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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

“Ciência, Educação e Tecnologia não são gastos, e sim investimento estratégico”

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Foto: Manuel Henrique/Ascom Ufal

Já na sessão solene de abertura da 70ª Reunião Anual da SBPC, no dia 22 de julho, no Centro de Convenções de Maceió, Alagoas, foi possível sentir a insatisfação e revolta dos cientistas e professores universitários brasileiros com a atual política de desmonte da Educação Pública e da pesquisa científica no Brasil, agudizada pelo Governo Temer e pela aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela o orçamento para esses e outros setores públicos por 20 anos.

Pesquisadores como Helena Nader, presidenta de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ou como o físico-químico, Sérgio Mascarenhas de Morais, de 90 anos, foram incisivos nas críticas, na presença de autoridades do governo, como o ministro do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab. Mas não foram só eles. Em várias mesas de conferências e debates, os cientistas manifestaram as críticas ao governo que prioriza a política econômica que favorece o sistema financeiro e garante o enriquecimento dos banqueiros, ao invés do desenvolvimento social.

Não à toa, o lema dessa Reunião Anual da entidade que representa 142 entidades científicas e tem cinco mil sócios ativos, foi Ciência, Responsabilidade Social e Soberania. Helena Nader foi enfática ao afirmar que “esse governo abriu mão de um projeto de Ciência e Tecnologia para o Brasil, com consequências graves e imensuráveis para o presente e o futuro desta Nação”, criticou a cientista.

O presidente da SBPC, professor Ildeu de Castro Moreira, também ressaltou o histórico participativo e atuante da entidade e conclamou os cientistas a se mobilizarem. “Nós que estudamos nas universidades públicas, tivemos a oportunidade de ter a nossa formação, fizemos nossos mestrados e doutorados com bolsas de pesquisa, temos o compromisso de defender a Universidade pública e a produção científica livre, sem interferências empresariais ou políticas. A liberdade de pesquisa científica é uma questão de soberania”, defendeu o presidente.

Durante o evento, Ildeu de Castro Moreira concedeu uma entrevista exclusiva para o jornal A Verdade, em que criticou os cortes nos orçamentos e as escolhas políticas equivocadas do atual governo de resolver a crise retirando recursos de setores estratégicos. Um orçamento para Ciência e Tecnologia que em menos de dez anos foi reduzido para menos da metade do que era em 2009.

A Verdade – O tom desta reunião da SBPC foi de defesa da soberania e da necessidade de garantir a pesquisa científica. Como avalia a capacidade de mobilização do cientista neste aspecto político do fazer científico?

Ildeu de Castro Moreira Estamos vivendo um momento muito difícil e a comunidade científica tem se manifestado, em relação aos cortes drásticos que estamos sofrendo no orçamento de Ciência e Tecnologia, isso desde o ano passado com mais intensidade. A SBPC tem uma tradição de defender a Ciência e a Educação pública brasileira. Temos feito mobilizações junto ao Congresso Nacional, ao Governo Federal e tentando mobilizar a sociedade, com manifestações e a Marcha pela Ciência. É claro que gostaríamos de ter uma participação ainda maior de toda a comunidade científica, assim teríamos muito mais força. Mas a SBPC e suas entidades filiadas estão integradas nesse esforço, junto com a Academia Brasileira de Ciências, pela recuperação dos recursos que foram cortados dos orçamentos de todas as entidades de pesquisa e de financiamento para a pesquisa.

Nós temos um ano de eleição e estamos apresentando propostas de políticas públicas para serem levadas aos candidatos, ao Executivo e ao Legislativo. Consideramos importante que a comunidade científica brasileira apresente para os candidatos propostas concretas para superar o momento de crise que estamos vivendo. Nós fizemos um documento e estamos discutindo ele com os presidenciáveis, e esperamos que integrem nossas propostas aos planos de Governo.

A SBPC, em seus 70 anos, sempre teve esse ativismo social, tanto na época da ditadura, como agora que um governo ilegítimo assumiu com um golpe institucional. Qual é a avaliação da comunidade científica sobre essa conjuntura?

São características diferentes, mas com ameaças à democracia. Realmente, a SBPC, sempre lutou, independente do governo, pelo desenvolvimento da Ciência como bem social. Fizemos campanha para a criação das entidades financiadoras de pesquisa e de coordenação de aperfeiçoamento da formação do cientista brasileiro. Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro são expoentes históricos dessas lutas, representando a SBPC.

