Recentemente, o projeto de lei que obriga a criação de um vagão exclusivo para as mulheres, o chamado “vagão rosa”, foi vetado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pressionado por protestos de organizações e movimentos de mulheres feministas que decidiram dizer não ao vagão. Muitos foram os argumentos no sentido de conscientizar as mulheres sobre o tal vagão segregacionista. Dentre eles, foram citados alguns exemplos sobre o suposto não funcionamento do vagão rosa que já existe no metrô do Rio de Janeiro.
Pois bem, acredito que o depoimento de uma moradora da zona norte do Rio, mais especificamente do bairro do Engenho da Rainha, usuária assídua do metrô e do vagão das mulheres, possa contribuir para o debate no sentido de qualificar a discussão sobre um assunto que não é novo dentro da pauta feminista, mas que deve ser entendido a partir de diferentes dimensões.
De fato, a criação de um vagão exclusivo para as mulheres acaba por legitimar o machismo existente na sociedade; mas isso não muda o fato de que a nossa sociedade é machista. É necessário que isso esteja claro para todos, homens e mulheres: o machismo, mesmo que por vezes latente, é uma realidade. O que ocorre é que a grande maioria das mulheres sofre com o machismo todos os dias. Inclusive em seus trajetos diários de ida e volta para casa, quando as mulheres – trabalhadoras em sua maioria – fazem uso do transporte público, como o metrô.
Um dos pontos citados por Clara Averbuck, em seu artigo crítico ao vagão rosa do Rio de Janeiro, publicado pela revista Carta Capital, foi o de que o vagão rosa do Rio não funciona, pois os homens não respeitam os vagões destinados às mulheres e que frequentemente estas precisam fazer uso dos vagões “normais”. Realmente, há uma infinidade de homens que não respeitam o vagão das mulheres e quando o fazem é porque há um segurança tomando conta da porta. Isto só ocorre porque estes homens só respeitam a figura de outros homens e subestimam e ignoram as expressões de insatisfação das mulheres que estão dentro do vagão. Só que nem sempre as mulheres se limitam a expressar a insatisfação com o desrespeito caladas. Já houve diversos casos em que as mulheres organizadas simplesmente atiraram os homens para fora do vagão. O que significa isto? Resistência. As mulheres resistem e lutam por seus espaços mesmo nos que já são institucionalmente destinados à elas.
Somos a maioria da população. Não é possível criar vagões para todas as mulheres do mundo, mas eu uso o metrô e afirmo que as mulheres que também usam gostariam que houvesse outros vagões disponíveis, assim como gostariam de viver em uma sociedade livre de machismo e livre de assédio.
É claro que conceitualmente ser contra o vagão rosa parece muito eficaz. Mas na prática, não é. Não vivemos em uma sociedade ideal.
Existe um sério problema de mobilidade urbana quando se trata dos transportes públicos, que além de caros, são de péssima qualidade e não conseguem atender a totalidade da população que necessita. Por isso mesmo é extremamente importante que as mulheres participem deste debate. Não se trata de segmentar, mas de qualificar as questões. Nossas necessidades são diferentes, quando pensamos o direito à cidade, pensamos diferente.
Li também sobre as cinco alternativas ao vagão das mulheres, texto de Marília Moschkovich, na revista já citada. Neste caso, se formos tentar aplicar, por exemplo, a proposta da presença da segurança feminina nos vagões para os horários de pico (é claro que os assédios acontecem em qualquer horário, mas o vagão rosa é mais utilizado com o propósito para o qual foi criado neste horário) não vai funcionar. Digo isto pois não é possível mover-se e sequer levantar os braços dentro dos vagões neste horário, imagina uma segurança circulando lá dentro. Impossível!
Negar o vagão das mulheres é afirmar o descompromisso com uma realidade da qual não se faz parte ou não se conhece. Negar o vagão é negar a necessidade urgente de pensarmos políticas públicas para que as mulheres tenham direito à cidade.
Todas nós temos o direito de ir pra casa de metrô no horário de pico e não ter um homem atrás tirando proveito da lotação do vagão e da proximidade dos corpos. As mulheres se sentem mais seguras quando estão em companhia de outras mulheres. O vagão rosa não é a solução dos problemas, mas para muitas tem sido uma alternativa viável que não pode ser ignorada.
Yohanan Barros, Rio de Janeiro