Rafael Braga Vieira, negro, pobre, 28 anos, residente na comunidade da Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de Janeiro. No dia 20 de junho de 2013, dia histórico em que mais de um milhão e meio de pessoas ocuparam as ruas na grande passeata contra os aumentos da passagem, Rafael foi preso na dispersão do ato por portar dois produtos de limpeza, uma garrafa de 500 ml de desinfetante Pinho Sol e água sanitária.
O laudo do esquadrão antibombas da Polícia Civil fluminense atestou o óbvio: não havia qualquer potencial explosivo no material encontrado com Rafael. Mesmo assim, por ser preto, pobre, às vezes em situação de rua e, ainda, não militante de nenhuma organização política, ele foi o único condenado nas manifestações de junho, num ato racista e de extrema covardia por parte do Estado, que não reconheceu a arbitrariedade e a truculência dos policiais que o enquadraram na Lei Antiterrorista.
Em janeiro de 2016, Rafael conquistou flexibilidade na pena e voltou a morar com a família na Vila Cruzeiro, em regime aberto, com uso de tornozeleira eletrônica. Graças à mobilização de movimentos sociais, conseguiu um emprego como auxiliar de serviços gerais em um escritório de advocacia. No dia 12 de janeiro deste ano, no caminho da padaria mais próxima da sua casa, com alguns trocados nas mãos, Rafael foi abordado por policiais da UPP que afirmaram que, por estar com tornozeleira eletrônica, era bandido e tinha envolvimento com o tráfico (a região onde Rafael mora é controlada pelo tráfico).
No depoimento de Rafael, confirmado pela única testemunha presente durante a ação da polícia, também moradora da comunidade, é dito que “os policiais agiram de forma violenta para induzi-lo ao envolvimento com o tráfico, forjando provas”. Depois disso, Braga foi levado para um local onde teve seu flagrante (9,3g de cocaína e 0,6g de maconha) forjado, o conhecido kit flagrante, usado para incriminar muitos jovens como Rafael, e foi preso novamente.
A defesa solicitou ao juiz Ricardo Coronha que levasse em conta cinco elementos para o caso: o GPS da tornozeleira, o nome do engenheiro e da empresa que, segundo os PMs, estava sendo escoltada na favela na hora da prisão de Rafael, as imagens da câmera externa da viatura, as imagens da câmera interna da viatura e as imagens da câmera da UPP. O juiz negou todas as diligências e baseou sua sentença exclusivamente na Súmula 70, que dá respaldo para que apenas o depoimento dos policiais seja necessário para o julgamento.
Desde sua primeira condenação, muitos se juntaram para lutar pela liberdade de Rafael Braga. Com isso, surgiu a Campanha pela Liberdade para Rafael Braga, que já tem atuação nacional desde 2014. O movimento busca, por meio de mobilizações, atos, debates e atividades, propagandear o ocorrido, a fim de que medidas objetivas para sua soltura sejam tomadas, além de dar apoio para que a família tenha alguma estrutura para passar por este momento com mais tranquilidade.
O caso de Rafael reúne características que tornam a campanha um importante símbolo para a luta contra o racismo estrutural e o encarceramento em massa da população negra e tem reunido militantes e coletivos de diversas organizações em unidade pelo objetivo de sua liberdade.
Por isso, a campanha está planejando para junho de 2017 o “Junho Negro Pela Liberdade de Rafael Braga”, em que haverá diversas atividades nacionais por sua liberdade, até o dia 20 de junho, quando se completam quatro anos desse crime fascista e racista da polícia carioca contra mais um negro.
Sabemos que a prisão de Rafael não é um caso isolado de uma sociedade cujo sistema econômico capitalista se desenvolveu e se fortalece através do racismo. Em números gerais, são mais de 630 mil presos no Brasil. Dentre tantos detentos, 62% são negros, e o motivo maior dessas prisões são acusações de ligação com o tráfico de drogas. Considerando que o projeto de sociedade defendida pela burguesia se baseia na concentração das riquezas em suas mãos, cabendo ao povo apenas migalhas, para o povo negro não bastam apenas as migalhas; é preciso aplicar um regime de máxima exploração ou de interrupção definitiva de suas vidas no processo de destruição da força produtiva através do genocídio da população negra e de seu encarceramento compulsório.
No caso de Rafael Braga, não importa para o Estado capitalista e racista se ele é inocente. O importante é manter a política racista de encarceramento da população negra. Ainda que culpado, é importante retomar o pensamento de Abdias Nascimento, quando diz que os crimes realizados são resultado das condições vivenciadas pelas negras e negros no que se refere às condições de pobreza e pauperismo impostas pelo racismo e pelo capitalismo monopolista, ou simplesmente pelo crime ser praticado por um negro.
Por isso, é fundamental toda mobilização para somarmos forças em junho pela construção do “Junho Negro Pela Liberdade de Rafael Braga”, propondo rodas de conversas sobre o tema, rodas culturais, debates nas escolas, universidades, bairros, nas ocupações urbanas por moradia ou em centros de referência às mulheres.
Brenner Oliveira e Dandara Rodrigues, militantes do Coletivo Negro Perifa Zumbi