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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Maria Quitéria: Pela Independência do Brasil, pela Libertação da Mulher!

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2 DE JULHO _ MONUMENTO A MARIA QUITÉRIA Foto: Marco Aurélio Martins /  Ag. A Tarde Data: 01/07/2008
2 DE JULHO _ MONUMENTO A MARIA QUITÉRIA

Quando um guerreiro morre, outros nascem para empunhar sua bandeira e suas armas, e assim a roda da História não para de girar. Pois, no ano de 1792, enquanto Tiradentes era enforcado por liderar o movimento da Inconfidência Mineira, pela Independência do Brasil, estava em gestação no ventre de Quitéria Maria de Jesus, a menina que se imortalizaria por levantar com altivez a bandeira do “Libertas Quae Saera Tamen” e empunhar com bravura as armas que garantiriam o fim de três séculos de dominação portuguesa sobre a terra e o povo brasileiros.

Maria Quitéria de Jesus Medeiros nasceu no dia 27 de julho de 1792, no sítio Licurizeiro, Município de São José das Itapororocas, Comarca de Cachoeira, no interior da Bahia. Posteriormente, o Município foi desmembrado e o local em que a guerreira nasceu ficou situado em Feira de Santana. Seu pai, um camponês médio, era Gonçalo Alves de Almeida.

A menina gostava de correr por aqueles longos campos que circundavam a casa da família e cedo aprendeu a montar. Aos nove anos de idade, perdeu a mãe e ficou com menos tempo livre, pois precisava cuidar dos irmãos menores. Mas, logo que eles foram crescendo, voltou às cavalgadas, caçadas, enfim, à vida livre do campo.

Mas sua madrasta, Maria Rosa de Brito, não gostava do comportamento da jovem, que considerava próprio de rapazes, e a manteve presa em casa o máximo possível, tornando-a administradora do lar e de três crianças que teve. Isso deixou Maria Quitéria muito triste. Ela nada tinha de masculinizada. Era muito bonita, despertava a atenção dos rapazes, mas resistia em namorar, pois, conforme os costumes da época, isso significava casamento rápido, e fim da liberdade, pois a mulher era esposa, mãe e dona de casa; não podia sequer participar das conversas na sala, lugar de homens. Maria Quitéria ansiava por liberdade.

Chega a hora da libertação!

Quem também sonhava com a liberdade era a Nação brasileira. Com a vinda da família real, fugindo da invasão francesa, dom João VI a elevara à categoria de Reino Unido, mas continuava dependente e submetida às leis da Metrópole. Tendo retornado a Portugal em 1821, dom João deixou aqui seu filho dom Pedro e, consciente de que a independência era questão de dias, recomendou “…se o Brasil separar-se de Portugal, que seja governado por ti e não por algum desses aventureiros”. Pressionado pelos nobres latifundiários, dom João VI começou a baixar decretos que iam aos poucos retornando o Brasil à condição de colônia. Aqui a pressão acontecia em sentido contrário. Em junho de 1822, a Comarca de Cachoeira (BA) declarou a independência; as tropas portuguesas atacaram e a luta se disseminou pelo Recôncavo baiano. No dia 7 de setembro do mesmo ano, sem alternativa, dom Pedro I lembrou a recomendação do pai e, acampado às margens do rio Ipiranga, em São Paulo, proclamou “Independência ou Morte”. Parte dos portugueses resistiu. Além da Bahia, que já estava conflagrada, houve luta nas províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí e Cisplatina.

Maria Quitéria viu na guerra da independência uma oportunidade ímpar de contribuir com a libertação do Brasil e promover a própria independência. “…Aqui, luta-se pela vida, pela nossa Cachoeira, pela Pátria. Mas luto também por mim, para libertar Maria Quitéria de Jesus Medeiros da tirania paterna, dos sofridos afazeres domésticos, da vida insossa…”.

