No início deste ano, militantes do movimento sindical, estudantil, de mulheres e de luta pela moradia que estão empenhados na construção da Unidade Popular (UP) se reuniram no auditório do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco para eleger o Diretório Estadual do partido, tendo em vista que a UP conquistou o mínimo necessário de assinaturas no Estado para o registro do partido.
Dentre as pessoas que integram hoje o Diretório Estadual estão Miguel Correia, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco; Isaías Pereira, corretor de imóveis; e Domingos Sávio, professor de História. Eles conversaram com o jornal A Verdade sobre o processo de legalização da UP e a luta pela construção do socialismo no Brasil.
Militantes da esquerda há vários anos, a história de luta liga esses companheiros. “Eu nasci numa usina. A usina, na sua plenitude, na moagem, agregava muitos trabalhadores. Na faixa dos seis a oito meses de trabalho, vinha a entressafra e eu via a dor daquelas pessoas que iam perder o emprego, com filhos abandonados e tudo. Além do mais, eu nasci perto de Nazaré da Mata, onde tinha a linha férrea. E nas secas, o que vinha de flagelados, gente com fome… aquilo marcou muito a minha vida.”, disse Isaías ao explicar o motivo de lutar pelo socialismo. “Vou dizer uma coisa muito simples: a natureza é socialista. Quando cai a chuva no Sertão, ela cai para um fazendeiro e cai para um pobre trabalhador. A grande lição de vida pra mim é, inclusive, da natureza. Então, acreditando nisso, apesar da minha idade já avançada, 68 anos, estou aqui pronto para a luta!”, concluiu.
Miguel e Domingos foram militantes do PCB e do PT, e Isaías já militou no PCB. Mas hoje o que une os três é o desejo de construir uma alternativa para o povo trabalhador. “Há algum tempo, estou procurando uma alternativa para o quadro partidário que a gente tem hoje. Esse quadro não me satisfaz. Então, depois de muitas conversas e pesquisas, conheci a proposta da UP, que me despertou interesse por ser algo novo do ponto de vista da proposta de organização. Acredito que do ponto de vista dos princípios seja um resgate de valores que nós deixamos para trás”, declarou Miguel. “Venho há alguns anos procurando um partido que possa devolver o sentido de ser organizado, de se construir uma sociedade socialista. Então, a UP chega pra mim dessa forma e eu acho que estou me reencontrando na organização política e numa perspectiva de uma sociedade justa. Com a UP eu estou sendo devolvido à militância”, completou Domingos.
Em Pernambuco já foram recolhidas mais de 170 mil assinaturas nesse processo. A conjuntura de retrocessos no campo político tem despertado a indignação das pessoas, o que se percebe nas falas do povo durante as coletas. “Embora nos últimos anos nós não tivéssemos aquilo que poderíamos chamar de ‘governo dos sonhos’, nós tivemos alguns avanços importantes e algumas melhorias ainda que tímidas nas condições de vida dos trabalhadores e das pessoas mais pobres. Entretanto, o que a gente tem hoje é um quadro perigoso. Apesar de o governo, agora há pouco, ter adiado a votação da reforma da Previdência, dependendo do resultado das próximas eleições, essa pauta será retomada ou será descartada de vez. Aliás, esse é outro problema dentro dessa conjuntura: as eleições. Temos, inclusive, dúvidas se elas ocorrerão de fato e, se ocorrerem, em que condições. Agora mais recentemente, a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro é um sinalizador muito ruim do que pode vir a acontecer com o restante do País, um quadro extremamente complicado, preocupante. Ao mesmo tempo, nós estamos com uma fragilidade na organização dos trabalhadores, na organização partidária, e esse é mais um motivo para a gente investir na UP como uma alternativa que proponha caminhos objetivos e concretos para os trabalhadores”, concluiu Miguel Correia.
Conquistar a legalização
Os golpes sofridos nos últimos meses pela classe trabalhadora também preocupam Domingos, que analisa a intervenção militar no Rio de Janeiro como uma ameaça à democracia. “Eu participei da retomada da democracia quando era estudante ainda, peguei o finzinho da ditadura, onde não se tinha liberdade de pensar, a gente não tinha filosofia, a gente não tinha história – ou pelo menos não como deveria ser trabalhada. Apanhei na rua, levei porrada, brigando para um dia voltar a uma sociedade democrática. E de repente, entre aspas, a gente vê todo esse projeto, que a sociedade pagou um preço muito alto, jovens desapareceram, pessoas foram mortas na ditadura e aí a gente volta para um processo em que vemos isso de novo. A gente que conhece um pouco da história sabe que, quando a sociedade começa a mostrar conquistas do ponto de vista social que não atendem à elite brasileira, nós somos vítimas de golpes. Não foi um na história, foram vários desde 1964”.
Com a proximidade da legalização da UP – hoje atingimos o mínimo necessário em oito estados, dos nove exigidos pelo TSE –, cresce a expectativa, mas, ao mesmo tempo, o sentimento de que é apenas o começo da batalha. “Primeiro, é importante reconhecer o grandioso trabalho que vem sendo feito pela militância da UP. É um trabalho hercúleo, valente, de coleta dos apoios para a criação do partido, é um trabalho – vou ser redundante – trabalhoso, e isso deve ser reconhecido e valorizado. Mas atingir essa meta de apoios é só a primeira parte. O trabalho maior vem em seguida, que é o de garantir as filiações e a estruturação do partido”, disse Miguel. “Eu fiquei empolgado quando senti o vigor dessa juventude, quando vi a beleza da miscigenação dentro do partido, isso gerou uma expectativa muito boa nos meus sentimentos. Evidente que não é fácil uma luta dessas no capital, pensar que é um sonho, que num passe de mágica vai resolver tudo. Mas com luta, com perseverança, com a sabedoria de muitos companheiros pela sua experiência anterior, nós vamos à luta e vamos ganhar”, completou Isaías.
UP avança em todos os estados
No Rio de Janeiro, durante uma das muitas coletas realizadas dentro dos metrôs da cidade, uma manifestação chamou a atenção da militância da UP. Um camelô que vendia suas mercadorias dentro do vagão fez um discurso defendendo que as pessoas assinassem a ficha da Unidade Popular: “Há 500 anos essa corja está roubando o povo e quando aparece uma alternativa pra mudar isso vocês ficam aí pensando se vão assinar ou não? Acordem!”, gritou Vinícius, indignado. “Quantos irmãos nossos estão morrendo nessas favelas por causa desses imbecis que enfiam maconha, cocaína, crack nas mãos dos jovens que estão na favela pra vender, enquanto eles ficam lá em Angra [dos Reis, município do RJ], ganhando dinheiro e andando de lancha, legislando no Congresso Nacional, em cima de traficante fantasiado de político, de deputado”, completou.
Desde então, Vinícius tomou a decisão de fazer parte da UP e lutar mais ativamente pela melhoria do seu futuro e dos demais trabalhadores. “Entrei no partido pela convergência de nossas opiniões. A UP hoje é a principal ferramenta do povo, do povo de verdade, dessa massa trabalhadora que está pela rua lutando pelo seu pão, que está nas fábricas, nos comércios, nos ônibus, nos trens e metrôs da vida. São esses trabalhadores que nós temos que representar”, declarou para A Verdade.
Ludmila Outtes, Recife