Nascido no Rio de Janeiro em 1931, Augusto Boal revolucionou a forma de pensar e de fazer teatro, o que lhe legou reconhecimento mundial. Após se graduar em Química pela UFRJ, vai para os EUA estudar Artes Cênicas na Universidade Columbia, de onde retorna em 1956.
O Brasil passava por um momento de efervescência cultural em diversos campos artísticos, o que fica evidente no início da década de 1960 com o surgimento da MPB e do Cinema Novo. O teatro sofreria o impacto das montagens feitas por grupos como o Teatro Oficina e o Teatro de Arena, do qual Boal se torna diretor. Bebendo na fonte do teatro de Brecht, dramaturgo alemão que propôs um método de teatro revolucionário e engajado, estes grupos se dedicam a desenvolver uma nova dramaturgia brasileira e uma nova formação do ator. Após o golpe militar de 1964, artistas e intelectuais passam a ser perseguidos pela ditadura, o que se agrava em 1968 com a instituição do AI-5.
Neste contexto, Boal desenvolve um teatro de cunho político e transformador, preocupado em criar uma linguagem que traduza a realidade brasileira e latino-americana sem cair no folclórico ou pitoresco. Pelo seu engajamento político será sequestrado, preso e torturado pela ditadura militar. Em 1971, exila-se em Buenos Aires. Viaja por diversos países da América Latina, onde acumula experiências que o guiarão no desenvolvimento do Teatro do Oprimido.
As classes dominantes tentam se apropriar do teatro e usá-lo em seu favor, disseminando valores que perpetuam seu poder. O Teatro do Oprimido é um teatro para ser feito com e para os oprimidos, aqueles que sofrem a exploração e a repressão das classes dominantes; leva esse nome em referência à Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, que propunha a transformação da educação por meio do diálogo. Boal defende que todas as pessoas são capazes de fazer teatro, destrói as barreiras entre espectador e ator: todos devem representar, todos devem protagonizar. Propõe jogos e métodos para a preparação dos atores (ou não-atores), dando atenção especial a jogos que contribuam para “desmecanizar” o corpo e a mente, alienados que são pela forma de vida e relações de trabalho que as pessoas têm em uma sociedade capitalista; é necessário ter conhecimento de si mesmo, explorar novas possibilidades com o uso do corpo e da voz cênicos e retomar sensações perdidas, sem, entretanto, entregar-se às emoções. É necessário refletir, racionalizar as emoções, questionar por que um personagem se emociona de determinada forma, quais as causas por trás disso; atentando que também a manifestação das emoções é influenciada pelo meio social em que esse personagem está inserido.
Para além da preparação corporal, Boal propõe que os atores se preparem também ideologicamente, tendo consciência da ação das forças sociais sobre o indivíduo e mantendo-se informados, levando sempre em conta a quem serve a mídia em que se informam: se ao povo ou à classe rica.
Dentre o escopo do Teatro do Oprimido, Boal propõe métodos para a encenação, sempre com o objetivo de conscientizar o espectador de sua autonomia frente a fatos cotidianos. O teatro jornal, por exemplo, visa a transformar uma notícia ou outro material sem cunho dramático em cenas ou ações teatrais. O teatro fórum, uma das técnicas mais disseminadas, propõe que os atores representem uma cena até o surgimento de um problema, quando é proposto que os espectadores, por meio de ação cênica, apresentem soluções ou alternativas ao problema apontado. Outro método é o do teatro invisível, que não é revelado como teatro, acontecendo onde a situação encenada deveria acontecer.
O teatro de Boal é para fazer o espectador pensar a sua realidade e ver que ela é passível de modificação. É um teatro para ser democrático, em que todos possam participar, que seja um mecanismo a favor da construção da luta popular.
Boal retorna definitivamente ao Brasil em 1986, após passar os dois últimos anos em Paris, onde lecionou na Universidade de Sorbonne. Ao retornar, é convidado por Darcy Ribeiro, então secretário do Estado do Rio de Janeiro, a dirigir a Fábrica de Teatro Popular. Em 1992, elege-se vereador pela cidade do Rio, utilizando essa experiência para desenvolver o teatro legislativo, que consiste na elaboração de propostas escritas pelos espectadores para encaminhamento de ações concretas, o que tem por objetivo despertar a consciência política.
Já bastante debilitado por uma leucemia, em 27 de março de 2009 recebe o título de Embaixador Mundial do Teatro, pela Unesco. O discurso que fez na cerimônia é considerado seu testamento, pois virá a morrer em 2 de maio do mesmo ano, aos 78 anos.
Não é o teatro que transforma a sociedade, é o homem quem a transforma; mas o teatro pode ser uma forma para transformar o homem. Há que se utilizar o Teatro do Oprimido como instrumento de conscientização da situação de classe, disseminar senso de coletividade em tempos onde se cultua o individualismo. O teatro é uma arma política, pode ser um caminho para perceber a realidade em que vivemos e as alternativas que temos ou podemos construir para modificá-la.
Carolyne Dornelles, produtora cultural em Curitiba