Durante as crises econômicas do capitalismo, os primeiros a sofrer as consequências são os trabalhadores. É o que acontece hoje no Brasil, onde 14 milhões de pessoas estão desempregadas, ou 23 milhões, se somarmos aqueles que sobrevivem de bicos ou do chamado trabalho informal. Muitas vezes a informalidade é uma opção melhor do que trabalhar para receber um salário mínimo de apenas R$ 937, que, segundo o Dieese, é quatro vezes menos do que é realmente necessário para sustentar uma família de quatro pessoas.
A Constituição Federal estabelece que o salário mínimo deve ser o bastante para suprir os gastos relativos a alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, e deve sofrer reajustes periódicos que preservem o poder aquisitivo do cidadão e de sua família. Atualmente, se o governo cumprisse com o que está escrito na lei, o salário mínimo deveria ser de R$ 3.899,66. Entretanto, todos os esforços dos governos brasileiros – o atual e os passados – sempre foram no sentido de satisfazer a vontade e os interesses dos mais ricos, a burguesia, apesar de serem os mais pobres, a classe trabalhadora, aqueles que realmente constroem toda a riqueza do país.
O jornal A Verdade conversou nas ruas com alguns desses trabalhadores, que se viram como podem, trabalhando nos trens, ruas e sinais de trânsito do Rio de Janeiro, faça chuva ou faça sol.
“Devido à crise fui mandado embora”
André Luiz Souza da Silva, 27, é casado, pai de três filhos pequenos e há seis anos trabalha nos sinais de trânsito no centro do Rio vendendo doces e outras mercadorias. Antes trabalhava na construção civil como carpinteiro, formado pelo Senai, com carteira assinada e todos os direitos trabalhistas. Porém, assim que a crise se abateu sobre o setor, foi demitido com mais quarenta colegas.
André mora em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Todos os dias vai para as ruas do entorno da Central do Brasil vender balas e jujubas. “Todo mundo tem dois reais no bolso, na gaveta do carro”, explica. Seu dia de trabalho começa sempre às 5h, quando sai de casa. Pega o trem às 5h40, chega às 7h e fica nos cruzamentos da avenida Presidente Vargas até às 19h, todos os dias, de segunda a sábado. Domingo descansa. Sua meta diária é faturar pelo menos R$ 120, o que nem sempre consegue.
Com o que arrecada, André paga o aluguel e a previdência (INSS). Sua esposa, também desempregada, montou recentemente uma banca perto de casa onde vende panos. Juntos, sustentam a família com muitas privações.
André explica que existem várias “categorias” de camelôs. Os que vendem nas ruas, nos transportes e os que possuem bancas. Há diferenciações no modo de trabalhar de cada um. No trem existe uma hierarquia, são as mesmas pessoas que trabalham diariamente. “Se você vai bater um vagão, tem que esperar quem estiver vendendo para depois oferecer a sua mercadoria”. Nos sinais de trânsito é parecido. “Neste sinal estamos há seis anos. Se chegar outro, com a mesma mercadoria, não pode”.
Oferecemos a ele a edição de agosto do jornal A Verdade. De cara, chamou-lhe a atenção o artigo “A Reforma Trabalhista e a mentira da livre negociação”. “Achei interessante. Está abrindo a mente das pessoas em relação aos patrões e essa política que acontece no nosso país. Nessa matéria sobre a reforma dos patrões, acabei me vendo nela. Trabalhava com carteira assinada e devido à crise fui mandado embora. Procurei serviço e não encontrei. Então, resolvi trabalhar em tempo integral como camelô”.
“Nem paro para almoçar”
Depois de André, conversamos com Luan Maicoln Tavares dos Santos, 25 anos. Casado há três anos, ainda não tem filhos. Mora de aluguel também em São João de Meriti. Sua mulher trabalha com carteira assinada como cuidadora.
Há quatros anos e meio, Luan trabalha como vendedor no sinal de trânsito. Sua rotina vai de segunda a sexta-feira, de 10h às 19h, e às vezes aos sábados também. “Hoje em dia está difícil as pessoas gastarem dinheiro. A situação do país está muito ruim. Antigamente, eu chegava aqui com três caixas às 8h, e às 13h não tinha mais produto. Agora, muitas vezes paro às 19h sem vender tudo. Quando o sinal está bom, nem paro pra almoçar, vou direto”.
Sobre sair das ruas e voltar para o mercado formal, ele diz: “só largo o trabalho de vendas em sinais se ganhar mais do que tiro na rua, mais que o salário mínimo. Vou sair da rua pra ganhar menos?”.
“Todos esses governos são ladrões”
Valéria Silva, 50 anos, pensa da mesma maneira. Há 30 anos trabalhando nos sinais, ela explica que “antigamente havia mais unidade e companheirismo entre os camelôs. A situação econômica piorou muito, a concorrência aumentou e o fato de ser mulher gera discriminação”. Valéria realiza trabalhos culturais para complementar a renda e pagar as contas. O marido está desempregado.
Na opinião dela, que vende chocolate na rua, “todos esses governos são ladrões, mas na época do Lula era um pouquinho melhor. A gente vivia melhor, tinha mais emprego. Agora, o povo, meus fregueses, passam aqui chorando que não têm dinheiro pra nada, que estão devendo aluguel, devendo luz. Tenho fregueses que me devem! Vendo fiado e não cobro porque eles não têm dinheiro. Muitos pegam dinheiro com agiotas”.
Valéria é taxativa no que acredita ser a melhor saída para o país: “A solução para mudar essa situação econômica seria o povo matar todos os políticos corruptos. Pode até não resolver, mas os que entrassem iriam ficar com medo”, defende, rindo.
Esses relatos são apenas um pequeno retrato da ginástica diária de milhões de brasileiros pela sobrevivência. Uma desumanidade que só existe graças à exploração capitalista sobre os trabalhadores. Para esses, não há tempo para leitura, estudo, lazer. Nas cordas do trapézio da vida, o seu equilíbrio e a sua queda exigem sempre, a todo momento, uma recuperação rápida dos seus passos e braços para o retorno às bases, para a vida que segue.
Denise Maia, Rio de Janeiro