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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Espetáculo Resgata História de Lampião

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Foto 03 Entre os dias 22 e 26 de Julho ocorreu a 4ª temporada do espetáculo “O Massacre de Angico- A Morte de Lampião”. O texto é escrito por Anildomá Willans de Souza¹ e é dirigido pelo ator e diretor pernambucano José Pimentel², e já é considerado o maior espetáculo ao ar livre do sertão nordestino, além de ser gratuito. O texto resgata a história de Virgulino Ferreira, o Lampião, sua trajetória, paixão e morte em julho de 1938 em Angico, Sergipe. A Verdade entrevistou Karl Marx, ator, produtor cultural e filho do autor do texto e interpreta Lampião no espetáculo.

 A Verdade- “O Massacre de Angico” já é o maior espetáculo ao ar livro do sertão nordestino, qual a importância do espetáculo para a região?

Karl Marx- O espetáculo tem uma importância muito grande, tanto aqui em Serra Talhada quanto pra região, por abordar a vida de Lampião, que é um personagem muito marcante, que gera muita polêmica e por ser um personagem que retrata nossa história.

A Verdade- Essa polêmica ainda é muito recente aqui na região. Fale um pouco mais sobre ela.

Karl Marx- Quando a gente fala na história do cangaço, também estamos falando de personagens que foram nossos avós, bisavós, uma história muito recente e, de certa forma, uma ferida ainda aberta e que gera muita polêmica. Muita coisa contraditória até. Lampião é um personagem que representa muito para a imagem do nordeste. Quando se pensa no nordeste a gente logo imagina um chapéu de couro, a primeira imagem que vem é um chapéu de cangaceiro, e isso se deve a história de Lampião, a história do cangaço. O espetáculo representa isso tudo. Ele marca um capítulo importante na história do nordeste.

A Verdade- A proposta do espetáculo é muito ousada, ainda mais por ser ao ar livre. Como foi pensado em apresentar essa história para um grande público nesse projeto de espetáculo ao ar livre?

Karl Marx- A nossa proposta de encenação é diferente, até porque a gente tenta humanizar Lampião e isso é uma coisa pouco explorada no cinema, teatro, televisão. Sempre que se fala no cangaço se fala de uma maneira muito caricata. É sempre aquela coisa, explorando o imaginário. No espetáculo buscamos justamente o contrário, o oposto: humanizar o personagem Lampião, mostrar a figura humana, mostrar como o sertanejo, o homem, o cidadão Virgulino se tornou Lampião e, depois, essa figura lendária, que extrapolou o estereótipo de ser bandido ou herói. Ele foi além disso.

 A Verdade- No livro “Lampião: Nem Herói nem Bandido: A História” traz essa discussão acerca do mito feito em torno do cangaço enquanto movimento histórico e de Virgulino em um processo histórico. Ainda hoje há esse debate se Lampião foi bandido ou herói. O que você pensa quando diz que ele foi além disso?

Karl Marx- Ele se tornou uma figura lendária. Uma referência para os movimentos culturais, para os movimentos sociais; até os movimentos de esquerda acabaram tendo nele uma referência. Isso mostra a força da história. A força do personagem que foi, por inteiro, um líder, um exemplo de luta. Afinal, ele enfrentou a classe dominante de sua época, organizou um grupo de homens para combater o coronelismo, combater o governo e, mesmo que ele não tenha tido uma ideologia política formada, ele tinha a capacidade de luta, de liderança, e isso sem dúvida ajudou a transformar o nordeste e até hoje ajuda a construir coisas boas e melhores para nossa sociedade.

A Verdade- Mais a pergunta não cala: “Bandido ou Herói?”.

