O jornal A Verdade entrevistou Pedro Rosa, uma das principais lideranças do movimento revolucionário da Venezuela. Pedro é dirigente do Movimento Gayones, uma organização política de massas, que, junto com outras organizações revolucionárias, se uniu à Unidade Popular Revolucionária Anti-imperialista (UPRA). De acordo com Pedro Rosa, o imperialismo – especialmente os EUA – dirige suas empresas, seus negócios e a burguesia local para sabotar a já combalida economia nacional, estocando e escondendo alimentos, além de promover um forte bloqueio econômico ao país, da mesma forma que fez com Cuba. Ao mesmo tempo, trava-se uma luta ferrenha pelo mercado local entre EUA, China, Rússia e União Europeia, aumentando a exploração dos trabalhadores e as péssimas condições de vida da população. Por outro lado, os trabalhadores e as massas do país vão se organizando em comunas populares, desenvolvendo uma economia de resistência, tomando e colocando fábricas em funcionamento, resistindo armados aos ataques das milícias fascistas, e compreendendo que só os trabalhadores unidos aos camponeses e às populações comunais serão capazes de pôr fim à profunda crise que vive o país. No meio do impasse, o governo de Nicolás Maduro busca a conciliação de classes em vez adotar as medidas exigidas pelos trabalhadores.
Marcos Villela e Alexandre Ferreira
A Verdade – Qual é a situação econômica atual da Venezuela?
Pedro Rosa – A situação na Venezuela é muito complexa, produto de vários elementos. Em primeiro lugar, um bloqueio inegável que existe por parte dos blocos imperialistas dos EUA e da União Europeia contra o governo e o povo da Venezuela. Como se manifesta este bloqueio? Esses governos, particularmente o dos EUA, impõem sanções contra altos funcionários do governo, o que implica que qualquer gestão que se faça com a assinatura deste funcionário é bloqueada, mas, além disso, estenderam essas sanções à aplicação de uma lei, similar à Lei Helmans-Burton, que aplicaram contra Cuba, que qualquer negócio com esse governo também será impedido.
Isso significa que, por exemplo, na indústria petrolífera, que é a maior do país, a aquisição de insumos e peças de reposição tem sido impossível e essa indústria vinha num processo de crescimento, mas isso também acontece com a indústria montadora de automóveis, de eletricidade, de telecomunicações etc., levando a uma situação complexa do ponto de vista econômico. Isso é acompanhado por uma série de elementos, como, por exemplo, uma manipulação de parte das leis financeiras que gerou um elemento novo no processo da crise econômica, que é o seguinte: durante crises econômicas e processos inflacionários que se deram, por exemplo, na República de Weimar, na Alemanha, ou em outros países em que a inflação chegou a níveis muito altos, a inflação se relacionava a uma única referência, ao dinheiro monetário, ao dinheiro físico. No caso da Venezuela, pela generalização do dinheiro eletrônico, temos um problema novo, que seria: o dinheiro que é cotado a um preço como dinheiro físico e o dinheiro que é cotado como dinheiro eletrônico. Cem bolívares, em bilhete, equivalem a 400, 500 bolívares físicos. Todo esse processo gerou um grave problema que se aprofunda nas zonas mineiras, de mineração ilegal, nas zonas fronteiriças, especialmente nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, onde existe a mineração ilegal de ouro e estanho, que são produtos que se realizam efetivamente. São grandes massas de dinheiro que se requer para essas mineradoras e que estão sendo sacadas da circulação e levadas para essas zonas de mineração para pagar esses produtos e as mineradoras. Isso termina por agravar a situação no país, tornando-a mais complicada.
Mas, além disso, nesses 18 anos de governo do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), digamos progressista, com elementos socialdemocratas, com políticas sociais que importava alimentos do Brasil, Uruguai, Argentina, não se promoveu uma política de desenvolvimento da produção, preparando-se para um nível de bloqueio, porque, necessariamente, qualquer governo que toque nos interesses imperialistas dos EUA ou de qualquer país imperialista, será bloqueado. Esta falta de preparo gerou hoje (para um país em que 90% da população se encontra nas zonas urbanas) um elemento desconhecido e novo – a escassez e o armazenamento (estoque) de produtos –, que os monopólios se utilizam para aumentar suas riquezas. E o povo tem que recorrer aos seus próprios elementos de produção para satisfazer suas necessidades. Isto gerou um impacto material, mas também psicológico, afetando os setores médios, fundamentalmente, que estão acostumados a viver em condições de conforto e comodidade, num modelo “agringado”, que neste momento é impossível ser mantido. Isto gera uma sensação de instabilidade, de medo, e alguns deles depositaram suas esperanças na oposição de direita, através das vias eleitorais, como as eleições parlamentares de 2015, ou através da via violenta, que foi toda essa insurreição gerada nos anos de 2016 e 2017, achando que lhes retiraria dessa situação, mas que, contrariamente, resultou na ida dos traidores para o lado deles. Negociaram, se foram e os deixaram em situação pior. E não se pode apoiar uma política de direita que atenta contra as maiorias populares, para piorar a situação já existente e a que leve os EUA e a UE a solicitarem uma intervenção da Otan e o bombardeio do país. Teria que ser uma pessoa totalmente desequilibrada querer para seu país uma política de bombardeio por parte dos EUA e do imperialismo.
