Não são poucos os estudos e levantamentos relativos à carência de moradia digna no Brasil. Um deles, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), afirmava que, em 2011, existia no país um déficit de 5,4 milhões de unidades habitacionais. Já o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que 3,2 milhões de imóveis estavam localizados em áreas precárias, como favelas e assentamentos irregulares. Se somarmos a isso os 50 milhões de brasileiros (25% da população) que comprometem mais de 30% de sua renda com o pagamento do aluguel, teremos uma noção de que o problema da moradia no Brasil tomou, nos últimos anos, proporções gigantescas.
Com a crise econômica a situação se agravou ainda mais. Basta andar por qualquer cidade brasileira de porte médio para constatar o crescimento do número de pessoas que passaram a viver nas ruas; são famílias inteiras que fizeram das pontes, praças e viadutos seus lares. Outras tantas vão morar em áreas de risco, na casa de parentes ou em ocupações.
Mas o que tem levado tantas pessoas a engrossarem as estatísticas do déficit habitacional?
As causas do problema
Em primeiro lugar, o crescimento do desemprego. Sem trabalho, como sobreviver numa sociedade capitalista, em que tudo tem preço, pois tudo é mercadoria, inclusive direitos humanos fundamentais como a moradia? Só no ano passado, mais de 1,5 milhão de postos de trabalho foram eliminados, de acordo com o Ministério do Trabalho. Para este ano, a previsão é de que mais 1,2 milhão de vagas sejam fechadas. No total, em dois anos, mais de 2,5 milhões de pessoas ficarão desempregados.
Com mais trabalhadores desempregados, maior é o número de famílias que não têm como pagar por uma moradia de qualidade. É o que mostra a pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci), segundo a qual a proporção de imóveis devolvidos aos proprietários por motivos financeiros dobrou na capital paulista em um ano. Segundo o Creci, a inadimplência do aluguel também subiu 33% no mesmo período.
Outro motivo para o crescimento do déficit habitacional é o alto preço dos aluguéis. Apesar do levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) afirmar que o preço médio de locação de imóveis ter terminado 2015 com queda de 3,34%, a primeira desde 2008, o aluguel segue sendo uma cruz na vida de milhões de trabalhadores.
De fato, o preço médio anunciado para locação por m² nas nove cidades pesquisadas pela Fipe, em dezembro, foi de R$ 32,28 ao mês. Ou seja, o aluguel de um imóvel de 40 m² não sai por menos de 1.200,00. Essa situação tem levado pessoas como Maria Aparecida, de 56 anos, a viver em uma das muitas ocupações urbanas existentes no Brasil. “Eu e meu marido ganhamos juntos pouco mais de 1.400 reais por mês e pagávamos 850 reais de aluguel. Não dava pra viver. Por isso, viemos pra cá”, conta a diarista, que é moradora das ocupações da Região da Izidora, em Belo Horizonte. “Já me inscrevi por três vezes na prefeitura pra conseguir uma casa e nada até agora”, afirmou.
Por fim, o ajuste fiscal. Com a crise, o governo decidiu fazer economia em suas despesas cortando a verba de vários programas sociais, em especial do Minha Casa, Minha Vida, que perdeu mais de R$ 5 bilhões. Segundo o Ministério das Cidades, “a continuidade do programa limitou-se à contratação nas faixas 2 e 3, praticamente não havendo contratação de novas unidades habitacionais para famílias com renda até R$ 1.600,00 nesse ano”.
Com essa medida, o governo enforcou a política habitacional e inviabilizou, na prática, a construção de mais moradias. De acordo com o Ministério das Cidades, em 2014, o faixa 1 teve 181.967 unidades habitacionais contratadas, enquanto, em 2015, não houve nenhuma contratação.
Além disso, o governo aumentou os juros das parcelas pagas pelos beneficiários. Agora, para famílias com renda a partir de R$ 2.350 (faixas 2 e 3 do programa), as taxas variam entre 6% e 8% ao ano. Anteriormente, ficavam entre 5% e 7,16% ao ano. O valor mínimo das prestações também subiu. Para a primeira faixa do programa (para famílias com renda de até R$ 800,00), a parcela passou de R$ 25 para R$ 80 mensais. Para quem ganha entre R$ 800,00 e 1.800,00 por mês, as parcelas variam entre 10% e 20% da renda.
Crise é paga pelos trabalhadores
Ao passar o facão no orçamento do único programa habitacional do país, o governo optou por jogar sobre os pobres todo o peso da crise econômica, penalizando milhões de famílias, ao mesmo tempo em que deixou intocáveis todos os privilégios e lucros dos ricos.
Não é justo que os trabalhadores paguem por uma crise que não foi provocada por eles. Por que cortar verbas da moradia, saúde e educação e não taxar as grandes fortunas? Por que não controlar o preço dos aluguéis? Por que seguir pagando bilhões com a dívida pública? Por que permitir que empreiteiras continuem lucrando com a comercialização de um direito tão fundamental como a moradia?
É preciso uma nova política habitacional. Uma política que impeça a financeirização da moradia e priorize a construção de casas para as famílias mais pobres em regiões bem localizadas e urbanizadas. Uma política que estimule o povo organizado a construir em autogestão, sem a interferência de empreiteiras corruptas. Uma política que controle o preço dos aluguéis e estabeleça programas sérios e duradouros de aluguel social. Uma política que destine os mais de seis milhões de imóveis vazios para fins de moradia.
Sem dúvida, para construir essa nova política é necessária vontade para enfrentar poderosos interesses. Por isso, a mobilização popular e a pressão das ruas, das ocupações, associações de moradores e movimentos organizados dos trabalhadores é fundamental. Quanto mais ocupações, protestos e lutas forem realizados, mais força o povo pobre terá para conquistar o tão sonhado direito humano de morar dignamente.
Heron Barroso, Rio de Janeiro