dialética entre forma e conteúdo.

Música para a posteridade

A vida de Beethoven, com muitos episódios envoltos em lendas, continua a despertar grande curiosidade. Nas últimas décadas diversos filmes, biografias e documentários fizeram novas leituras de sua vida a partir de novos ângulos. Afinal, como não querer conhecer o espírito capaz de criar obras tão belas com a Sonata ao luar ou a Nona Sinfonia? Mas foi-se o homem, permaneceu sua obra. E é sua música o que ainda tem muito a nos dizer.

Beethoven, assim como outros grandes artistas e filósofos, sabia que estava escrevendo para a posteridade. Quando os pianistas lhe diziam que suas músicas eram difíceis de executar, ele respondia: “Não se preocupe, isso é música para o futuro.” E mesmo dois séculos depois, ela continua sendo música para o futuro. Uma música que nos diz, entre tantas coisas, que é preciso não se curvar diante das adversidades, que é preciso encarar os desafios com otimismo revolucionário e prosseguir na luta por um novo mundo. Pois, como também afirma o filósofo húngaro György Lukács, a revolução burguesa, que carregava os ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, só será consumada pela revolução proletária. Só ela poderá instaurar de fato tudo aquilo que a revolução burguesa prometeu.

O escritor russo Máximo Górki conta que Lênin, após ouvir a sonata Apassionata (sonata nº 23, op. 57), de Beethoven, assim se expressou: “Não conheço nada mais belo do que a Apassionata, e seria capaz de ouvi-la o dia inteiro. Uma música maravilhosa, mais do que humana! Penso sempre, talvez com um orgulho infantil e ingênuo, que maravilhas os homens são capazes de criar!

Glauber Ataide, Belo Horizonte

Notas

¹Na verdade os austríacos participaram da revolução de 1848, cerca de duas décadas depois da morte de Beethoven.

²Marx já havia observado que a arte, assim como toda atividade espiritual humana, pode gozar de certa autonomia em relação à estrutura econômica, e por isso diz na Introdução da sua Contribuição à crítica da economia política: “No que diz respeito à arte, já se sabe que certas épocas de florescimento artístico não estão de nenhuma maneira conformes ao desenvolvimento geral da sociedade, nem, consequentemente, com a base material, com a ossatura, por assim dizer, da sua organização. Por exemplo, os gregos comparados aos modernos ou também a Shakespeare.”

³A sinfonia Eroica era uma das preferidas de Engels.

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