40 milhões de pessoas no mundo se prostituem

2615

É comum escutarmos que a prostituição é a mais antiga das profissões. Essa afirmação demonstra uma forma de naturalizar a prostituição como algo que sempre existiu, que sempre existirá, e que não podemos viver em uma sociedade sem prostituição. Essa naturalização faz com que a prostituição não seja vista como uma forma de exploração e opressão de corpos femininos.

A prostituição é a utilização do corpo de uma mulher por um homem para sua própria satisfação sexual. Não há desejo ou satisfação por parte da prostituta, como se coloca nas novelas, filmes e minisséries. Ou seja, cria-se uma romantização da prostituição, mas essa criação é uma necessidade para manter o comércio mundial de sexo. A realidade é bem diferente do que se viu na novela da Globo, “Verdades Secretas”, ou em filmes como “Uma linda mulher”.

Geralmente apresentada como um comportamento individual, a prostituição está ligada aos estereótipos, reproduzidos por grande parte da população, que culpa as prostitutas pela existência da prostituição, com base em uma concepção moralista ou religiosa. Mas esse discurso é justamente para esconder os bilionários lucros que esse mercado movimenta no mundo.

A exploração sexual é uma das atividades ilegais que mais geram lucros. Os exploradores chegam a ter ganhos de US$ 99 bilhões anuais, ou 66% de todo o lucro gerado no mundo com o trabalho forçado, de acordo com o relatório Estimativas Econômicas Globais do Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O tráfico de mulheres para a prostituição também gera lucros exorbitantes anuais de US$ 16 bilhões na América Latina, segundo a Organização Internacional de Migrações (OIM). A prostituição feminina está em segundo lugar, com o tráfico de armas, como o negócio ilegal que movimenta mais dinheiro, depois do narcotráfico. De acordo com a OIM, um cafetão chega a ter um lucro líquido de US$ 13 mil ao ano por cada mulher que explora. As prostitutas estão facilmente acessíveis, em todos os níveis do mercado, a qualquer homem que possa pagar por seus serviços, e elas são oferecidas como parte de transações comerciais, políticas e diplomáticas.

O surgimento da prostituição

O surgimento da prostituição advém do surgimento da propriedade privada dos meios de produção e do desenvolvimento da família monogâmica na sociedade. A partir do século 20, a prostituição assume um caráter mercadológico por meio das instituições empresariais eróticas, e a atividade da prostituta começa a ser organizada por “agenciadores”, “cafetões” ou “cafetinas” em troca de uma certa “segurança” e um lugar para prostituir-se.

Apesar da repressão social e religiosa, e da falsa moral burguesa, a prostituição não terminou, mas pelo contrário, renova-se e ressurge com mais força a cada dia, com redes mundiais de comércio sexual movimentando bilhões no mundo todo.

A legalização da prostituição é a solução?

Um estudo da fundação francesa Scelles revelou que mais de 40 milhões de pessoas no mundo se prostituem atualmente, a grande maioria (75%) mulheres com idades entre 13 e 25 anos. Diante desse montante de pessoas exploradas e escravizadas sexualmente, existem alguns setores do movimento feminista, militantes sociais, juristas e advogados que defendem a legalização da prostituição no Brasil.

Na Alemanha, onde a prostituição já foi legalizada, proíbe-se o anúncio da prostituição, pois este tipo de propaganda é considerado imoral. A concorrência entre as prostitutas e cafetões formou um verdadeiro “apartheid moral” nas cidades. As prostitutas mais jovens têm espaço garantido nas casas de prostituição. As mais velhas acabam ficando nas ruas, onde existem regras rígidas e cruéis que a lei não resolveu. A segregação moral, espacial e trabalhista continua existindo mesmo após a aprovação da lei. A legalização permitiu que a indústria do sexo não tivesse grandes problemas para traficar para a Alemanha nada menos que 40 mil mulheres, importadas da Europa Central e do Leste, para abastecer um gigantesco complexo ligado à prostituição.

Assim, podemos perceber que o capitalismo se utiliza da legalização da prostituição, uma lei supostamente feita para proteger as profissionais do sexo, para potencializar seus lucros, explorando o corpo da mulher e defendendo seus interesses de classe dominante.