Na década de 70, enfrentamos a Ditadura Militar e tivemos uma atuação intensa em defesa da democracia e pela anistia aos cientistas exilados. Hoje vivemos um momento diverso, as estruturas são diferentes, estamos vivendo um momento difícil em que a democracia também está ameaçada e certamente a SBPC, como também fez na década, durante o Governo Collor, que foi um outro momento tumultuado de cortes na Ciência e Tecnologia, voltamos a agir, como sempre fizemos, cobrando políticas públicas. Nós aprovamos uma nota pública na assembleia dos sócios da SBPC durante essa 70ª Reunião Anual e defendemos que o país tenha eleições livres e democráticas, de acordo com a Constituição Brasileira, permitindo que todos os candidatos possam pleitear o voto e que o povo brasileiro exerça o seu direito de escolha sem nenhuma forma de cerceamento.

O papel de uma entidade da sociedade civil, como a SBPC, que é ligada à Ciência e Tecnologia, é debater, trazer os pontos para a discussão. Nós não temos um pensamento único, não se trata disso, mas temos algumas questões que são praticamente unanimidade para a comunidade científica, como a revogação da Emenda Constitucional 95.

Partindo dessa unanimidade em relação à revogação da EC 95, que ficou conhecida durante a tramitação como a PEC da Morte, o que está presente nessa lei é o conceito de que Ciência e Educação são gastos e não investimentos?

Sim. Esse é o entendimento equivocado deste governo. Nisso, praticamente todos os cientistas concordam. Porque Ciência, Educação e Tecnologia não podem ser vistos como gastos, e sim como investimento estratégico que traz retornos sociais e econômicos em médio e longo prazos.  É o tipo de dinheiro que você investe e recebe de volta muito mais. Nosso país não tem investido adequadamente nisso, em particular nos últimos tempos.

Há vinte anos, passamos a ter mais recursos, com a criação de fundos setoriais. Houve a expansão das universidades. A produção científica cresceu e atingiu um pico em torno de 2010. De lá pra cá, viemos em decréscimo, mais acentuado a partir dos últimos meses. O Governo Temer alega a crise fiscal e econômica, mas isso é consequência de políticas econômicas que acentuam ainda mais essa crise, ao invés de criar alternativas para sair dela. Do nosso ponto de vista, é errado cortar em áreas estratégicas, como Ciência e Tecnologia, que podem contribuir para a superação da crise econômica. Dizer que não tem dinheiro para a pesquisa científica e para a Educação é uma falácia. O orçamento do país é praticamente o mesmo, com um aumento na ordem de 1%. Os cortes nessas áreas foram muito acentuados. Isso é uma escolha política equivocada que está sendo feita.

Essa situação política tem que ser enfrentada com mobilização. É possível aproximar a comunidade científica da sociedade, para que essas bandeiras se tornem reivindicações não apenas de um setor, mas de todos?

Sim, é o que estamos fazendo aqui nessa Reunião Anual e em outros eventos onde propomos que o cientista dialogue com a sociedade, que deve ser a principal beneficiária do fazer científico. Mas nós somos uma entidade limitada, então, é importante uma luta mais geral para mudar esse quadro, que tem um modelo econômico por trás dele que prioriza setores econômicos em detrimento da população. Essa mobilização não depende só da SBPC, mas de um engajamento social muito maior da sociedade brasileira.

Necessitamos que todos os setores, em particular os movimentos sociais, os setores empresariais mais progressistas que estão perdendo dinheiro com esse sistema financeiro e que gostam de produzir e inovar no Brasil, todos esses setores têm a perder com o modelo que está aí, então o Brasil precisa de uma mobilização mais ampla da sociedade brasileira para superar essa conjuntura. A SBPC e as entidades ligadas a ela fazem um esforço dentro do nosso âmbito, nessa tarefa de mobilizar a comunidade científica brasileira, alertar para as questões cruciais, discutir, debater, pressionar. Mas precisamos buscar que a sociedade se inteire da importância que a Ciência e a Tecnologia têm para a vida individual, para a coletividade e para o país como um todo. Só assim podemos sair dessa situação de crise econômica, social e política que estamos vivendo.

Lenilda Luna é membro da direção da Unidade Popular de Alagoas

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