Mas mulheres não podiam se engajar no Exército. Não seja por isso. Ela pegou as roupas do cunhado, cortou o cabelo e partiu. Nascia o soldado Medeiros, que se alistou no Regimento de artilharia e logo demonstrou sua habilidade em montar, manejar armas e a ausência de medo. Desesperado, “seu” Gonçalo saiu à procura da filha e acabou encontrando-a. Segredo revelado, e agora?  Maria Quitéria recusou-se a voltar para casa e o Comando rompeu com as regras clássicas, aceitando a combatente; até permitiu que usasse um saiote por cima da farda. Considerou que ela seria mais útil na Infantaria e a transferiu para o Regimento batizado de “Periquitos”. A heroína abriu caminho e outras mulheres, poucas, é verdade, se engajaram.

“…bombardearam Cachoeira; então um bando de Periquitos, e entre eles eu e mais cinco ou seis mulheres, entramos no rio, de culote, bota e perneira, dólmã abotoado e baioneta calada…”. Interessantes coincidências da História: no Regimento de Maria Quitéria, estava José Antônio da Silva Castro, que seria o bisavô de Castro Alves, o famoso poeta da libertação dos escravos.

Foram muitas batalhas nas quais a valentia da heroína falou alto e impôs respeito aos homens tanto em relação a ela como às demais mulheres engajadas. Na batalha de Cachoeira, a entrada no rio foi uma tática para atrair as tropas portuguesas para a luta na água. “…Ah!  Eu combato com água no nível dos peitos pela libertação da pátria e pela libertação da mulher que haverá de surgir… Minha baioneta rasga o ventre de um português que não quer reconhecer a independência do Brasil….”.

Louvores e medalhas, mas “prefiro os meus matos”

No dia 2 de julho de 1823, o Exército Libertador entra em Salvador vitorioso. A Bahia, o Brasil, estavam livres. À frente, meia dúzia de combatentes mulheres, capitaneadas por Maria Quitéria, envergando a farda azul com saiote modelado por ela própria, com vistoso capacete de penacho à cabeça, linda, atraiu aplausos e urras da multidão.

O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro, no Palácio Imperial, no dia 20 de agosto, quando uma comitiva foi receber as condecorações dadas pessoalmente por dom Pedro I. Atordoada naquele ambiente, a camponesa, para quem todos os olhares se voltavam, relatou: “…com uma zoeira nos ouvidos, mal entendo o que diz em discurso o nosso comandante. Ouço palavras soltas: “heroína”, “mulher valente”, “amor à pátria nascente” e fala para si própria: “…deve ser bom viver aqui nesses luxos, mas prefiro os meus matos, os campos rasos da minha terra”.  O imperador põe a condecoração, Maria Quitéria treme toda e escuta ele dizer: – Parabéns, a senhora é uma heroína. A Pátria lhe será eterna devedora. – Cumpri apenas o meu dever de brasileira, balbucia em resposta. Além da medalha, ganha um soldo que lhe garantirá o sustento pelo resto da vida.

À frente do seu tempo, como toda revolucionária!

Este “resto” se dá dentro dos padrões da época; pelo menos não há registro de nada diferente. Retornando à sua terra, Maria Quitéria se casou com Gabriel Pereira de Brito, que lhe paquerava desde antes da guerra, e com ele teve a única filha, Luísa Maria da Conceição.

Enviuvou em 1835, mudou-se para Feira de Santana e depois para Salvador, com a filha, e ali morreu em 1853, aos 61 anos de idade. Não recebeu homenagens. Sequer foi marcado o lugar do seu sepultamento.

Mas que importa isso? Ela nem morreu. Continua viva no sangue, no coração e na consciência do povo brasileiro, especialmente das mulheres, que continuam carentes de libertação. Estas jamais deverão esquecer a jovem que foi capaz de romper com toda a cultura machista, que na sua época não tinha contemplação com as mulheres que ousavam dar um passo além das paredes do seu lar.

Zé Levino, historiador

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