Não podemos negar que por parte do governo, por sua concepção e constituição, dirigido por elementos da pequena burguesia socialdemocrata, se aplica uma política correspondente a essa ideologia. Nas lutas de expropriação, de confisco e de controle operário revolucionário, eles ficam no meio e os trabalhadores avançam no processo de tomar as empresas e pô-las a produzir e esses mesmos burocratas do governo vão criando um emaranhado de coisas e negociações que lhes permitem enriquecer e, por outro lado, desmoralizar a classe operária. Isso coloca nas mãos da classe operária uma grande responsabilidade de avançar neste processo, pois as únicas forças que poderiam resolver esta problemática econômica que existe na Venezuela são a classe operária, o campesinato e as comunidades organizadas, através de um novo modelo de Estado que, evidentemente, passa por uma revolução, a qual os movimentos revolucionários marxista-leninistas do país estão preparando. Até porque, independentemente da nossa vontade, é inegável que nos próximos meses haverá algum tipo de transformação profunda na Venezuela. É isto que o país exige.
A mídia burguesa diz que não há alimentos nem remédios, é verdade?
Sim. A crise na Venezuela passou por dois períodos nos últimos anos. Um período no qual houve estocagem e ocultamento de produtos, que gerou filas imensas nas ruas e os monopólios se aproveitaram para elevar os preços, já que tinham os produtos e podiam colocar o preço que quisessem. Então, foram elevando os preços dos produtos. Hoje, existem os produtos, mas os preços são exorbitantes e inacessíveis para as maiorias populares. Isto não é novo, nem na Venezuela nem no mundo. A situação para as maiorias populares, para os trabalhadores, para os pobres, no processo da distribuição da riqueza tem-se dado da seguinte forma: uma pequena burguesia, que conformava um setor muito amplo na sociedade venezuelana, está vendo que suas condições de vida pioraram. Consegue-se alimentos na Venezuela? Consegue-se, mas o cotidiano da população sofreu uma mudança drástica. Comia-se carne importada da Argentina, com dólares oficiais que conseguíamos comprar no mercado em frente de casa. Hoje temos que comer verduras produzidas nos mercados, e passou a acontecer um fenômeno muito interessante, que deve ser estudado mais profundamente, de uma economia subterrânea, de resistência, uma economia nova, popular, que garante o abastecimento dos mercados nos bairros, nas pequenas comunidades, com base na produção de gente que vai para o campo produzir diversos tipos de legumes, verduras, para uma economia de resistência.
Isto é um acontecimento que indica que o bloqueio está sendo abordado não só pelo governo, que tem cometido muitos erros na forma de tratar esse problema, mas, pelo próprio povo que está criando mecanismos de resistência. Sendo assim, temos respostas em que a pequena burguesia, do ponto de vista material, não é a mais afetada. Como coloca Karl Marx no Manifesto Comunista e em outras obras, os setores médios têm medo de cair em situação de proletarizar-se, e isso os atemoriza de tal forma que preferem suicidar-se a ter que pertencer ao proletariado, a ter que viver em um bairro, em condições de pobreza. Mas os setores empobrecidos têm condições que permitem a existência de CDI, que é um Centro de Diagnóstico Integral para atenção à saúde, com muitas deficiências, isso é inegável, mas antes esse atendimento era privado e as pessoas não tinham acesso a ele. Por outro lado, temos a educação e o metrô de Caracas, por exemplo, gratuitos. É gratuito não só por ter havido uma política nesse sentido, mas porque o colapso do transporte público obrigou o governo a tomar medidas e elas têm elementos do transporte público que garantem o subsídio e outras coisas.
Quanto ao problema dos remédios, a maioria deles para as enfermidades mais comuns, são produzidos pelas multinacionais, que são parte desse bloqueio. Mas além disso, há um problema cultural que são as chamadas enfermidades da modernidade como a diabetes e a hipertensão, fruto da alimentação das pessoas, de gente obesa, de gente que se alimenta com muita gordura, mas que tem diminuído drasticamente. Não é a melhor maneira, mas é um fato que tem ocorrido!
Há muitos problemas de acesso aos medicamentos e que não podem ser resolvidos tapando o sol com a peneira, mas ao contrário, necessitamos de um Estado que resolva esse problema de fundo. Ao mesmo tempo, devemos analisar qual é a raiz desse problema e, insisto em dizer, tem a ver profundamente com a situação de bloqueio a que o país está submetido.
