O poder popular e a democracia revolucionária

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Olhando a partir de uma perspectiva histórica, a literatura acerca da possibilidade de o povo exercer o poder político é farta e se entrelaça com a consolidação da democracia, mas não se realiza nela, pois nos sistemas onde houve uma experimentação democrática tiveram suas potencialidades entravadas pela subordinação a uma estrutura econômica com classes de interesses contraditórios, ou seja, houve um impedimento em seu processo  de desenvolvimento causado pela divisão social entre opressores e oprimidos. Em nossos textos, artigos do jornal e até em palavras de ordem é comum nos depararmos com o termo “Poder Popular”. Esse conceito é muito atrativo por que o poder popular nos transmite uma ideia de democracia plena, o poder político para as massas, e é exatamente isso que essa categoria significa:

A realização dos interesses da maioria que garante o seu poder através de suas instituições representativas. Afinal, só existe democracia onde as massas possuem voz e ampla participação política. O artigo segue com o objetivo de demonstrar, através da história, como foi constituído o Poder Popular e seus mais recentes desenvolvimentos através da teoria marxista-leninista.

A primeira experiência efetiva de realização do poder popular através de um governo operário mobilizado em armas foi a Comuna de Paris. A resistência heroica ante os invasores estrangeiros e ousada afirmação da soberania do povo em forma de levante revolucionário expulsou todos os aristocratas, industriais burgueses e latifundiários da cidade transformando as estruturas políticas e dando a elas um caráter profundamente popular, democrático e radical. Lênin considerou a causa da Comuna de Paris como imortal porque expressa o anseio universal de todos os povos oprimidos em querer consolidar sua emancipação política e econômica na forma de ditadura do proletariado. Mostrando que de fato a classe trabalhadora está predestinada, desde o início da sociedade burguesa, em construir o socialismo. A destruição da máquina de exploração das elites dominantes se viu realizada pela primeira vez na história, o povo tomou o céu de assalto.

A efetivação do poder popular encontra em si exemplos distintos embora igualmente legítimos no decorrer da história. A elaboração dos primeiros sovietes em 1905 expressa uma fração dessa tendência. A revolução de 1917 representa o estágio absoluto desse movimento, o momento no qual a efervescência política demandando as liberdades a tanto negadas ao povo extravasa o que foi determinado e limitado pelas elites dominantes que se viam estrategicamente encurralados, pois tudo o que elas tinham a oferecer para as massas não seria suficiente para concretizar as aspirações revolucionárias do proletariado em luta.

O conceito de democracia para as classes dominantes

O conceito de democracia quando usado pelas classes dominantes é contraditório em si mesmo. Há uma evidente contraposição entre um sistema político democrático dentro de uma estrutura econômica excludente. Em uma sociedade de classes, o poder político sempre vai estar nas mãos de uma classe dominante que molda os mecanismos em que se exerce o poder para atender os seus interesses objetivos mesmo que isso signifique submeter à maioria da população as regras da minoria da população.

A mais significativa experiência democrática da antiguidade é a democracia ateniense. Em Atenas, todas as decisões políticas eram debatidas entre os cidadãos atenienses, grandes discussões ocorriam em praças públicas e os cidadãos tinham o direito de participar de assembleias, reuniões etc. Porém, o conceito de cidadania em Atenas era extremamente excludente, já que eram apenas considerados cidadãos aqueles que eram homens livres, filhos de pai e mãe ateniense, maiores de 18 anos e possuidores de terras, enquanto a maior parte da população de Atenas eram escravos que não possuíam direito político algum. Trata-se de um empecilho imposto pelas elites – as únicas que atendia os critérios impostos por elas mesmas – para exercer o seu domínio.

A exclusão das massas da participação política, na Grécia, se dava por meios institucionais, já na democracia burguesa, essa exclusão se dá por fatores subjetivos e objetivos recorrendo às clássicas restrições institucionais apenas em casos extremos de revolta popular em que as liberdades democráticas tornam-se uma ameaça ao próprio funcionamento das instituições.

Condições Objetivas: A exclusão da população a política se inicia a partir das contradições do próprio capitalismo que concentra não somente a riqueza na mão de uma minoria, mas também toda gama da produção literária acerca da política e das ciências e, no que tange a esse assunto, privam concretamente o sujeito revolucionário – o proletariado – de seus instrumentos subjetivos para o cumprimento de seu programa.

Condições Subjetivas: O domínio da burguesia pelos meios econômicos e, consequentemente, os meios de comunicação inibem e proíbem os proletários de cumprir um papel teórico e real na manutenção da democracia. A burguesia amplia o seu poder de influência ideológica para interferir na subjetividade coletiva, instaurando a indiferença e a aversão pela política.

Os elementos “progressistas” que tem força nesse meio não passam de ideólogos sociais-democratas ou membros da aristocracia operária que não fazem nada além de iludir e enganar ainda mais os trabalhadores brasileiros com falsas teses de “democracia (burguesa) participativa”.

Um grande exemplo desse poder da burguesia no fator subjetivo está no domínio dos jornais, em perseguir e excluir os jornais e obras da classe operaria, ao não promover nenhuma democratização da mídia e permitir que o domínio da imprensa esteja nas mãos da Globo e de outras mídias burguesas.

Nesse sentido, há a necessidade dos trabalhadores mais conscientes em construir uma mídia alternativa onde seja regida, organizada e financiada pelos próprios trabalhadores, divulgando e propagando um governo revolucionário e socialista.

