Professores são demitidos e qualidade dos cursos piora na Universidade Anhembi

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Demissões AnhembiA Verdade entrevistou Rodrigo Maschion Alves, doutor em Relações Internacionais e professor da Universidade Anhembi-Morumbi (UAM) de 2009 a 2015, pesquisador em temas relacionados com a disciplina de Economia Política Internacional. Nesta entrevista, o professor destaca a situação de mercantilização da educação que ocorre na UAM e em outras faculdades particulares, resultando em uma grave perda de qualidade do ensino.

Por Janaina Camila e Wagner Dantas

A Verdade: Com você tem avaliado a situação da qualidade dos cursos da UAM? Tem havido um sucateamento?

Digamos que o termo mais apropriado seria ‘barateamento’ do custo do curso. Isso tem sido feito a partir de três linhas de ação: disciplinas on-line, redução da carga horária das disciplinas e demissões de professores para contratação de profissionais com salários mais baixos. Com relação às disciplinas on-line, temos observado várias disciplinas perderem o caráter presencial, ou seja, conduzidas por um professor em sala de aula, para montagem de cursos on-line.

Dessa maneira, um professor titular e um monitor (nova modalidade de professores com salários baixíssimos) podem conduzir essa disciplina para centenas de alunos ao mesmo tempo. Isso reduz substancialmente o custo da disciplina e, também, afeta negativamente a qualidade da mesma, pois os alunos perdem o contato direto com o professor.

Uma tela de computador não oferece ao professor a sensibilidade para captar as necessidades dos alunos. No curso de relações internacionais, temos visto disciplinas importantes migrarem para essa lógica: antropologia, metodologia de pesquisa, comunicação oral e escrita, filosofia entre outras de formação humanística. De um total de cinco disciplinas oferecidas por semestre para os alunos, hoje temos cerca de 2 on-line.

Com relação a redução da carga horária das disciplinas, o processo é assim: disciplinas que antes computavam 80 horas por semestre passaram a ser de 40 horas aula por semestre. Em termos simples, houve um corte na metade da carga horária de disciplinas importantes do curso de relações internacionais sem a menor consideração dos impactos negativos na estrutura pedagógica do curso. Dentre as disciplinas que recordo que passaram por isso destaco a disciplina de TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO e de GEOPOLÍTICA (assuntos centrais para a formação do internacionalista). Sei que existem outras que passaram por esse enxugamento de conteúdo visando o barateamento do custo do curso.

Por fim, temos visto, desde a completa aquisição da universidade Anhembi Morumbi pelo grupo norte-americano Laureate, em 2013, a reestruturação salarial dos professores. Professores antigos, que trabalharam na universidade por 10, 20, 30 e até quase 40 anos, são substituídos simplesmente por ganharem mais. Um professor de contrato antigo na universidade (contratos firmados até o ano de 2012) ganham cerca de 70 reais por hora aula; os novos contratados ganham cerca de 38 reais por hora aula; os monitores, aqueles professores que conduzem parte das disciplinas on-line, cerca de 25 reais por hora aula.

A Verdade: Quais os verdadeiros interesses da UAM fazer demissões?

Somente o lucro.

A Verdade: Como tem sido para os professores demitidos ficarem nessa situação?

Alguns encontram emprego em outras universidades remunerando salários baixíssimos, outros encontram emprego em outras atividades e outros ficam esperando as chances de recolocação no próximo semestre.

A Verdade:  Como tem sido para os professores antigos que ficaram na Instituição, mas que podem sofre com o mesmo problema?

Pressão psicológica, estresse e desânimo. Todos os antigos professores sabem que serão demitidos simplesmente por ganharem um pouco mais. Eles estão sendo tratados de forma inadequada pela instituição. Muito professores antigos, com reconhecida qualidade, não recebem as mesmas cargas horárias dos novos contratados. Professores que antes davam 36 horas aula por semana estão, agora, com 12 ou 16 horas aulas por semana. Não são previamente avisados pela instituição que terão, no próximo semestre, uma redução dos seus rendimentos de forma tão significativa. Os coordenadores dos cursos são pressionados pela diretoria e reitoria a darem mais turmas para professores com salários mais baixos.

A Verdade: Como os seus alunos receberam essa notícia?

