Um negro, morto a tiros pela polícia, torna-se notícia em vários cantos do mundo. Seu nome? Michael Brown, mas poderia ser João, Ana, Douglas. O local? Ferguson, nos Estados Unidos, mas poderia ser São Paulo, Rio de Janeiro, uma cidade qualquer da Colômbia ou da África do Sul. A morte da população negra nas mãos de um “Estado branco” é rotina no mundo em que vivemos. Afinal, enquanto Michael Brown era assassinado, quantos outros jovens negros e negras também não estavam sendo?
Analisar a morte de Brown é lembrar-se dos assassinatos de Amarildo Sousa e de Cláudia Ferreira, ambos no Rio de Janeiro, e isso nos dá a certeza de que o genocídio da população negra em várias partes do mundo não é tragédia, mas apenas um rodapé nas páginas dos jornais.
Para que os gritos do povo negro sejam escutados é preciso uma prática radical, um desafio à ordem e às leis vigentes de um Estado e de uma sociedade que somente privilegiam os brancos.
“A carne mais barata do mercado é a negra, que vai de graça pros presídios e pra debaixo do saco”. Em sua música A carne, Elza Soares consegue evidenciar a realidade do corpo negro na sociedade, a exclusão e negação que são rotinas em suas vidas. Aliás, quantos jovens negros estão nos presídios e quantos estão nas universidades? Qual população encontra-se hoje encurralada nos guetos das grandes cidades? A juventude branca ou a juventude negra?
Pesquisa do Ipea realizada em 2013 aponta que, a cada três assassinatos no Brasil, dois vitimam negros. Segundo essa mesma pesquisa, as chances de um jovem negro ser morto é 3,7 maior que um jovem branco. A realidade brasileira não difere da realidade nos Estados Unidos, onde a taxa de desemprego entre os negros é de 11, 4% (pesquisa do National Poverty Center).
Nas escolas, aprende-se que a escravidão no Brasil acabou e, assim, os negros hoje são livres. Mas como se pode afirmar isso se a polícia brasileira mata em proporções semelhantes à polícia sul-africana no período do apartheid? E os policiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas desempenham papel semelhante ao dos capitães do mato no período da escravidão?
A violência do Estado racial, que toma forma na mão de policiais militares, matou Michael Brown, assim como matou Amarildo, Cláudia, os jovens da Chacina da Candelária, o dançarino DG e tantos outros. Para mudar essa situação é preciso mais que uma bênção dos orixás, é preciso a luta do povo negro por sua real libertação. Dessa forma, a morte do povo negro não será apenas mais uma notícia nas páginas de jornal.
Rafael Cantuária, militante da UJR