Natural do Alabama, Angela Yvonne Davis, nasceu no dia 26 de janeiro de 1944 no estado considerado um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos. Ela própria conta em sua biografia que sofreu desde muito nova com preconceitos racistas. Aos 14 anos, Angela Davis ganhou uma bolsa para estudar em Nova Iorque, e a partir daí sua vida mudou, com seu ingresso no movimento estudantil e seus primeiros contatos com teses comunistas.
No ano de 1960, tornou-se militante do Partido Comunista dos Estados Unidos e depois dos Panteras Negras, partido que patrulhava as ruas dos Estados Unidos impedindo o espancamento de integrantes da comunidade negra por policiais. Nessa época, os Panteras Negras buscavam apoio da sociedade para a libertação de três militantes negros que estavam detidos na prisão de Soledad, em Monterey: George Jackson, FleetaDrumgo e John Clutchette ficaram conhecidos também como os “irmãos Soledad”.
O irmão de George, Jonathan Jackson, junto com outros companheiros, interromperam o julgamento de James McClain, ativista que respondia pela acusação de ter esfaqueado um policial. Durante a fuga houve troca de tiros e dois ativistas acabaram mortos, Jackson e outro membro, além do juiz Harold Haley. As investigações do caso levaram ao fato de que a arma utilizada por Jonathan estava registrada no nome de Angela Davis.
Em agosto de 1970, Angela Davis integrava a lista dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI e também foi considerada pelo presidente dos Estados Unidos na época, Richard Nixon, como “uma ativista muito perigosa”. Tornou-se a ativista negra “mais perigosa” e “mais procurada” pelas forças estatais.
Com a prisão decretada, Angela Davis foi presa por 16 meses. Uma campanha internacional intitulada “Libertem Angela Davis” (FreeAngela Davis), encabeçada também por famosos como John Lennon, Yoko Ono, a banda The Rolling Stones, além de uma forte repercussão na sociedade estadunidense lutou para que a militante não fosse condenada injustamente, e conseguiu sua libertação.
A luta pelo povo negro e pelas mulheres
Aos 25 anos, lutou na justiça para que pudesse trabalhar como professora na universidade, pois o estado da Califórnia acreditava que uma professora com ideias comunistas não tinha o direito de lecionar para a juventude. Nos anos de 1980 e 1884, Angela Davis foi candidata à vice-presidência da República pelo Partido Comunista dos EUA na chapa de Gus Hall.
Desde sua saída da prisão, Angela passou a entender o sistema carcerário como uma continuação das políticas racistas contra os negros e imigrantes dos Estados Unidos. “O aprisionamento é a única maneira de tratar os crimes e as disfunções sociais? As despesas prolongadas com os aprisionamentos valem os benefícios momentâneos de supostamente deter o crime?”, questiona. “O desafio do século 21 não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria da opressão, e sim identificar e desmantelar aquelas estruturas nas quais o racismo continua a ser firmado. Este é o único modo pelo qual a promessa de liberdade pode ser estendida às grandes massas”, avalia Davis.
Angela Davis sempre se refere ao sistema carcerário como “um complexo industrial de prisões”. Ela também se engajou na luta pelos direitos das mulheres questionando as leituras acerca da categoria “mulher” e como são tratadas, de forma diferente, as mulheres brancas.
“Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregá-las quando atravessam um lamaçal, e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher?”
Angela Davis escreveu o livro Mulheres, raça e classe, fazendo uma retomada histórica sobre a luta antiescravagista e pela libertação das mulheres, além da relutância histórica das mulheres brancas – incluindo as feministas – em reconhecer as lutas das mulheres negras.
A autora ainda expõe a verdade sobre o que é construir um verdadeiro movimento feminista revolucionário na prática, na luta pela construção de um movimento que não compactua com a exclusão, o silenciamento e apagamento de mulheres que já sofrem com esse processo nas mãos do patriarcado e do racismo. Dessa forma, amplia-se a visão sobre o movimento feminista para que esse também deixe de reproduzir comportamentos conservadores, racistas e transfóbicos.
“Há essa resistência ao termo feminismo porque pressupõe-se que se adotem posições vazias. Há posições antimasculinas, anti-homens. Quando feministas brancas formularam pela primeira vez essa noção de direitos das mulheres, elas estavam somente prestando atenção à questão de gênero e não prestavam atenção à questão de raça e de classe. E nesse processo elas racializaram gênero como branco e colocaram uma questão de classe como uma classe burguesa, mas as feministas negras argumentaram que você não pode considerar gênero sem considerar também a questão de raça, a questão de classe e a questão de sexualidade. Então isso significa que as mulheres têm de se comprometer a combater o racismo e lutar tanto em prol de mulheres como de homens. É uma visão bem diferente daquela que a maioria das pessoas tem sobre feminismo. O tipo de feminismo que eu abraço não é um feminismo divisivo. É um feminismo que busca a integração”.
Alguns dias antes de completar 73 anos, Angela fez um discurso na Marcha das Mulheres contra o presidente Trump, que ocorreu nos Estados Unidos. Em suas palavras deixou uma mensagem convocando todos os militantes a se organizar contra todos os retrocessos que os próximos anos trarão para as mulheres, a população negra e os LGBTs.
“Em um momento histórico desafiador, vamos nos lembrar que nós somos centenas de milhares, milhões de mulheres, transgêneros, homens e jovens que estão aqui na Marcha das Mulheres. Nós representamos forças poderosas de mudança que estão determinadas a impedir as culturas moribundas do racismo e do hetero-patriarcado de levantar-se novamente.” (…)
(…) Nos próximos meses e anos nós estamos convocadas a intensificar nossas demandas por justiça social e nos tornarmos mais militantes em nossa defesa das populações vulneráveis. Aqueles que ainda defendem a supremacia masculina branca e hetero-patriarcal devem ter cuidado!”.
Assumidamente lésbica, ela tem sua história lembrada no documentário, já lançado no Brasil, Libertem Angela Davis, o mais completo e impactante relato de sua história contada pela própria ativista e comunista como parte importante na luta constante pela transformação da sociedade.
Thainá Teixeira, militante da Unidade Popular – RS (UP) e do Movimento de Mulheres Olga Benário