“O conhecimento, o saber, é uma ferramenta importante para a transformação social”
Carlos Lima, coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra, fala em uma entrevista exclusiva ao Jornal A Verdade sobre a luta pela democratização da terra, os desafios do trabalho da pastoral e o novo livro do movimento, que será lançado no dia 16 de outubro, durante a 21ª Feira Camponesa, na Praça da Faculdade.
A Verdade – A CPT e o grupo Terra estarão lançando o livro “Terra e Pastoral em Alagoas: Conflito e liberdade”. De que trata o livro?
CL – Do cotidiano de assentados (as) e acampadas (os) que entraram na luta pela terra em Alagoas. Homens e mulheres que deixaram um passado de sofrimento, de opressão e passaram a lutar e sonhar a partir da conquista ou da luta pela terra. Historia de vidas de gente empobrecidas pelo sistema capitalista, excluídas do acesso a terra. Gente que entende a terra como sinônimo de liberdade, de vida nova. O sentido da obra é abrir espaço para as falas dos acampados (as) e assentados (as).
A Verdade – A escolha de lançar o livro numa Feira de produtos da Reforma Agrária tem um significado especial?
CL – Sim, inclusive na obra, a Feira aparece como um espaço de luta e de conquistas dos camponeses e camponesas. O centro do livro são as entrevistas realizadas com 9 pessoas que vivem em acampamentos e assentamentos, algumas delas, são feirantes. São os testemunhos dessas pessoas que nos permite entender o conflito agrário em Alagoas e o serviço Pastoral da CPT.
A Verdade – Essa já é o segundo livro publicado pelo grupo. O primeiro foi lançado dentro de uma Bienal, um espaço marcado pelo academicismo. O movimento vai além do trabalho camponês?
CL – Sim. Defendemos um outro modelo de sociedade. Essa disputa passa pela democratização do uso e da posse da Terra, pela produção diversificada de alimentos, pela agroecologia, pelo acesso a educação, transporte e a saúde e, também, pela produção de conhecimento. Esse livro é uma parceria com um grupo de estudos e pesquisas sobre a questão da terra no Nordeste. É constituído por militantes, estudantes e professores ligados à discussão da questão agrária comprometidos com as lutas do povo. O conhecimento, o saber, é uma ferramenta importante para as transformações sociais que queremos. Ocupar uma bienal, com uma obra voltada para a questão agrária alagoana, guardadas as devidas proporções, equivale ocupar um latifúndio.
A Verdade – Conte-nos um pouco sobre a luta da CPT e sua história em Alagoas.
CL – Aqui, a CPT começou os trabalhos junto aos canavieiros e posseiros, organizando oposição sindical. Denunciado os ataques sofridos pelos assalariados da cana. Na Arquidiocese de Maceió, destacamos as atuações dos padres Luiz Canal e Aldo Giazzon, missionários italianos que atuaram em Colônia Leopoldina e Novo Lino. Da Irmã Carmem, da congregação da Assunção da Santa Virgem no município de Campestre. Padre Emilio April e irmã Leia em União dos Palmares. Esse inicio de trabalho, podemos afirmar que foi a primeira fase do trabalho da CPT. Padre Aldo e Luiz Canal tiveram que deixar o Estado para não serem assassinados. A segunda fase é na luta pela terra, no inicio da década de 1990 junto aos sem-terra, logo como apoio as ocupações organizadas pelo MST e depois contribuindo diretamente nas ocupações, tendo com marco a ocupação da fazenda Flor do Bosque, em 27 de novembro de 1998. Nesses anos, a Pastoral organizou as romarias da terra, o jejum da solidariedade, as feiras camponesas, as assembleias estaduais, encontro de jovens, de militantes.
A Verdade – Alagoas é um estado marcado pela concentração de terra, pela monocultura e pelo coronelismo. Como é desenvolver o trabalho da Pastoral entre os camponeses e camponesas no nosso Estado?
CL – Desafiante. Difícil. Estimulante. Alagoas é marcada pela destruição das matas, dos rios, do povo. Tudo em nome do açúcar e nas ultimas décadas pelo álcool. O estimulo vem da nossa fé em viver o evangelho perto dos pobres, dos excluídos, dos humilhados. Assim a nossa missão em Alagoas é acompanhar e ajudar nas lutas das famílias camponesas, sejam semterra ou assentadas. Temos agora uma conjuntura eclesial favorável, o Papa Francisco que exigem que a Igreja fique o mais perto dos pobres.
A Verdade – Os grandes meios de comunicação criminalizam os movimentos sociais, principalmente o movimento semterra. A que você credita essa perseguição à luta do povo?
CL – Quem são os donos desses meios de comunicação? A quem eles estão ligados politicamente? Se respondermos essas duas perguntas, facilmente entenderemos a opção pela criminalização dos movimentos sociais, dos que resistem ao modelo. O que está em jogo é o modelo de produção. O interesse de um usineiro não é o mesmo de um semterra. Criminalizar, demonizar são formas de impedir que uma luta justa e legitima, como a do acesso e uso da terra, atraia para sua trincheira setores da sociedade.
A Verdade – O congresso nacional possui uma grande bancada ruralista, reeleita em sua maioria, que dificultam a democratização das terras e também dos meios de comunicação. O que se pode esperar para o próximo período?
CL – Luta, muita luta. Precisamos ressignificar a reforma agrária, buscar outros elementos de dialogo com a sociedade. Amolar as velhas ferramentas, mas, acima de tudo, buscar novas formas. O governo é refém do agronegócio, a bancada ruralista, que cresceu nas ultimas eleições cerca de 30%, vai vir ainda mais forte. Perdemos nos últimos anos aliados históricos da luta pela Terra. Precisamos retomar o dialogo, colocando a luta pela reforma agrária na pauta da sociedade e, assim forçar o governo a realizar a reforma agrária.