Karl Marx- Ele era bandido. Existia uma lei que dizia que ele era bandido. Mas, no ponto de vista das pessoas daquela época do Cangaço, das pessoas que conviveram com ele não o viam como um bandido. Tinha uma lei que apontava isso. Mas as ações dele, as ações dos cangaceiros não tinham como propósito fazer o mal. Outro dia eu estava vendo um depoimento de J. Borges, dizendo que Lampião foi o maior herói do sertão, que os políticos, o povo que estão no poder não reconhecem isso, mas ele foi, sim, o maior herói do sertão. A gente defende que, essa coisa de dizer que ele foi herói ou bandido, é o mínimo dos fatores. Quando Anildomá diz que “Lampião não é herói nem bandido, é história”, é uma forma de dizer que ele representa para a história do nordeste muito além dessa discussão. Que ele foi bandido, isso sempre vão dizer. Existe uma lei que diz que ele é bandido. Agora, o sentimento do povo e o envolvimento que a população tem em ter Lampião como referência, em querer ver espetáculos sobre ele, ver filmes sobre ele é, pra mim, o referendo de que ele é um herói pro povo. Essa é uma opinião muito pessoal minha, e quanto mais estudo, pesquiso, vejo a história dele, fico convicto disso: para o povo ele é um herói.

A Verdade- É uma proposta do espetáculo trazer essa reflexão sobre essa história recente do sertão nordestino?

Karl Marx- Nós precisamos devolver aos brasileiros os seus heróis. E Lampião, pra mim, é um desses injustiçados, assim como Conselheiro, Lamarca, Garibaldi e tantos outros que a gente tem aqui no Brasil, que lutaram pelo nosso povo, como Frei Caneca, que lutaram, brigaram pelo nosso povo e que, no final das contas, a história oficial vem e diz apenas que foram bandidos. Não reconhecem que o cara lutou. A história do nordeste se divide entre antes e depois de Lampião. O próprio sertão se modificou com Lampião. Foi a luta dos cangaceiros que chamou a atenção das autoridades e governantes para as necessidades de desenvolvimento, estradas, energia elétrica. . . Essas coisas não vinham pra cá até então.

A Verdade- Ou seja: um olhar sobre o cangaço como movimento social e histórico?

Karl Marx- Com o surgimento do cangaço os sertanejos, agricultores, vaqueiros, homens do campo que se sentiram injustiçados, que não encontravam um meio de vida, soltavam o cabo da enxada para pegar em rifles, iam pras veredas do cangaço brigar. E isso que chamou a atenção do governo, trouxe a necessidade que havia na região. Isso não tem como se contestar. Isso é história. Escrita com sangue? Sim. Mas qual foi a história da humanidade que não foi escrita com sangue? Veja a história de Roma; e hoje todo mundo tem que estudar, aprender, admirar. . . A história também é escrita a sangue. Aqui não foi diferente.

A Verdade- Como tem sido a recepção do espetáculo?

Karl Marx- A produção ainda sofre por ser do interior, por incrível que pareça. Quando a imprensa vem aqui das capitais, não dá a atenção que deveria dar, e até desprestigia um pouco. Mas quando vem e olham o tamanho da produção ficam admirados. Detalhe: é um trabalho feito com mão de obra local. O espetáculo é produto da luta do movimento desenvolvido pelos “Cabras de Lampião”, aqui em Serra Talhada. Um trabalho feito há mais de 18 anos, um trabalho de resistência, de militância com o movimento cultural e que também tem um trabalho social com crianças, com aulas de dança, teatro, música. . . O grupo já se apresentou em todas as regiões do Brasil, inclusive fora do país. Conquistamos o Museu do Cangaço depois de ocupar o prédio que vivia abandonado. O espetáculo é um sonho de mais de 30 anos que hoje se tornou uma realidade.

 Cloves Silva, estudante de Letras da UFRPE/ MLC-PE

  ¹ Anildomá Willans de Souza é pesquisador do Cangaço e autor de quatro livros sobre o tema: “Lampião, O Comandante das Caatingas”, “Nas Pegadas de Lampião”, “Lampião: Nem Herói nem Bandido: A História” e “Xaxado: Dança de Guerra dos Cangaceiros”;

² José Pimentel: ator e diretor pernambucano. Dirigiu entre outros a Paixão de Cristo do Recife e A Batalha dos Guararapes.

Saiba mais sobre o espetáculo:

Vídeo do espetáculo completo (https://www.youtube.com/watch?v=rX0M4UEsTCE)

Site da fundação Cabras de Lampião (http://cabrasdelampiao.com.br/)

 

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