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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Lições das eleições de 2014. E agora, o que fazer?

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O segundo turno das eleições para presidente da República provocou uma das maiores mobilizações políticas já ocorridas em nosso país. Ao final, a candidata do PT, Dilma Rousseff, venceu o candidato do PSDB, Aécio Neves, com 51,64% dos votos válidos (54 milhões e 501 mil votos) contra 48,36% (51 milhões e 41 mil votos). A vitória de Dilma garantiu ao PT mais quatro anos na Presidência, totalizando, ao final do seu mandato, 16 anos de hegemonia, impedindo pela quarta vez seguida a volta da extrema-direita ao governo e de sua política neoliberal. Com efeito, uma vitória de Aécio Neves levaria o Brasil à política externa de “falar grosso com a Bolívia e fino com os EUA” (Chico Buarque), ao fim da valorização do salário mínimo e se constituiria numa real ameaça a vários direitos conquistados pelos trabalhadores, como carteira assinada, FGTS, além da implantação da terceirização em toda a economia.

Embora a diferença em favor de Dilma Rousseff tenha sido de apenas 3,28% (3 milhões e 400 mil votos), − em 2010, a diferença entre Dilma e Serra foi de 12,1% − foi uma vitória significativa se levarmos em conta que o candidato do PSDB contou com o apoio da maior parte dos grandes meios de comunicação do Brasil e do exterior e que o PT, após ter realizado privatizações de aeroportos, rodovias e leilões do petróleo brasileiro, não pôde denunciar as escandalosas privatizações realizadas pelo governo do PSDB, como fez em outras campanhas.

O PT e parte de setores da esquerda que o gravitam consideram que a diferença de apenas três milhões de votos se deveu unicamente à campanha de desconstrução do PT que a mídia vem realizando desde o “mensalão” (ou Ação Penal 470), julgado pelo Superior Tribunal Federal (STF), composto por ministros em sua ampla maioria indicados pelo presidente Lula e pela presidenta Dilma, e que levou para prisão dirigentes históricos do partido como José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, além de Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PL), Pedro Corrêa (PP) e do publicitário Marcos Valério. Acreditam ainda que a operação Lava Jato e as denúncias de corrupção na Petrobras, com a delação premiada do ex-diretor de abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, confirmando que fraudou licitações e revelando nome de diretores de empreiteiras, funcionários e partidos que recebiam dinheiro, foi outro elemento utilizado pela mídia e que causou a redução da votação do PT nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste.

Não há dúvida de que essas denúncias e a utilização delas pelos grandes meios de comunicação têm causado grandes estragos ao PT. Mas não há dúvida também de que tais fatos ocorreram e que não são nenhuma fantasia. Prova disso é a confissão, após as eleições, do diretor da empresa Toyo-Setal, Julio Camargo, confirmando que fez acordo com diretores da Petrobras para ganhar licitação e doar R$ 6,7 milhões a partidos políticos entre 2006 e 2014, tendo doado ao PT R$ 2,56 milhões. Como ninguém elegeu o PT para cobrar propina na Petrobras, mesmo que o dinheiro seja para financiar a campanha eleitoral, tal prática, entre outras, vai afastando eleitores e até filiados do partido. Há, porém, outras causas mais importantes, até porque em matéria de corrupção o PSDB é campeão disparado, como mostra a corrupção no Metrô de São Paulo, as privatizações no governo de FHC, o Proer, etc.

“Dinheiro pra que dinheiro”

Embora tenha tido cada vez mais recursos financeiros para suas campanhas eleitorais, o PT vem reduzindo sistematicamente sua bancada na Câmara dos Deputados: em 2002, elegeu 91 deputados federais; em 2006, 83; em 2010, 88 e, em 2014, 70. Além disso, embora a campanha de Dilma Rousseff tenha declarado gastos oficiais de R$ 330 milhões, maior gasto de um candidato desde 1989, perdeu em 15 capitais de um total de 27, e em cidades como São Bernardo do Campo, berço histórico do PT.

