A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição Federal de 1988, com cobertura universal e integral para toda a população, não se mostrou suficiente para garantir o direito de acesso à saúde. Com o sucateamento crescente do SUS, os planos e seguros privados ampliaram substancialmente o número de clientes, que buscam uma alternativa à deficiência do Estado. Ao invés de satisfazerem às necessidades dos contratantes, porém, estes planos e seguros de saúde se tornaram mais um motivo de preocupação: práticas como a limitação de internações e consultas, negativa de procedimentos e reajuste abusivo das mensalidades são reclamações comuns no Procon e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2013, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) registrou 72 mil queixas de clientes que não conseguiram autorização para realizar procedimentos médicos, uma média de oito casos por hora. O número representa um aumento de 440% quando comparado a 2010. “Não se pode negar que as operadoras estão tentando diminuir o acesso aos tratamentos para reduzir custos”, disse Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora (03/11/14). O tema também foi alvo da CPI dos Convênios Médicos na Câmara Municipal de São Paulo, no início deste ano. Em depoimento, no dia 14 de abril, o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti Fernandes, declarou que a recusa dos planos é comum para não gerar custos. “Se o plano considera o procedimento desnecessário, ele não paga”, afirmou.
Segundo estudo de Lígia Bahia, publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, em 2004, “evidenciam-se duas alternativas para equacionar o impacto das doenças crônicas sobre os gastos assistenciais. A primeira busca enfrentar o problema por meio do desenvolvimento de metodologias para o cálculo do valor dos recursos financeiros necessários ao atendimento de populações/grupos populacionais (…). A segunda é a negação de coberturas aos portadores de problemas de saúde considerados dispendiosos”. Ou seja, o plano ou seguro de saúde faz um cálculo aproximado de quanto a população “custa” para ele em atendimentos e procedimentos e, a partir daí, calcula quanto será a mensalidade (por isso os valores variam conforme a idade do segurado). Quando esse “gasto” supera a estimativa, a negativa dos procedimentos vem para evitar que o plano não perca o seu lucro com a venda das coberturas.
Vários casos de denúncias contra negativas dos planos de saúde foram divulgados em jornais e sites nos últimos anos. Normalmente, a negativa ocorre em casos de cirurgias ou tratamentos onerosos aos planos. Em 2009, o engenheiro ambiental Luiz Fernando de Castro Dolabela, de 29 anos, teve uma cirurgia de emergência (apendicite) recusada por uma operadora de saúde de Belo Horizonte. “Nós gastamos cerca de R$ 5 mil e, como demoraram a me atender por causa dessa questão do convênio, a cirurgia foi mais séria e tiveram que retirar uma parte do meu intestino. Fiquei cinco dias internado, e o convênio só restituiu o dinheiro equivalente aos exames, aproximadamente R$ 1.200”, comentou ao portal Terra (09/07/12).
Em 2010, Enoilza Almeida, engenheira química e consultora de empresas, precisou entrar na Justiça para ter a cirurgia de seu pai, de 83 anos, liberada pelo plano. “Meu pai era professor e pagou durante 35 anos um valor equivalente a 40% do salário para ter o melhor plano de saúde oferecido pelo Estado. No único momento em que precisou do benefício, tivemos de entrar na Justiça. Ele teve um infarto, e o médico indicou colocar dois stents no coração. A cirurgia estava marcada, mas o plano de saúde se negou a pagar os stents importados indicados pelo médico. Alegou que não havia justificativa, que só pagaria pelos equivalentes nacionais. O médico explicou que o importado era melhor, por questões técnicas. Quando soube que o stent importado custava cerca de R$ 15 mil, e o nacional, de R$ 3 mil a R$ 4 mil, entendi que o problema não era de saúde, mas econômico”, relatou Enoilza. A cirurgia foi realizada após liminar da Justiça obrigar o plano de saúde a pagar pelos stents importados. “A sensação que fica é de desamparo. A gente paga um plano de saúde e, quando precisa, dizem ‘não pode’. E aí temos que esperar que a Justiça seja ágil para resolver”, finalizou em entrevista ao jornal Extra Classe (dezembro de 2010).
Em entrevista ao Jornal da Band, que foi ao ar dia 1º de outubro deste ano, Ana Maria revelou que, apesar de pagar o plano de saúde há 10 anos, teve que esperar seis meses para realizar uma mamografia após descobrir um nódulo no seio.
Uma pesquisa divulgada pela Associação Paulista de Medicina, no início de outubro, revelou que 84% das pessoas entrevistadas informaram que tinham pelo menos um problema com o Plano de Saúde, e 20% delas tiveram que socorrer no SUS.
Esses e outros casos cotidianos demonstram a ineficiência do atendimento dos planos de saúde. Com o objetivo final do lucro, para as operadoras de saúde não importa o bem-estar do segurado, mas sim o dinheiro que está entrando nos cofres da empresa. Por isso, negativas de procedimentos e cirurgias são cada vez mais frequentes. A saída para isso continua sendo a luta por uma saúde pública de qualidade e gratuita que garanta atendimento rápido e eficiente para toda a população.
Ludmila Outtes, enfermeira.
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