A Verdade entrevistou Poliana Souza, moradora da Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte-MG, e uma das coordenadoras nacionais do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Na conversa, Poliana afirma que “senada mudar, vamos ficar sem novas escolas, postos de saúde, hospitais. Para piorar, o governo ainda quer aprovar a reforma da previdência e denuncia a perseguição policial que sua família tem sofrido”. – Por Heron Barroso
Minha mãe pagava aluguel há mais de dez anos e eu morava de favor em cima da casa da minha ex-sogra, com meu ex-marido e minha filha. Um dia, eu estava trabalhando numa lojinha aqui no bairro quando uma turma do MLB passou em frente com megafone e me entregou um panfleto que dizia assim: “Se você mora de favor ou de aluguel, venha conhecer o MLB e lutar conosco pela moradia digna”. Não me esqueço nunca mais disso. Fui pra reunião e senti muita firmeza nas palavras e na ação do movimento. De cara, me identifiquei muito com essa luta, pois a questão da moradia pra mim sempre foi um problema muito grande. A partir daí, participei de todas as etapas de preparação para a Ocupação Eliana Silva I, em 2012, que foi despejada pela PM. Mesmo assim, continuei no movimento, entrei pra coordenação e ajudei a organizar a Eliana Silva II, onde moro hoje com a minha família, que entrou toda para o MLB pra nunca mais sair.
Essa luta por moradia é muito importante para você, não?
Com certeza! A luta por moradia é a luta que me move. É a base pra muita coisa. Uma família sem casa é uma família desestruturada. Uma pessoa sem teto pra viver dificilmente vai conseguir acesso a outros serviços, como escola, saúde, etc. Eu mesma sou testemunha disso. Minha mãe me matriculava numa escola e muito rápido a gente tinha que se mudar porque não tinha como continuar pagando aluguel naquele bairro. Isso atrapalhou muito meu processo de educação. Por isso, a questão da moradia é essencial. A pessoa ter um lugar para morar, onde finque raízes e construa relações com outras pessoas, é fundamental. Hoje, as famílias pobres sofrem muito com a falta de moradia digna. Eu costumo dizer que essa luta é o primeiro passo. Depois que a pessoa conquista um lugar para morar ela passa a ter condições para lutar por outros direitos.
Por essa luta você tem recebido várias ameaças?
Sim. Durante as manifestações de junho de 2013, eu e meu companheiro, Leonardo Péricles, começamos a receber várias ameaças, especialmente da Polícia Militar de Minas Gerais. Isso cresceu ainda mais recentemente, depois dos despejos das Ocupações Temer Jamais, que o MLB realizou em Belo Horizonte, no final do ano passado, e da Manoel Aleixo, promovida pelo movimento no último mês de abril, na cidade de Mário Campos, região da Grande BH. Essas ameaças são feitas através de ligações anônimas, perseguição na rua, presença ostensiva da PM ao redor da nossa casa, etc. Já tentaram, inclusive, entrar na casa da minha mãe. Durante o processo da Ocupação Temer Jamais, a polícia sequestrou uma moradora daqui da Eliana Silva, uma senhora de quase 60 anos, e ficou durante horas rodando com ela na viatura perguntando sobre a gente, dizendo que iam nos pegar, etc. Já aconteceu também de a PM pegaroutros militantes do movimento no meio da rua pra mandar o recado. Uma vez, durante o despejo de uma ocupação em Ibirité, eu fui detida ilegalmente pela polícia e torturada. Quebraram as algemas no meu braço, me agrediram e ameaçaram dizendo que minha hora estava pra chegar. Essas ameaças são também consequência do processo de luta contra o despejo das ocupações da região da Izidora. Lá, quase todas as lideranças que atuavam naquele território foram ameaçadas.
Parece que essas ameaças não têm te intimidado…
De forma alguma! (risos). Ao contrário. Eles acham que com isso nos amedrontam, mas, na verdade, ficamos ainda mais indignados. Essa raiva que sentimos se transforma em força para lutar. Tudo isso tem me fortalecido ainda mais. Eu vejo o que acontece com o povo pobre das periferias, que é massacrado pela polícia e não me sinto no direito de baixar a cabeça diante dessas ameaças.
Você falou da periferia. Quais têm sido as consequências das medidas do Governo Temer na vida de quem mora nos bairros pobres?
A gente sente isso na pele. O que mais nos afeta é o desemprego. É muita gente desempregada, muita mãe e pai de família que não consegue mais trabalhar por falta de oportunidade. Somado a isso, tem a questão dos cortes feitos nos programas sociais, como o Bolsa Família. Muita gente que dependia desse programa para viver perdeu o benefício e agora está desamparada, passando fome, inclusive. A gente ainda não começou a sentir as consequências do congelamento por 20 anos das despesas do governo (PEC 241/55), mas sabemos que vai ser um problema muito grande. Se nada mudar, vamos ficar sem novas escolas, postos de saúde, hospitais. Para piorar, o governo ainda quer aprovar a reforma da previdência. As pessoas na periferia trabalham a vida inteira sonhando com a hora de se aposentar e descansar, porque o pobre só descansa quando se aposenta, aí vem o governo e quer tirar esse direito? Tenho certeza que a periferia vai se rebelar contra isso.
O MLB participa da campanha pela legalização da Unidade Popular (UP). Como tem sido a experiência de construir o partido nos bairros pobres?
É como se ainda houvesse uma luz no fim do túnel, sabe? O PT foi durante muito tempo a alternativa do povo pobre, o partido dos trabalhadores. Com a desmoralização do PT devido a seu envolvimento com escândalos de corrupção e à própria política do partido – porque, verdade seja dita, o Temer deitou na cama que o PT arrumou –, as pessoas estão vendo a UP como uma alternativa. Essa proposta tem sido muito bem aceita nos lugares por onde andamos. Essa história de que política é uma coisa suja e que partido é tudo corrupto serve apenas para manter quem está no poder e afastar os trabalhadores da luta. Se depender da nossa vontade, a UP vai se legalizar logo logo.