De onde vem esse dinheiro? Numa sociedade capitalista, a posse do capital, do dinheiro, está nas mãos de grandes empresas e bancos. Logo, são os donos dessas empresas e bancos que financiam as campanhas dos partidos que gastam milhões nas eleições. Levantamento realizado em setembro revelou que o financiamento das campanhas eleitorais dos três principais candidatos à presidência (Dilma, Aécio e Marina) veio de apenas 19 empresas. Encabeçando a lista, estão bancos, construtoras e mineradoras, tais como:  JBSConstrutora OAS BradescoVale e Ambev. A JBS, dona das marcas Friboi, Seara e Vigor, por exemplo, doou R$ 20 milhões para a campanha de Dilma, R$ 6 milhões para a de Marina e R$ 5 milhões para a de Aécio. Mesmo em 2013, um ano que não teve eleições, o PT recebeu legalmente R$ 60 milhões de grandes empreiteiras como a Camargo Correa, OAS, Queiroz Galvão, Odebrecht e Grupo Solvi.

Não passa pela cabeça de ninguém que essas empresas financiem partidos que após vitoriosos venham defender a estatização ou não as favoreçam em licitações. Muito pelo contrário, tanto os bancos quanto as empresas que contribuem têm certeza de que serão muito bem recompensados. Uma mão lava a outra, dizem. Por isso, durante a campanha, os candidatos prometem mudanças, mas, após a vitória, governam para os ricos que os financiaram. Em síntese, falam uma coisa, mas fazem outra. Agora mesmo, alguns dias depois da eleição, o governo Dilma aumentou a taxa de juros e admitiu desistir da proposta de fazer um plebiscito para a reforma política.

Os partidos e as classes sociais

Na verdade, os partidos são a expressão política de determinadas classes sociais ou de frações de classes existentes na sociedade. Pois bem, que classes o PT representa?

Embora tenha surgido se afirmando como um partido das classes trabalhadoras, o PT, ao longo de sua história, foi se descomprometendo com os interesses fundamentais da classe operária e assumindo claramente a defesa do sistema capitalista. O próprio Lula afirmou que “o PT que chegou ao poder comigo, em 2002, não era mais o PT de 1980, de 1982”. (Estado de S. Paulo, 19/02/2010).

Que novo PT é esse? Hoje, o PT se constitui num verdadeiro partido socialdemocrata, isto é, sua proposta não é acabar com o capitalismo e implantar o socialismo, mas harmonizar os interesses dos capitalistas com os da classe operária, é promover o crescimento da economia mantendo intacta a propriedade privada dos meios de produção e a exploração da classe operária pela burguesia. Defende melhorias parciais para os trabalhadores desde que a riqueza (os meios de produção e o capital) continue nas mãos das classes dominantes.

Tal política fica muito clara nas prioridades econômicas do governo, como a de utilizar bilhões de recursos públicos para financiar a formação de grandes monopólios nacionais como JBS Friboi, Oi, Ambev, entre outras chamadas “multinacionais verde-amarelas” ou na agricultura, ao priorizar o agronegócio em vez da reforma agrária. Mas não só. O capital financeiro teve ampla liberdade de ação e (de especulação) nos últimos 12 anos, como provam os lucros astronômicos dos bancos privados e as operações de salvação do Pan-Americano e do Votorantim.

Dívida pública, juros e a aristocracia financeira 

dívidaOra, na moderna sociedade capitalista, um dos principais meios de repassar o patrimônio público e o dinheiro do Estado para a classe capitalista é a dívida pública. Os bancos e grandes capitalistas compram os títulos públicos e o Estado remunera esses títulos com o pagamento religioso de juros altíssimos. É como uma bola de neve: quanto mais alto for a taxa de juros maiores são os rendimentos dos donos dos títulos e mais cresce também a dívida pública. Hoje, o Brasil compromete mais de 40% de seu Orçamento com o pagamento dos juros e, mesmo assim, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, a dívida pública já atingiu R$ 2 trilhões e 986 bilhões. É claro que o nosso povo viveria muito melhor se estes 40% do Orçamento gastos com juros fossem investidos na construção de casas populares, em Saúde, Educação ou no Transporte Público, em vez de ir para os bolsos dos capitalistas.

