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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Prefeito de São Paulo quer expulsar pobres

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Desde o dia 21 de maio, temos acompanhado diariamente a ação da Prefeitura de São Paulo, governada por João Dória (PSDB) na região da Luz, Centro da cidade. Com a justificativa de acabar com o tráfico de drogas e utilizando-se de uma gigantesca força policial, a Guarda Municipal e a Polícia Militar vêm atacando os usuários de drogas na chamada “Cracolândia”, mas também moradores e trabalhadores locais.

Naquele dia, as ruas onde ficavam os usuários foram desocupadas e, no dia seguinte, os comércios fechados e lacrados com muros. A operação de guerra teve início às 06h00, com 900 policiais, ação do Batalhão de Choque e apoio da Guarda Civil Metropolitana. Centenas de homens fortemente armados, num dia chuvoso, com 16 graus de temperatura, partiram para cima de pessoas cujo único abrigo eram barracos de lona. Armas, bombas, cachorros, spray de pimenta utilizados com aval não apenas do prefeito, mas do seu comparsa Geraldo Alckmin, governador do Estado. Os moradores de rua tiveram todos os seus poucos pertences destruídos e muitos não puderam nem pegar seus documentos. Bombas foram lançadas em cima das pessoas, dos barracos, sem nenhum diálogo.

No dia seguinte, com a migração dos usuários para as ruas adjacentes, alguns prédios foram demolidos sem nenhum critério, sem aviso prévio, culminando numa ação bárbara, já que em um dos edifícios pessoas saíram feridas após uma retroescavadeira derrubar a parede e parte do teto de um prédio no qual funcionava uma pensão. Depois disso, no dia 24, a Justiça proibiu a Prefeitura de São Paulo de remover compulsoriamente as pessoas da Cracolândia, além de vetar também a interdição e demolição dos seus imóveis.

Internação compulsória x redução de danos

Depois de destruir todos os barracos que ficavam na rua, a Prefeitura disputa na Justiça o direito de internar compulsoriamente os usuários. Além da Defensoria Pública, muitos defensores dos direitos humanos e da saúde pública contestam esta medida, que prevê o uso da força para internar usuários, mesmo contra sua vontade. Além de ser comprovadamente ineficaz, isso abriria precedentes para que qualquer pessoa, em qualquer lugar da cidade, possa ser abordada e levada, caso a polícia considere que esta pessoa é usuária de drogas. O desembargador Reinaldo Miluzzi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, considerou que o pedido da Prefeitura era“impreciso, vago e amplo, e, portanto, contrasta com os princípios basilares do estado democrático de direito, porque concede à municipalidade carta branca para eleger quem é a pessoa em estado de drogadição vagando pelas ruas da cidade de São Paulo”.

O Ministério Público e a Defensoria apontam que esta medida poderia se transformar em uma “caçada humana”. Até o fechamento desta edição, a autorização judicial estava “suspensa até que o TJ julgue o mérito da ação”.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) apontam, em nota, o uso excessivo da força na operação e apontam “profunda preocupação pelo uso excessivo da força por parte das forças de segurança do Estado brasileiro em operações tanto no marco do conflito de terras como no contexto da remoção urbana de dependentes químicos usuários de drogas ilícitas”.

Fica claro que não há uma política pública para tratar dependentes químicos. Na gestão anterior, do prefeito Haddad, foi criado o programa Braços Abertos, que propunha a redução de danos. Alguns dos antigos hotéis da região passaram a abrigar dependentes, que ali poderiam dormir, tomar banho, e receber atendimento de profissionais da saúde, além da possibilidade de trabalho. Esta política prevê uma redução do uso da droga e reinserção do dependente na sociedade. Segundo dados da antiga gestão, o programa tirou cerca de mil pessoas das ruas.

A atual gestão, no entanto, parece não estar preocupada com o destino dessas pessoas. Se pudessem, os faria desaparecer, quem sabe as enterraria nos escombros de algum prédio derrubado “sem querer” ou varridas junto com seus pertences pelo serviço de coleta de lixo.

Não é assim que se acaba com o tráfico de drogas. Esses que moram na Cracolândia são o elo mais fraco, abandonado, de uma indústria muito lucrativa. Por isso, é mais fácil exterminar do que tratar.

Ação para favorecer a especulação imobiliária

Esta política higienista, que tem como objetivo expulsar a população pobre que mora no Centro, tem relação direta com a especulação imobiliária. As ações fazem parte do projeto de “revitalização” da área, aprovada no plano de metas da atual Prefeitura, que tem como um dos objetivos a valorização imobiliária.

Dois dias antes da primeira intervenção policial na região, dia 19, o prefeito publicou um decreto declarando a área como “de utilidade pública”. Isso permite que imóveis sejam desapropriados pela Justiça ou mediante acordos. Fica claro, portanto, que Dória tem planos urbanísticos para a região e não é para construir moradia ou equipamentos populares, muito menos para tratar a questão da dependência química como questão de saúde pública. E partiu para a demolição de um quarteirão inteiro. Com gente dentro e sem aviso prévio. A Defensoria conseguiu barrar as demolições, mas os comércios locais foram fechados, com diversas justificativas, como a falta de extintores, por exemplo.

Neste mesmo momento, Prefeitura e Governo do Estado retomam o PPP de habitação, o qual, segundo o próprio site da Secretaria de Habitação, “80% das unidades de moradias serão destinadas para inscritos que moram fora da área central, mas trabalham nessa região. Os 20% das moradias restantes serão para interessados que moram e trabalham na região central. O objetivo é aproximar a moradia do emprego e reduzir o tempo de deslocamento da população”.

O que está por vir, não sabemos. Numa conjuntura onde a Força Nacional e o Exército são autorizados a atuar contra uma manifestação e sem terras são barbaramente assassinados pela polícia, fica claro que não se pretende, em São Paulo, atacar a raiz do problema: a miséria, a falta de perspectiva dos jovens ou de trabalhadores que perderam tudo. Por isso, o que acontece hoje ali, em apenas um quarteirão de um bairro chamado Luz, tem relação direta com o que tem ocorrido com toda a classe trabalhadora: remoções forçadas, retirada de direitos, desumanização.

Carol Vigliar, São Paulo

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