A universidade não deixa isso claro para os alunos. Muitos deles não sabem que um processo dessa ordem está acontecendo na universidade. Quando descobrem alguma coisa, ficam indignados. A primeira coisa que apontam é que o custo da mensalidade é alto e tais demissões e enxugamentos do custo do curso não se justificam.

A Verdade: Como o sindicato da categoria tem agido diante dessa situação?

O sindicato é inoperante na defesa do ofício do professor universitário.

A Verdade: Como você vê a educação particular no Brasil?

Vejo uma grande segmentação no ensino superior privado. De um lado, por exemplo, temos as tradicionais universidades privadas como a PUC, o Insper, o Mackenzie e a GV que manterão as suas tradições e qualidade de ensino e pesquisa mesmo em um contexto de crise. Do outro, temos universidade importantes, também privadas, preservando qualidade e buscando uma aproximação com as tradicionais. Dentre essas, destaco: FECAP, FAAP, Rio Branco e ESPM. Nessas universidades, existe uma clara preocupação para ocupar um espaço de excelência e de qualidade como forma de se apresentarem enquanto universidades que justificam altas mensalidades. Já as universidades dos grandes grupos, como o Kroton e a Laureate, caminham para um cenário bastante crítico com relação à qualidade e excelência acadêmica.

Também gostaria de destacar que o mercado de trabalho tem feito essa mesma leitura sobre a segmentação mais acentuada dos padrões de qualidade das universidades.

A Verdade:  Qual a sua opinião sobre o sistema de ensino privado se preocupar mais com os lucros do que com os docentes e discentes?

Acho sim que toda a instituição de ensino deva trabalhar com as suas finanças em equilíbrio e com lucro. No entanto, se a preocupação for somente o lucro a qualquer custo, não vejo essa orientação como pertinente a um espaço universitário. Impactos negativos serão sentidos na vida acadêmica dos alunos, na vida profissional dos professores e na percepção do mercado com relação aos alunos que se formam em determinados espaços universitários.

A Verdade: Como você acha que essa relação de valorização dos lucros acima da qualidade do ensino poderia mudar?

Deve partir, sobretudo, de dois atores: dos alunos e dos professores. Hoje, a classe profissional docente é desarticulada e fraca. São profissionais que não se respeitam e aceitam todos os tipos de opressões e de desmandos. Ademais, é uma categoria que não se valoriza e não se une em torno da defesa do ensino e da própria profissão. Com relação aos alunos, acredito que os mesmos devam, antes de tudo, mudar a mentalidade com relação a sua formação. A universidade é uma fase importante da vida do aluno. O mesmo deve valorizar essa oportunidade de estudar, respeitar o seu professor e amar o processo de obtenção de conhecimento. É a fase na qual a pessoa poderá dar ou não dar os seus primeiros passos em direção a sua autonomia intelectual e profissional. Universidade não é supermercado de títulos, mas uma plataforma em direção a vida adulta em todas as suas dimensões. Quando as mentalidades dos alunos e dos professores mudarem, certamente imperará uma atmosfera que reforçará a vida acadêmica nas universidades privadas no Brasil.

A Verdade:  Quais medidas poderiam ser tomadas para combater os “tubarões do ensino”?

Conscientização dos alunos, união dos centros acadêmicos e valorização da cultura universitária.

A Verdade:  Diante da conjuntura de cortes de verbas em vários setores, inclusive na educação qual a sua perspectiva para o nosso sistema de ensino atual?

Sou pessimista. Tenho visto cortes públicos no FIES e nas bolsas de mestrado e de doutorado. Infelizmente, o cenário também é de crise na estrutura pública.

A Verdade:  Qual a sua opinião sobre os programas PROUNI e FIES?

Programas importantes, mas que precisam ser reformados. Vi muitos alunos abastados com Prouni e alunos pobres sem a bolsa. Acredito que, também, houve uma grande e irresponsável concessão de crédito via FIES para instituições sem qualidade. Tenho certeza de que são programas sociais importantes, mas que não precisam abranger o grande número alunos que tem abrangido nos anos recentes. Acredito que a via mais adequada é a alocação de recursos públicos para o ensino de base e para o ensino nas universidades federais. A via mais importante para a educação enquanto política de transformação social passa pela universidade pública. Fies e Prouni devem ser pontuais.