Pois bem, quem são os donos desses títulos da dívida pública que ganham bilhões sem nada produzir? Primeiro os bancos, mas também grandes empresas. Na realidade, bancos e grandes empresas são, no essencial, a mesma coisa, pois, todos os bancos são donos de empresas e todos os donos de grandes empresas aplicam parte de seu capital na especulação financeira, em particular, nos títulos da dívida pública. Não há nenhum setor importante da economia em que essa lei não se aplique. Por isso, os donos dos meios de comunicação pressionam tanto pelo aumento dos juros e comemoram quando ele ocorre. Também os bancos ganham muito dinheiro quando a taxa de juros sobe, pois isso permite elevar ainda mais os juros que cobram dos clientes e dos que usam cartão de crédito ou cheque especial. Em setembro, os juros médios do cheque especial foram de 183,28% ao ano, maior percentual nos últimos 15 anos.

Nesse sentido, embora os grandes meios de comunicação pertençam a algumas poucas famílias bilionárias; elas também possuem títulos, têm dívidas com os bancos ou os bancos possuem parte das ações dessas empresas. Em suma, não adianta culpar a mídia e esconder a verdadeira causa de ela agir assim: os gigantescos meios de comunicação fazem a política da aristocracia financeira porque esta é também a sua política, este é o interesse da sua classe, a burguesia.

O que é preciso mudar?

Mas o que isso quer dizer, na prática? Que não é possível nenhuma efetiva transformação econômica e social no Brasil sem resolver em profundidade a questão da dívida pública e sem a estatização dos bancos. Por outro lado, também não é possível democratizar os meios de comunicação sem acabar com a propriedade privada dos meios de comunicação. A resolução de ambos os problemas passa pela adoção de medidas econômicas revolucionárias, o que só é possível com um governo revolucionário que tenha amplo apoio da população brasileira e credibilidade moral na sociedade. Não será um governo que prega a conciliação entre a burguesia e o proletariado, que defende o crescimento capitalista e se curva ao capital financeiro, que diz uma coisa e faz outra, que adotará essas medidas.

Crê o PT que a regulação dos meios de comunicação e uma reforma política diminuiriam o peso dos capitalistas nas eleições e terminariam com a corrupção eleitoral. Bem, o PT já está há 12 anos no governo e até hoje não realizou nenhuma dessas duas reformas. Além do mais, o PT tinha outras reformas em seu programa, que eram compromissos históricos do partido, como a Reforma Agrária e o fim das privatizações, − e também não as realizou. Terá agora mais quatro anos. Seu principal aliado é o PMDB, de Renan Calheiros, José Sarney e Michel Temer. Não custa nada ter fé! Porém, o malfeito está feito.

De fato, em nenhum dos seus governos, o PT pressionou para taxar as grandes fortunas, reestatizar as estatais privatizadas, controlar a remessa de lucros das multinacionais, limitar a ação do capital financeiro, o acelerado processo de privatização do petróleo brasileiro, a privatização da saúde ou a mercantilização da educação. Nesses 12 anos, o que vimos foi a ampliação do domínio do capital estrangeiro, a desindustrialização e o retorno da economia nacional à condição de exportadora de matéria-prima e produtos agrícolas (primários), característica do período colonial, denominada hoje em economês, de reprimarização.

É fato também que, passados três dias das eleições, o governo aumentou a taxa de juros para 11,25%, e, achando pouco, o Banco Central (BC) anunciou que é possível um novo aumento até o fim do ano.  Por que este aumento? A justificativa para a nova elevação da taxa Selic é impedir o crescimento da inflação. Ora, em abril de 2013, a taxa de juros era de 7,25%. Desde então, o BC vem aumentando a taxa de juros. Foi agora para 11,25%, mas a inflação, como todos veem, só faz subir em vez de diminuir. A bem da verdade, o aumento dos juros teve como verdadeiro objetivo beneficiar o capital financeiro ou, em palavras menos ofensivas, sinalizar ao “mercado” que seus interesses continuarão sendo defendidos no novo governo e que nenhuma medida ameaçará as riquezas fictícias da aristocracia financeira (a não ser o próprio capitalismo e sua crise). Em outras palavras, embora defenda a conciliação entre o capital e o trabalho, é o capital, e não os trabalhadores, o filho privilegiado.

Lembremos que durante a campanha eleitoral, a aristocracia financeira promoveu uma permanente especulação na bolsa e na cotação do dólar contra a campanha de Dilma: toda vez que Dilma subia nas pesquisas, a bolsa caía, e o dólar subia, um verdadeiro “terrorismo econômico” nas palavras do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Tal “terrorismo econômico” é possível porque no capitalismo imperialista os grandes bancos se fundem com a bolsa, pois são donos também das empresas, o que facilita a venda e compra de ações num só dia. Entretanto, em vez de serem castigados por esse verdadeiro crime eleitoral, os banqueiros receberam um presente de Natal antecipado.

