O número oito nunca foi para fracos. No Corinthians, em particular, o oito tem algo de especial. O oito não, “a” oito.
A oito aqui já foi de Basílio, o Pé de Anjo que tirou o time da fila de vinte e três anos sem título. Já foi de Sócrates Brasileiro, o Doutor da Democracia Corinthiana. Já foi do colombiano Rincón, capitão raçudo de um dos melhores times de todos os tempos do Corinthians. E já foi de Paulinho, o jogador trabalhador que comemorou um dos gols mais memoráveis do clube no alambrado, junto da torcida.
No ano em que nasci, a oito pertencia a um meio campo habilidoso, marcador de gols, que, embora não tenha ganhado nada no tempo que passou pelo time, saiu daqui para ser vitorioso até na seleção. Cristóvão Borges era o nome dele.
O baiano volta para o time quase trinta anos depois de sua despedida para ser técnico. E o time é outro. Diferente do time recém saído da democracia e que ganhava apenas títulos regionais, agora o Corinthians é um time multicampeão e a democracia virou mera estampa de camisa para o marketing do clube. A torcida também é outra. É composta por uma geração mal acostumada com a fartura de títulos desde os anos noventa, nada de longas secas como antigamente. É uma torcida impaciente e que em vários momentos, nessa nova “arena”, tem se mostrado muito diferente daquela torcida que ficou famosa por apoiar o time em qualquer momento.
Cristóvão chega com a missão de substituir o técnico mais vitorioso da história do clube, sem nunca ter ganho um título como técnico por onde passou. Mas essa talvez seja a mais simples de suas missões.
O baiano de fala calma chega para ser o primeiro técnico negro do Corinthians em quase vinte e cinco anos. O último negro a treinar o Timão foi outro camisa oito, Basílio. Nem toda idolatria do corinthiano ao Pé de Anjo seguraram ele por muito tempo, pouco mais que cinquenta jogos durante o ano de 1992.
Isso não é pouca coisa ou mero detalhe, porque é um padrão. O futebol, como parte da sociedade, necessariamente a reflete: no Campeonato Brasileiro de 2016, além do Cristóvão, temos apenas o Roger (Grêmio) como técnico negro em atividade na série A. Em um país em que cerca de 50% da população se declara negra ou parda isso é significativo. Isso mostra muito dessa sociedade em que o “sucesso” tem raça, cor e gênero. É a mesma sociedade em que negros recebem menos de 60% do salário dos brancos e é a mesma sociedade em que negros são cerca de 70% das vítimas de assassinatos. E é emblemático que o Corinthians, um time que tem na origem de seu segundo uniforme negro, um protesto contra a proibição da inscrição de jogadores negros pela liga paulista lá atrás, em 1915, não fuja à regra do racismo velado que vivemos no Brasil.
Cristovão já enfrentou, quando treinava o Flamengo, problemas com racismo por parte de membros da diretoria do clube, além de certamente já ser calejado pela vida por esse assunto. Por isso, fica aqui a esperança de que o treinador encontre cenário melhor no Parque São Jorge e o desejo de um trabalho bem sucedido, não apenas porque esse que vos escreve é corinthiano (com ‘th’), mas porque a vitória de um negro em um espaço majoritariamente controlado por brancos, é sempre significativa.
Erik Rodrigues das Dores, São Paulo