No dia 1º de maio, dia internacional dos trabalhadores e trabalhadoras, uma tragédia anunciada ocorreu no centro da cidade de São Paulo: um prédio de 24 andares que pertence ao Governo Federal (que o abandonou há 17 anos) e que estava ocupado por 150 famílias, cerca de 400 pessoas, do LMD (Movimento de Luta por Moradia Digna), pegou fogo e desabou, deixando 44 pessoas desaparecidas, sem mortes confirmadas até o dia seguinte ao desabamento.
Os olhos dos paulistanos assistiram atentos a mais uma tragédia no nosso país que, apesar da grande repercussão e impacto que teve nacionalmente, não é nenhuma novidade para a população mais pobre do Brasil.
Nosso país sofre com um déficit habitacional vergonhoso, são mais de 6 milhões¹ de famílias que não têm uma moradia digna para viver. Chega a ser inacreditável que no século XXI, com toda a tecnologia, a capacidade de produção desenvolvida pela humanidade e o número gigantesco de imóveis abandonados pelo poder público e pelos grandes capitalistas (só na cidade de São Paulo são 290 mil imóveis²), um direito básico como a moradia ainda não seja garantido para toda a classe trabalhadora.
As ocupações urbanas não nascem da simples vontade dos ocupantes. Não é difícil entender esse cenário: vivemos em um país que tem oficialmente 13,5 milhões de pessoas desempregadas; se somarmos isso aos baixos salários da maioria dos trabalhadores, aos trabalhadores do mercado informal que ganham pouco e não possuem quaisquer garantias trabalhistas, aos milhões de aposentados que muitas vezes não conseguem nem pagar o preço de seus remédios com a aposentadoria e aos preços cada dia mais abusivos para se comprar um imóvel ou pagar um aluguel, temos como resultado uma massa de pessoas que não conseguem, mesmo trabalhando e se esforçando muito, garantir um teto sobre suas cabeças.
As ocupações são fruto da desigualdade do nosso país, da falta de emprego e do abandono a que estamos submetidos por parte do Estado, em especial as mulheres e a população negra. Não existiu em 500 anos de Brasil uma só política pública que pudesse acabar com o problema da moradia. Ou nada é feito e se deixa a terra na mão do mercado imobiliário, que está preocupado com o lucro e não com o bem estar social e por isso utiliza os imóveis para especular e ganhar mais dinheiro, obrigando os mais pobres a se deslocarem para as periferias em condições de moradia muito precárias, ou são desenvolvidos programas insuficientes como o “Minha Casa, Minha Vida”, que apesar de ter garantido moradia para muitos brasileiros e ter sido um passo a frente na luta contra o déficit habitacional, entregou na mão das empreiteiras e dos ricos grande parte dos recursos do programa ao invés de investir massivamente em moradias populares para garantir o acesso daqueles que mais necessitam.
Quem que luta por moradia está tentando garantir uma vida digna, já que em nossa sociedade o trabalho honesto não é o bastante para nos permitir viver bem. Os movimentos sociais que organizam essa luta não são organizações criminosas como querem nos fazer crer os ricos, mas sim ferramentas que nosso povo construiu para enfrentar a repressão à que estamos submetidos, são demonstrações de poder popular e de como a classe trabalhadora, mesmo nas mais difíceis condições, é capaz de se organizar.
A ocupação urbana enfrenta o bem mais precioso dos ricos e capitalistas: a propriedade privada. Uma ocupação demonstra duas coisas: primeiro que um papel dizendo que alguém é dono de um imóvel não vale nada, os verdadeiros donos são aqueles que dão função social ao imóvel, que o colocam para servir a uma necessidade humana e que com seu trabalho garantem o cuidado, a manutenção e o uso daquele espaço; segundo que quem tem maior capacidade para gerir esse tipo de espaço é o nosso povo, que está ali todos os dias, que valoriza o imóvel, que ali educa seus filhos e filhas, e não meia dúzia de capitalistas que olham para aquilo como uma fonte de lucro, que ladram raivosos dizendo que o espaço lhes pertence, mas provavelmente nunca pisaram o pé naquele chão e compraram sua posse com dinheiro vindo da exploração de pessoas como aquelas que agora ocupam e resistem.
Como os ricos sabem que as ocupações demonstram a força do povo, o preparam cada vez mais para conquistar seus direitos e impedem o lucro dos especuladores imobiliários, a repressão à esse tipo de luta é extremamente violenta. Além das reintegrações de posse criminosas que muitas vezes desrespeitam a lei (como a reintegração da Comunidade do Pinheirinho no interior de São Paulo e da Ocupação Lanceiros Negros em Porto Alegre), a burguesia tem promovido incêndios criminosos para destruir ocupações, ateando fogo em favelas inteiras, como nos casos da Favela do Piolho e da Favela do Levanta a Saia em São Paulo, por exemplo. Esses incêndios geralmente se dão em ocupações realizadas em locais de grande interesse do mercado imobiliário, onde o preço do terreno ou do imóvel ocupado é muito alto³.
Isso demonstra o quanto não resta nos ricos um pingo de humanidade. Eles queimam a casa das pessoas, destroem o pouco que nosso povo têm, assumem o risco de matar um ser humano queimado, principalmente crianças e idosos com mobilidade reduzida, simplesmente para garantir seus lucros, um lucro desumano e injusto, pois é fruto da miséria do povo.
Não podemos dizer, por hora, se o incêndio na ocupação do Largo do Paysandu foi um incêndio proposital para destruir a ocupação, mas podemos afirmar que a culpa da tragédia é do Estado burguês, controlado pelos bancos e pelas empreiteiras, que deixa nosso povo em condições de completa precarização e nos obrigam a morar em locais sem a mínima estrutura como era aquele prédio. Dizer que a culpa do incêndio é dos moradores, como tem dito a mídia dos ricos, é a mais pura expressão de como nossos interesses são contrários e que apenas um dos dois pode tê-los garantidos: ou os burgueses ou os trabalhadores.
A reforma urbana é a única forma de resolver o problema da moradia, dar ao povo que necessita e que trabalha os imóveis que hoje estão abandonados servindo apenas para a especulação. O socialismo é o único sistema econômico que pode garantir a execução da reforma urbana, o lucro não pode ser mais importante que nossas vidas e nós devemos enfrentar até as últimas consequências qualquer um que defenda o contrário.
Podem nos acusar de muitas coisas, podemos ter alguns erros, mas uma coisa nunca poderão dizer se tiverem o mínimo de compromisso com a verdade: que nossa luta é injusta.
João Coelho, São Paulo
¹ Dados de 2015 da Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
² Censo IBGE 2010.
³ Segundo estudos realizados pelo jornal inglês The Guardian e pela Rede Brasil Atual.