Na mesma Grécia democrática eram chamados de “idiota” aquele que se negava a participar da vida política do país. A contribuir nos debates, defender suas posições. O sujeito passivo era o idiota, numa perspectiva puramente etimológica. A adição dos fatores subjetivos na determinação desse afastamento do sujeito-político de suas instituições representativas – instituições governamentais, estatais etc. – é a propagação da ideologia burguesa entre a população, baseada no medopassividade ante aos acontecimentos. Trata-se, num sentido gramatical, de um processo de “idiotização” do povo em geral protagonizado pela burguesia.

“O ideal dos capitalistas é que os operários e os camponeses sejam uns servos submissos que suportem sem protestar o jugo da exploração. Partindo dessas considerações, os capitalistas não quiseram desenvolver nos operários e camponeses o valor e a intrepidez, não quiseram dar-lhes a menor instrução, pois é mais fácil dominar gente atrasada e embrutecida. ”

Mikhail Kalinin: Sobre a Educação Comunista

O poder popular na história

Mas afinal, quando surgiu o conceito de Poder Popular? Vemos esse termo, na maioria das vezes, apenas como uma palavra de ordem, mas o albanês EnverHoxha, fundador do Partido do Trabalho da Albânia e líder da Albânia Socialista foi o primeiro a utilizar esse termo na literatura marxista-leninista, e o tratava como uma categoria do pensamento socialista, já que a experiência albanesa foi marcada pelo poder popular propriamente dito.

No texto “As Massas Edificam o Socialismo e o Partido Fá-las Ter Consciência”, Enver Hoxha nos dá uma ideia clara do que significa esse conceito, contextualizando com a experiência da Albânia Socialista, já podemos ver como uma das nações socialistas mais democráticas que temos na história.

“Todo o povo sabe que esses planos foram elaborados e discutidos amplamente com as massas, enquanto a direção do Partido procedeu, em cada uma das ocasiões, à síntese da grande atividade dos comunistas e do povo, que se tinham lançado ao trabalho, vencendo as dificuldades, para edificação do socialismo de acordo com as condições do nosso país.

No final de cada ano ou de cada plano quinquenal[1], a direção do Partido e todo o Partido em conjunto extraíram as conclusões de toda essa atividade e dessa luta, verificaram quais eram as melhores experiências e tiraram as lições necessárias para elaborar e realizar o plano quinquenal em curso. Em todas as ocasiões, a direção deu determinadas diretrizes e nunca deixou de fazê-lo. ”

– Enver Hoxha: As Massas Edificam o Socialismo, O Partido Fá-las Ter Consciência

O camarada Enver Hoxha coloca em seu texto um claro exemplo de Poder Popular na construção da Albânia socialista ao falar dos planos quinquenais albaneses. A participação do povo na elaboração dos planos quinquenais foi algo que marcou aquela experiência socialista.

O Poder Popular é a expressão da Ditadura do Proletariado. Esse termo pode causar espanto a muitos, mas basta entender que toda forma de governo é a ditadura de uma classe sob a outra, a ditadura do proletariado é a classe trabalhadora organizada como classe dominante a fim de derrubar a ditadura do capital e trazer democracia proletária.

Tomemos o exemplo dos camaradas albaneses. Através dos órgãos de Poder Popular, questões políticas e econômicas eram discutidas com a população, o povo participava das decisões, estudava os resultados e, dessa forma, cientificamente analisavam as lições vindas das experiências obtidas com cada plano quinquenal.

A constituição da República Popular Socialista da Albânia garantia a participação de todo povo dentro dos conselhos populares:

“Constituição da República Popular Socialista da Albânia, Artigo 5:

  1. Todo o poder estatal na República Popular Socialista da Albânia emana do povo trabalhador e a ele pertence;
  2. A classe operária, o campesinato cooperativista e os demais trabalhadores exercem o poder através dos órgãos representativos, bem como diretamente;
  3. Os órgãos representativos são a Assembleia Popular e os Conselhos Populares;
  4. Nenhum outro, exceto os órgãos definidos expressamente nesta Constituição, pode exercer, em nome da República Popular da Albânia, a soberania do povo e suas atribuições.

Já no Brasil atualmente, é possível ver diversas expressões do poder popular dentro das organizações guiadas pelo Marxismo-Leninismo que temos em nosso país, um exemplo claro é o Movimento de Luta em Bairros, Vilas e Favelas, que através de ocupações rurais e urbanas em terrenos que não cumprem função social, colocam nas mãos das massas a posse desses terrenos e as faz construir o que pode se considerar um embrião do poder popular, o que constitui a negação direta da ordem institucional e a real democracia pelas massas, alterando radicalmente a estrutura de poder de forma que a tomada de decisão seja pela expropriação dos expropriadores.

Portanto, quando gritamos a favor do Poder Popular não estamos meramente utilizando de um palavreado de efeito, mas estabelecendo uma proposta real para os trabalhadores, a construção do poder popular significa a libertação e a síntese da verdadeira democracia proletária e não a atual e ultrapassada democracia burguesa.

Douglas Louis, Thales Franco e Arthur Bernard

[1]. Os Planos Quinquenais eram o meio dos governos socialistas de estabelecer uma planificação da economia, instituindo metas de produção, metas coletivas e individuais que iriam garantir o total desenvolvimento econômico, cultural e espiritual de forma harmônica do país inteiro.