A prostituição no Brasil

A prostituição no Brasil é uma atividade profissional reconhecida pelo Ministério do Trabalho, com classificação na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), e não possui restrições legais se praticada por adultos. Se prostituir no Brasil não é crime, o que é expressamente proibido em lei é agenciar ou administrar a prostituição ou ter um local destinado a esta atividade.

Em nosso país já ocorreram várias tentativas de legalização da prostituição. Em 2003, o deputado federal Fernando Gabeira (PV) apresentou o Projeto de Lei 98/2003, que objetivava a legalização da comercialização do sexo. Em 2004, o deputado Eduardo Valverde (RO) apresentou proposta semelhante, que visava legalizar o que hoje é proibido: administrar a prostituição e permitir casas de prostituição. Em 2012, o deputado do PSOL Jean Wyllys apresentou o Projeto de Lei N° 4.211 à Câmara dos Deputados propondo a regulamentação da prostituição. O objetivo seria não só “desmarginalizar” a prática como também aumentar o controle e a fiscalização do Estado sobre o “serviço”, garantindo supostamente proteção às mulheres em situação de prostituição.

O projeto define as atividades da profissional do sexo da seguinte maneira: “Art. 1º: Considera-se profissional do sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que, voluntariamente, presta serviços sexuais mediante remuneração. § 1º É juridicamente exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual a quem os contrata. § 2º A obrigação de prestação de serviço sexual é pessoal e intransferível”.

Não podemos confundir a relação prostituta-cliente com a relação entre o patrão que explora a força de trabalho do empregado para produzir uma mercadoria ou um serviço. Isso porque é impossível comercializar o sexo sem comercializar a pessoa. A própria mercadoria (corpo) é o meio de produção (corpo). Então, não se trata da venda da força de trabalho, mas da escravização do corpo da mulher, que se transforma em próprio objeto, mediante pagamento em troca de serviços sexuais.

Este PL significa um retrocesso na luta pela libertação da mulher e contribui para a expansão da indústria do sexo e do tráfico de mulheres, na medida em que descriminaliza e legaliza a exploração sexual. Em vez de libertar as mulheres da opressão a que estão submetidas, é uma tentativa de institucionalizar a mercantilização do corpo da mulher, naturalizando a prostituição como um trabalho assalariado.

Essa lei favorecerá a quem? À indústria sexual ou às prostitutas?  Nos países em que foi legalizada, a prostituição só fortaleceu toda a rede mundial de sexo, exploração sexual e tráfico de mulheres. Claro que não podemos negar as condições precárias de vida dessas mulheres, porém o que temos que defender é o fim da prostituição. Que nenhuma mulher necessite vender seu corpo para sobreviver. E tampouco devemos cair no discurso de que “o corpo é dela, ela faz o que ela quiser…”. Em outras palavras, o discurso que pode aparentar ser tão “libertário”, “de libertação sexual das mulheres”, infelizmente só ajuda a aumentar as fortunas à custa da exploração sexual de corpos femininos.

Defender o fim da prostituição não é uma posição moralista. Pelo contrário, lutamos contra um sistema que exclui as mulheres, que as joga em uma situação de pobreza extrema e que, diante da ausência de condições de vida, escraviza seu corpo, naturaliza o machismo e faz desse comércio um negócio lucrativo para os sanguessugas capitalistas.

Lênin, em seus debates com a comunista Clara Zetkin, deixou claro que as prostitutas não representam uma categoria especial que necessita de atenção exclusiva, mas fazem parte de um cenário mais amplo onde está colocada a exploração e a opressão da mulher como sujeito social.

A mercantilização do corpo é uma das formas mais bárbaras de opressão. Permitir em lei que o cafetão fique com metade do valor é legalizar a barbárie. A legalização de casas de prostituição não ajudará as mulheres prostitutas, como não tem ajudado nos países capitalistas desenvolvidos, tampouco garantirão a segurança social delas.

Nossa luta deve ser para as mulheres terem direito ao trabalho produtivo, pois não somos contra as prostitutas, mas sim contra a prostituição e a comercialização dos seus corpos. O combate à comercialização do corpo e ao tráfico de mulheres deve começar desde já, porém somente em uma sociedade socialista poderemos superar esse estágio da humanidade.

Claudiane Lopes, Fortaleza

Publicado em A Verdade, nº 185. Julho de 2016