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sábado, 2 de novembro de 2024

Trabalhadores comemoram 60 anos da Liga Camponesa da Galileia

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Galileia 1“Muita miséria, fome, analfabetismo, injustiça, pressão do patrão. Quando alguém chupava uma cana, ele [o patrão] obrigava a comer o bagaço. Os trabalhadores tinham que ficar três dias de graça pro patrão. Eram obrigados a comprar no barracão fiado; quando iam receber dinheiro, já tinham gastado tudo (…). Os camponeses precisavam sair dessa situação”. É assim que Zé Zito da Galileia (filho de Zezé da Galileia – José Joaquim da Silva, um dos fundadores da Liga Camponesa) descreve a situação dos arrendatários do Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, a 50 km do Recife, onde, na década de 1950, viviam e trabalhavam cerca de 140 famílias.

“Tinha foreiro que só andava na roupa de casimira. Outros (coitados), a maioria, era tudo pé no chão. Não tinha nada. Um sofrimento doido. Eu mesmo trabalhava sete dias da semana”, relata Cícero Anastácio, de 82 anos, fundador da Liga Camponesa. E continua: “Tinha morrido um trabalhador aqui. Passou quatro dias dentro de casa… aqui atrás… um velhinho. Quatro dias e o dono do engenho não fez o enterro. Tava fedendo que tava juntando urubu”. João Virgílio foi quem fez o enterro. “Ele pediu na prefeitura e a prefeitura deu o caixão (…) Levou, botou lá, despejou dentro da cova, tirou, trouxe o caixão e entregou na prefeitura. Era assim. O prefeito dava, mas, o caixão tinha que voltar pra prefeitura”, lembra Cícero Anastácio. Isso foi a gota d’água. O ano era 1954.

O fato foi comunicado ao administrador do Engenho Bela Vista (situado ao lado do Engenho Galileia), José dos Prazeres, que deu a ideia de reunir os camponeses numa associação. Prazeres era militante do Partido Comunista e, nos anos de 1940, participou ativamente da criação de uma organização chamada Liga Camponesa, no bairro da Iputinga, no Recife. A Polícia desmantelou a organização, mas o Partido Comunista seguiu na ilegalidade.

Debaixo das árvores frutíferas, os camponeses escutavam atentamente as palavras de Prazeres: “Vamos formar uma sociedade, pagar 10 mil réis por mês pra comprar enxada, aparelho, material de trabalho, formar uma cooperativa de crédito e pagar o foro atrasado”, dizia Prazeres aos trabalhadores, segundo Zé Zito. Assim nasceria a Liga Camponesa no Engenho Galileia.

O exemplo possui uma força imbatível e não demorou para surgirem ligas camponesas por várias regiões e até em outros estados do Brasil. A seca de 1958, que motivou o “Primeiro Congresso de Foreiros e Proprietários”, deu força ao movimento, que logo se estendeu para Minas Gerais e para o interior do Rio de Janeiro.

Em todo o país, a luta entre os interesses contrários das diferentes classes (proprietários e trabalhadores) se aprofundava: greves operárias, a organização do Comando Geral dos Trabalhadores, motim de marinheiros, reformas de base… As mesmas forças contra as quais se chocavam os trabalhadores do campo compuseram o arco da aliança reacionária, que solapou o poder político com o golpe militar de 1964, rasgando a democracia, fechando o Congresso, matando, torturando, estuprando e ocultando cadáveres de trabalhadores do campo e da cidade, estudantes, patriotas, democratas e comunistas por longos 21 anos.

Passados sessenta anos da criação da Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, ou Liga Camponesa da Galileia, como entrou para a história, os anseios de reforma agrária com investimento social para que o pequeno produtor possa produzir, desejo de soberania e segurança alimentar com uma produção voltada aos interesses sociais e econômicos do país, mantêm-se vivos nas terras da Galileia, e um grande ato foi realizado no dia 11 de janeiro para lembrar a luta de ontem e de hoje.

O coral de crianças da Escola Zezé da Galileia, regido pelo maestro Geraldo Menucci (autor da música do Hino das Ligas Camponesas, cuja letra é de Francisco Julião), compôs a trilha sonora do evento ao lado do conjunto da Faculdade Osman Lins. Mostrando que a história de luta do seu povo não pode ser esquecida, foram diplomados os moradores que fizeram o curso sobre a história da localidade, ministrado por professores e pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Na mesma ocasião, celebrou-se a abertura das comemorações do ano do centenário do nascimento de Francisco Julião. A verdade é que todo o ato mostrou o quanto o desejo de vivermos em um país sem a exploração capitalista “por essa revolução que sempre sonhei”, como disse Julião, move os pequenos produtores daquelas terras e ainda muito mais gente como sindicalistas, advogados, estudantes…

Na inauguração da biblioteca José Ayres dos Prazeres, Josinalda Maria Alves dos Prazeres, filha do homenageado, disse: “Tenho orgulho do pai que eu tive, de tanta luta, e que outras pessoas continuam na mesma luta; é difícil a reforma agrária, a gente sabe que é (…). Talvez tenha melhorado pouca coisa, mas… muita luta ainda há pela frente. Agradeço a Deus pelo pai que tive (…), pela pessoa maravilhosa que ele foi e por tudo que ele fez pelo povo”.

Da Redação

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