O Estado brasileiro é racista

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A abolição da escravidão no Brasil (1888) não foi realizada tendo como fim a promoção da justiça social, mas sim com o objetivo de inserir nosso país na economia mundial, já que a exploração do trabalhador assalariado era mais rentável para o capitalismo internacional do que a manutenção de um regime escravagista, além das crescentes rebeliões do povo negro contra a escravidão.

No entanto, a população negra ex-escravizada foi mantida na mais baixa posição da hierarquia social e econômica do país, não recebendo qualquer tipo de ressarcimento pelos anos de exploração que sofreu e sem condições de exercer de fato sua liberdade. Até mesmo a “liberdade” de vender sua força de trabalho lhe foi negada, pois os patrões davam preferência para a mão de obra dos imigrantes brancos europeus.

Sem ter acesso à terra, ao trabalho digno ou a qualquer tipo de assistência por parte do Estado para sair da posição de marginalização à que foi submetido por anos e anos de escravização, o povo negro no Brasil foi mantido segregado.

Essa segregação social e econômica deu origem a uma segregação espacial, sendo o povo negro empurrado para as periferias das grandes cidades e dando origem às favelas, mocambos, baixadas, etc. Esses espaços se tornaram e são até hoje o local de moradia dos excluídos pelo Estado, aqueles que, desde o início da formação da nação brasileira, constroem a riqueza do país com seu trabalho, mas não têm direito a sua parte na divisão dessa mesma riqueza: uma gigantesca população pobre, sem direitos garantidos e de ampla maioria negra.

O Estado brasileiro, além de não garantir oportunidade de uma vida digna para a população periférica, marginalizando nossa arte e nossa cultura, atacando nossa autoestima e nossa estética, precarizando cada vez mais nossa saúde, nossa educação e nosso acesso à moradia, ainda mantém uma relação de profunda repressão sobre nosso povo. Os moradores das periferias são constantemente violentados, têm suas casas invadidas, seus diretos mais essenciais desrespeitados e são constantemente empurrados mais para longe do centro para abrir espaço para a especulação do mercado imobiliário.

A intervenção militar nas favelas do Rio de Janeiro é mais uma demonstração do quanto o Estado “democrático” brasileiro é racista e o quanto o racismo e a opressão de classe estão intimamente ligados. A intervenção tem como objetivo manter um governo golpista, que é representante direto dos banqueiros e da grande burguesia, que retira direitos da classe trabalhadora e que saqueia cada dia mais os cofres públicos. Com ela, está sendo promovida nas periferias cariocas a intensificação da violência contra o povo pobre e preto: mais uma vez, é jogada nas costas dos negros e negras a conta da crise capitalista. Mais uma vez, os negros e negras são esmagados para manter o poder na mão dos exploradores.

Neste contexto está inserido o caso de Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada brutalmente no dia 14 de março após denunciar a intervenção militar e os crimes da Polícia na favela de Acari. Até agora, as mortes de Marielle e de Anderson, seu motorista, ainda não foram elucidadas.

Assim, fica claro que o Estado Brasileiro representa e defende os interesses da burguesia e do capitalismo, respectivamente, uma classe e um sistema que são diretamente culpados pelo racismo estrutural que nos faz sofrer todos os dias das mais diversas formas e que necessita deste para manter e justificar a sua exploração sobre a classe trabalhadora, além de impedir que esta esteja unida na luta pela sua libertação.

Para o Estado racista o povo negro e pobre só deve ser lembrado quando está incomodando os interesses imobiliários, quando se fala de violência e criminalidade, quando se pensa de quem será retirado mais um direito para manter o lucro dos capitalistas. Até mesmo os negros e pobres que conseguem algum tipo de ascensão social com muito trabalho e esforço são utilizados pelo capitalismo: tornam-se o “exemplo” de como nossa sociedade é a sociedade das oportunidades e de como nela é possível a população negra se libertar da miséria e da exploração. Nada mais mentiroso que isso.

Não é à toa que a questão racial no Brasil ainda não foi resolvida e tem tanta repercussão em nossa sociedade. Desde a época do escravagismo, a imagem do povo negro é construída e reconstruída para mantê-lo na base da hierarquia social. Foi no escravagismo que o homem e a mulher negros foram vistos como uma mercadoria e, embora essa situação tenha mudado bastante, o povo preto continua sendo a parcela da sociedade mais explorada, tanto pelo Estado quanto pelas grandes empresas e bancos, pois, apesar de resistir todos os dias o povo preto continua fortemente estigmatizado e fragilizado enquanto grupo.

Como abolir o racismo?

O discurso que vemos hoje, que associa diretamente o negro ao banditismo, ao mau caráter, não existe à toa. É esse discurso, disseminado por políticos, pela mídia, por membros de instituições religiosas que têm bastante visibilidade e pela população em geral que legitima e facilita nosso encarceramento em massa, que ajuda o lucro dos capitalistas a crescer cada vez mais. Essa é uma ilustração muito clara da luta de classes no Brasil, uma luta que nos esmaga todos os dias, mas que, se vencermos, será o fim de toda a nossa exploração e sofrimento.

Racismo é uma relação social, que se estrutura política e economicamente, é um fenômeno estrutural; não surgiu de repente, por motivos meramente éticos e não é tão simplesmente desconstruído. Está relacionado às condições materiais e econômicas às quais nossa sociedade está submetida.

É com a abolição das classes e a com consequente hierarquização que ela cria e legítima, que o racismo também seria abolido. Com a igualde entre o povo, com o poder na mão da classe trabalhadora e com uma reestruturação social, baseada na solidariedade e no pensamento coletivo, e não no individualismo burguês ao qual a exploração e o racismo interessam, seremos capazes de construir um mundo realmente justo e comoportunidades para todos.

Redação São Paulo