A consequência dessa política de afirmar uma coisa e fazer outra leva cada vez mais setores de massas a perderem a ilusão no PT. Além disso, o PT se afastou das lutas de massas, uma vez que estas lutas as colocam diretamente em confronto com o governo que não atende suas reivindicações ou com os patrões que financiam suas campanhas eleitorais. Tal situação ficou evidente nas jornadas de junho de 2013, das quais o PT esteve completamente ausente, bem como os chamados partidos da base aliada. Infelizmente, essas questões, em vez de serem apresentadas abertamente, são ocultadas por determinadas forças políticas de esquerda, que preferem ser avestruzes a ter que encarar a realidade tal como ela é. Resultado, parcelas da população, principalmente das camadas médias, mas não só, deixaram de votar no PT e se deslocaram para o voto nulo ou branco ou buscam uma alternativa. Constitui-se, assim, um grande equívoco acreditar que o PT tirará nosso país da crise em que se encontra ou mesmo que terá forças e coragem para evitar o retrocesso, dado seu alto grau de compromisso com a grande burguesia nacional.

O caminho é desenvolver a luta dos trabalhadores

Por outro lado, o enorme número de pessoas que votaram num dos dois candidatos, cerca de 105 milhões de eleitores, deixa claro o quanto é equivocada a política de se abster das eleições, de não ir às ruas disputar as massas e trabalhar para a elevação de sua consciência política. Entretanto, vale ressaltar também que um contingente de 37 milhões de pessoas não se sentiu representado em nenhuma das duas candidaturas que disputaram o segundo turno: 30.137.479 eleitores se abstiveram (21,10%); 1.921.819 votaram em branco e 5.219787 milhões votaram nulo (4,63%). Levando em conta que a campanha de Dilma tinha como slogan Mais Mudanças, e que o candidato da direita afirmava que iria mudar o Brasil, as eleições de 2014 revelaram que o povo brasileiro não está satisfeito com a atual situação política e econômica e querem transformações. Essa realidade coloca perante os revolucionários a importância de crescer seu trabalho de agitação, propaganda e de organização em todas as regiões do país para dirigir esse profundo sentimento de mudança no caminho de uma revolução social e não de um retrocesso.

Com certeza, apesar de algumas conquistas importantes, é fato que os trabalhadores brasileiros recebem baixos salários, têm péssimas condições de trabalho, sofrem constantes acidentes de trabalho e uma superexploração dos patrões, além de morarem mal, pagarem caro por um transporte público de péssima qualidade e praticamente não terem direito ao lazer e à saúde pública, vivem numa crise sem fim, enquanto que um pequeno grupo, 1% da população, abocanha todas as riquezas do país.

Desse modo, as eleições impõem a urgência dos revolucionários terem um instrumento político que possa efetivamente disputar esses milhões de eleitores e levar até eles uma mensagem revolucionária, de transformações, um partido que efetivamente não seja apenas eleitoral, mas que se apresente em todas as lutas dos trabalhadores e do povo, que seja reconhecido por eles e faça das eleições uma alavanca para a emancipação do proletariado, para a revolução, como defende a Unidade Popular pelo Socialismo.

Por fim, as eleições mostraram o quanto ainda é pequena a influência da esquerda revolucionária sobre as massas e colocam para os comunistas revolucionários a necessidade de aumentar o ritmo de trabalho para alcançar o desenvolvimento político e a organização dos trabalhadores. E, como sabemos, tal tarefa só é possível com o avanço das lutas econômicas e políticas das massas populares e por um longo trabalho realizado com determinação e coragem junto à classe operária. Afinal, uma das condições para a vitória da revolução é o partido revolucionário ter a capacidade de “ligar-se, aproximar-se e até, certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias”. (Lênin. O Esquerdismo, doença infantil do comunismo). Numa frase, fundir o movimento revolucionário com o movimento de massas. Este é o único caminho para impedir o retrocesso e levar o Brasil ao socialismo.

Lula Falcão
(Publicado em A Verdade, nº 167, novembro de 2014)

 

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