O Ministério da Justiça tem pronto um decreto que, se colocado em prática, representará a mais completa mudança no sistema de demarcação de terras indígenas no país desde, pelo menos, a Constituição de 1988, com a possibilidade de paralisar pelo menos 280 processos de demarcação que estão em andamento. O texto coloca em xeque terras já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores ao permitir que sejam contestadas por “interessados”.
A minuta do decreto tem como título ‘Proposta de Regulamentação da Demarcação das Terras Indígenas’, e altera as regras de demarcação, que são estabelecidas pelo decreto 1.775, publicado 20 anos atrás pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Conforme estimativas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o decreto, caso seja baixado pelo presidente Michel Temer do jeito em que se encontra, afetará diretamente 600 terras indígenas. O dado é baseado nas inúmeras restrições da minuta às demarcações em curso, impactando até mesmo terras já homologadas, além das demandas demarcatórias sem nenhum procedimento iniciado pela Funai. “O objetivo está claro, esse decreto iria inviabilizar mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios em processo de demarcação ou reivindicados pelos índios”, declarou Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), à imprensa.
A minuta do decreto adota a tese do “marco temporal”. A interpretação, baseada em uma condicionante à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e definida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como não vinculante às demais terras indígenas, defende que apenas os povos indígenas que disputavam ou ocupavam terras reivindicadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, têm o direito a elas. Segundo essa tese, os índios que deixaram ou foram expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la.
“A gente foi expulso das nossas terras, por isso muitas comunidades não estavam sobre elas em 1988. Governo sabe disso, então eles querem usar massacre que sofremos como arma contra a gente. Chamo isso de um novo massacre, tão ruim quanto os primeiros. Governo não atira na gente com arma, não mata com arma: atira e mata com esse decreto”, afirma Eliseu Guarani e Kaiowá, integrante da bancada indígena do CNPI (Conselho Nacional de Política Indígena) e da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá.
Outra novidade é a criação de uma indenização para indígenas que tenham “perdido a terra”. Na legislação do tema não há previsão de pagamento a indígenas para que deixem de reivindicar terras – o que o governo faz, como previsto na Constituição, é indenizar os fazendeiros e retirá-los de terras indígenas.
Uma terceira inovação é a necessidade de que processos de demarcação que estão em andamento tenham que incorporar “as diretrizes” do documento. É prevista abertura de prazo de 90 dias para que “interessados” se manifestem sobre processos que já estejam homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do processo de demarcação.
Grupos indígenas estão mobilizados para fazer manifestações em Brasília nas próximas semanas. Para lideranças, o governo tenta aprovar um atalho à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que retira do governo o poder de demarcação das terras, repassando essa atribuição ao Congresso Nacional, fortalecendo o poder da bancada ruralista.
Clodoaldo Gomes, jornalista e militante da Unidade Popular (UP)
Em vista que entre os próprios indígenas podem existir interesses nesse decreto vale lembrar, o prejuízo não está apenas na perda territorial mas sim na readequação das famílias que ali habitam esse sim é um prejuízo irremediável, em vista de pequeno retorno financeiro.