Parto humanizado é um tema que vem sendo discutido e até já se tornou motivo de ativismo nas redes sociais e nas ruas. Este tema, porém, tem sido negligenciado ou desvalorizado por muito setores da sociedade. Porém, o que é preciso observar é que, como tudo na vida, também se trata de uma razão dialética. Ou seja, assim como outras lutas, como a legalização do aborto, a questão do parto humanizado também pode ser amplamente discutida e posicionada ao lado das lutas pela causa das mulheres e pela causa da classe trabalhadora. Basta que a entendamos como uma luta que de fato é de todas e todos.
Ao falarmos sobre o nascimento de seres humanos no Brasil, atualmente, é impossível não contextualizarmos a realidade em que vivemos, o modelo capitalista de comércio da saúde/doença, a escassez de recursos destinados ao SUS, os retrocessos que já vinham acontecendo e se aguçaram muito mais com a posse de Ricardo Barros como ministro da Saúde e a falta de investimento em práticas preventivas. Vivemos em uma sociedade marcada pelo adoecimento e pelas negligências nas práticas de saúde. Porém, o que não nos damos conta muitas vezes é que isso ocorre desde o nosso nascimento e não só no fim de nossas vidas e, principalmente, que essas negligências afetam diretamente e em maior escala a classe trabalhadora. Quando analisamos a situação dos nascimentos no Brasil, as comprovações desses descasos são gritantes!
Segundo dados da Associação Brasileira de Enfermagem (2009) sobre os partos realizados no Brasil:
- Uma em cada quatro mulheres sofreu ou sofrerá violência obstétrica ou procedimentos invasivos;
- 52% dos partos realizados pelo SUS são cesarianas; e
- De 603 mil mulheres que realizam cesárea, 325 morrem.
O mais gritante é o índice de violência obstétrica que ocorre no Brasil, motivo que tem levado as mulheres a debaterem a questão da humanização do parto. De acordo com os dados, pode-se dizer que a maioria dos partos realizados no Brasil ocorre de forma violenta para a mãe ou para a criança, sem contar as pacientes que não notificam estes casos. Uma das causas desse índice está no seguinte fato: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é recomendado que no máximo 15% dos partos sejam cesarianas e boa parte dos países respeita esta porcentagem. Já no Brasil, líder do ranking na América Latina, este número chega a aproximadamente 56% da totalidade de partos. Se contarmos apenas as redes privadas, as cesáreas ultrapassam os 88%. A realização da cesariana deveria ser apenas em casos de emergência, pelo alto risco deste tipo de cirurgia. Porém, no Brasil ela é indicada e realizada por grande parte dos médicos, que em muitos casos apresentam às gestantes como uma forma (falaciosa) de “parto programado e mais seguro”. Pior ainda, não dão às mães a opção de escolha, pois para eles é um tipo de procedimento mais fácil, feito de forma agendada e rápida.
Assim, quando se fala em humanização do parto, deve-se refletir sobre o real significado deste conceito, e principalmente sobre a perversidade do sistema capitalista, que desde o nascimento já é cruel com os seres humanos. Só vamos nascer de forma livre em um sistema que seja livre de fato, na sociedade socialista. Porém, é extremamente necessário que essa luta comece agora, pois ela deve ser mais ampla do que aceitar a participação das doulas nos hospitais convencionais. Quando dizemos que grande parte dos partos no país é feita por cesarianas, inclusive pelo SUS, onde muitas vezes as mulheres das classes mais empobrecidas já saem com laqueaduras prontas (sem saber) ou com as genitálias costuradas de forma agressiva e sem o mínimo de preservação e cuidado, queremos dizer que humanizar o parto é algo urgente! Isso significa lutar por uma forma diferente de nascer, por uma saúde pública mais qualificada e mais humana em todo seu contexto, do nascimento à morte. Essa luta é necessária e precisa ser levada adiante por todos desde já.
Victória Chaves Cardoso, graduanda em Serviço Social – PUCRS