Em 2017, todas as cidades do Brasil registraram aumento no número de estupros quando comparados aos números de 2016. Somente em São Paulo ocorreram 2.546 casos de estupro (maior índice desde 2013), o que representou um aumento de 10%, com uma média de sete denúncias por dia,segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. Os casos de estupro contra vulneráveis (crianças e adolescentes até 14 anos) tiveram um aumento ainda mais surpreendente: 18,7% a mais do que em 2016.
No Distrito Federal, as notificações de estupro aumentaram 32,4%; no Rio Grande do Sul, o aumento foi de 5,5%; em Joinville (SC), houve 24% de aumento; já o Rio de Janeiro registrou um aumento de 22,1% dos casos.
Em 2018, a tendência de crescimento continua, conforme dados preliminares divulgados em São Paulo e Distrito Federal. As cidades apresentaram nos meses de janeiro e fevereiro um aumento de 25,8% e 3,4%, respectivamente, quando comparados ao mesmo período de 2017. Um estudo realizado pela Thomson Reuters Foundation, e divulgado em outubro do ano passado, classificou São Paulo como a cidade com maior potencial de risco de violência sexual para as mulheres (Metro Jornal, 24/01/18).
Também os casos de abuso sexual dentro dos transportes públicos aumentaram neste ano. Já foram registrados 180 casos nos três primeiros meses de 2018, um aumento de 9% em relação a 2017, segundo a Secretaria. De acordo com a Lei de Acesso à Informação, 56% dos casos denunciados ocorreram nos horários de pico, entre as 6h e 9h e entre as 17h e 20h (G1, 20/04/2018).
Subnotificações ainda prevalecem
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o aumento dos casos se deve a uma resposta da população às campanhas que incentivam as denúncias contra os estupradores. Apenas 10% dos estupros praticados ou tentados terminam em denúncia formal, de acordo com os dados obtidos pelo Mapa da Violência, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Porém, é difícil apontar um real motivo para o aumento dos números. Para a advogada parceira do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Letícia Vella, “mesmo o índice de ocorrências sendo alto e tendo aumentado, ele só consegue dar conta de um pequeno número de casos que realmente ocorrem”. E os motivos para que as denúncias não ocorram são variados: medo, insegurança, vergonha, culpa e o fato de o agressor ser próximo à vítima na maioria dos casos. “Isso faz com que a realidade seja ainda pior do que já parece ser”, esclareceu a advogada (Metro Jornal, 24/01/18).
Luta contra a impunidade
Outro fator que contribui para que muitas mulheres não denunciem é o sentimento de impunidade. E esse sentimento não é infundado. Apesar do aumento no número de casos de estupro, o número de prisões por estupro em São Paulo caiu em 2017: foram 15% a menos de detenções. “O dado é espantoso porque deixa evidente a impunidade”, disse a advogada criminalista e procuradora de Justiça aposentada Luiza Nagib Eluf. “Trata-se de descaso em relação aos estupros, com falta de interesse em apurar e ineficiência para julgar” (Exame, 28/03/18).
Em São Paulo, apenas dois de cada dez inquéritos abertos pela política são esclarecidos, segundo o Datafolha. Segundo a Polícia Civil do Distrito Federal, foram registradas 3.849 ocorrências de estupro em Brasília e arredores entre 2012 e 2016; destas, apenas 1.132 terminaram em prisão.
A taxa de condenações por estupro no Brasil gira em torno de 1%, segundo o perito criminal federal e presidente da Academia Brasileira de Ciências Forenses, Hélio Buchmüller, no artigo “Crimes sexuais: a impunidade gerada por um Estado omisso”. Além disso, até chegar ao fim, a ação criminal demora, em média, sete anos em andamento, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Isso, aliado à falta de preparo dos profissionais das instituições públicas, como as delegacias, leva muitas mulheres a desistirem de denunciar.
Segundo a advogada Maíra Fernandes, a explicação para a impunidade não é uma falha nas leis. “Elaboração de provas é muito importante, deve-se respeitar todo o processo legal, para não culpar inocentes. Só que é evidente a falta de interesse das autoridades em investigar esse tipo de crime, devido à cultura de estupro”, explica a advogada. Mulheres reclamam de serem coagidas e humilhadas em delegacias e tribunais, graças ao julgamento moral das autoridades. “Uma boa investigação é essencial para o desfecho justo, e ela já começa errada quando o agente de polícia não sabe receber a vítima de maneira correta, e já se inicia com perguntas carregadas de preconceito”, afirma Maíra (Metropoles, 26/11/17).
Por isso, precisamos lutar para vencer o machismo dentro da nossa sociedade e acabar com a cultura do estupro, que sempre tenta achar uma justificativa para o crime, principalmente culpabilizando a vítima e deixando impune os responsáveis. Fortalecer a luta por uma sociedade justa para todas as mulheres é um dever de todos aqueles que lutam pelo fim da exploração e pelo socialismo.
Ludmila Outtes, enfermeira e do Movimento Enfermagem em Luta