Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (ou simplesmente Gonzaguinha) completaria 70 anos no ultimo dia 22 de setembro de 2015, não fosse um fatídico acidente automobilístico em 1991. Cantor e compositor de mão cheia juntou a herança musical do pai, o não menos importante Rei do Baião Luiz Gonzaga, com uma linguagem totalmente sua e uma sensibilidade que lhe permitiu traduzir o sentimento do país nos anos da ditadura. Gonzaguinha tinha apenas 19 anos quando ocorreu o golpe de 64 e já escrevia suas primeiras letras, mas foi na década de 70 que suas composições ganharam o país por meio dos festivais. Foi justamente no início daquela década que, junto com nomes como Aldir Blanc e Ivan Lins, fundaram o Movimento Artístico Universitário (MAU). Na ocasião ele, estudante de economia, dispôs sua música a serviço do povo.
Quem não economizou foi a repressão: das 72 músicas dele apresentadas a censura 54 sofreram algum tipo de intervenção, como a exemplo de “Comportamento Geral”, proibida de ser executada, mas não vetada a comercialização, o que lhe rendeu seu primeiro sucesso e disco em 1973. A letra, uma crítica aberta aos que se mantinham neutros em relação ao governo militar, tornou-se uma reflexão sobre nossa realidade, infelizmente ainda atual:
“Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado” (. . .)
Tal postura lhe rendeu o título de “Terrorista”, “Subversivo” e a alcunha de “Cantor Rancor”, uma tentativa pejorativa de macular sua imagem junto ao público, especialmente por ele fazer uma música com críticas escancaradas ao regime, a exemplo de Taiguara e Geraldo Vandré. O problema é que, especialmente pela linguagem muito próxima do grande público, seja pelo discurso utilizado ou pela identificação sonora de suas músicas (ritmos populares como o samba foi sua marca registrada), a adesão e o sucesso de Gonzaguinha o mantinha como uma preocupação para os sensores. “E por Falar no Rei Pelé, lançada em 1979, é um desses exemplos de como o artista colocava o dedo na ferida do regime, ao denunciar o que tinha por traz da campanha do governo Médici com a vitória da Copa de 70:
“Craque mesmo é o povo brasileiro
carregando esse time de terceira divisão” (. . .)
Gonzaguinha ousou cuidar e voltar toda sua atuação política para a educação popular e ser a voz dos menos favorecidos, seguindo o conselho do pai, no dueto registrado no disco “A vida do Viajante”, de 1981, quando Luiz Gonzaga sugere que ele “não se esquecesse do povão” na faixa que dá nome ao disco. Pois é. Ainda em 75 ele torna-se artista independente e um dos principais nomes na luta pelos direitos autorais. Durante a campanha de Anistia e as Diretas Já! Suas músicas tornaram-se verdadeiros hinos, cantados e conhecidos até hoje em todo o país. “E Vamos à Luta”, “O que é o que é?”, “é”, “Sangrando” e tantas outras não perdem o brilho, sejam elas interpretadas por outros artistas ou tocadas nas rádios de todos os seguimentos.
A verdade é que a obra de Gonzaguinha é uma das mais populares de nossa música, e segue atualíssima justamente por tratar de temas do cotidiano. Em “Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino)” ele pinta de um modo muito poético a realidade do trabalhador brasileiro:
“Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz” (. . .)
Em seus 70 anos não podemos esquecer sua arte e contribuição para nossa cultura. Gonzaguinha foi um exemplo enquanto artista e seu papel enquanto representante de uma classe social e de sua luta. A música desse grandioso gênio foi totalmente engajada e marcada pela denuncia e pela esperança, as duas entrelaçadas. Nada dessa conversa de que sua música começou muito áspera e foi tornando-se mais suave com a abertura do regime militar para a transição para a democracia. Muito pelo contrário, em todo tempo ele fez de seu discurso uma voz em defesa dos oprimidos, mesmo quando falava de amor:
“Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca
Peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando” (. . .)
Talvez a melhor maneira de resumir a obra e a vida de Gonzaguinha seja com seus próprios versos: “Começaria tudo outra vez”. . . E nós reforçamos esse sentimento, alimentamos essa esperança de ver “que a vida devia ser bem melhor, e será!” reforçamos a necessidade de que surjam mais e mais artistas como ele. E dizemos: Gonzaguinha, Presente! Sempre!
Cloves Silva, Estudante de Letras da UFRPE.