Qual é a sua avaliação a respeito do Governo Maduro e suas diferenças em relação a Chávez?
Nós caracterizamos o Governo Maduro como socialdemocrata. É um governo dirigido pela pequena burguesia e, por esta razão, não leva a fundo as medidas que deveria tomar contra a burguesia e os monopólios. A Constituição da República Bolivariana da Venezuela estabelece que são proibidos os monopólios, mas eles continuam existindo porque o governo não tomou medidas junto aos trabalhadores para expropriá-los e confiscá-los, colocando-os a serviço da economia do país, uma economia para todos. Certamente, não é uma questão de boa vontade, se Maduro quer ou não, mas é em razão da correlação de forças das classes na Venezuela e, ainda, a burguesia ocupa um papel muito importante.
Nós definimos que na Venezuela há dois grandes setores da burguesia: um, que seria a burguesia tradicional, vinculada ao bloco imperialista EUA/UE, que tem sido bastante golpeado, mas que tem obtido muito lucro com seus negócios históricos, porque através da monopolização e da especulação, e do ocultamento de mercadorias, vendem as mercadorias pelo preço que querem, alcançando lucros absurdos. Além disso, os salários são baixos, mas subsidiados pelo governo através de vários mecanismos sociais, o que gera uma taxa de mais-valia muito grande para os capitalistas e, consequentemente, grandes lucros. O outro setor é o da burguesia que nasceu nos últimos anos, que nós chamamos de burguesia emergente, vinculado ao bloco imperialista China/Rússia que, ao se tornar o setor intermediário nos negócios daqueles governos no país, enriqueceu e, portanto, não há produção no país senão de importação, de roubo de dólares e uma série de elementos de corrupção.
É nessa ambiguidade que se move o governo, assim como se moveu o governo de Chávez. Em 2002, os militares deram o golpe de Estado de Carmona e arrancaram Chávez do poder pela via da força. Ao regressar, pela força do povo que foi para as ruas resgatá-lo, veio com um crucifixo nas mãos dizendo que tinha que pedir perdão. Esse é um dos elementos, do ponto de vista político, que caracterizam a pequena burguesia e a socialdemocracia – o socialismo utópico –, um sonho de socialismo em que os ricos tomarão consciência de que devem entregar o que têm de sobra aos pobres para que não haja mais pobres. Essas visões são daninhas e não irão resolver esses problemas. É necessário dizer também que as contradições da sociedade, a própria luta de classes acabará por colocar os que defendem essas posições de um lado ou de outro e, no caso da Venezuela, os movimentos operário, popular, campesino e comunal vêm avançando e pressionando para que o governo tome medidas em favor do povo.
Mesmo havendo uma quantidade grande de eleições no país, a crise política continua. Qual é, então, a saída para ela?
Não só como marxista-leninistas, mas como homens racionais, porque não precisa ser marxista-leninista para isso, sabemos que as contradições profundas não se resolvem através das eleições. Nem na Venezuela nem em qualquer país do mundo as contradições profundas existentes na tentativa de se construir um novo modelo serão resolvidas pela via eleitoral. É evidente que os governos socialdemocratas criam uma ficção de que através das eleições vão garantir que a burguesia fique quieta, mas, como disse Karl Marx, que agora comemoramos 200 anos de seu nascimento, nenhuma classe se suicida, e a burguesia não irá se suicidar.
É necessário que a classe operária, os camponeses, o movimento comunal e o povo em geral se organizem para arrancar-lhe o poder, arrancar-lhe a propriedade das empresas, porque no caso da Venezuela isso já não é mais um discurso político, um problema ideológico, é um caso de sobrevivência. Ou as maiorias populares arrancam as empresas e os meios de comercialização da burguesia e os colocam à disposição e a serviço da satisfação das necessidades da população ou nos matarão de fome. É uma necessidade que não se resolverá por eleições, apesar de estarmos num processo que vem se dando por essa via, mas tampouco se pode desqualificar que as vias de fato também têm estado presentes.
Não tem sido um processo pacífico, o que acontece é que a maioria dos mortos é gente do povo. Em 05 de janeiro, os camponeses tomaram terras e foram assassinados, outros foram assassinados nas ruas, ou seja, a violência está presente e cremos que, na Venezuela, estão se incubando as condições para uma situação revolucionária de verdade. Uma situação na qual as classes opostas, os exploradores e os explorados estarão frente a frente e aí não haverá eleições que dirão quem está mais ou melhor na fita. Isso irá se resolver por outra via e cremos que a pressão do imperialismo, a pressão externa mais a pressão interna do povo, que segue lutando para melhorar a condição, vai levar a que esta via seja a grande realidade, não porque sejamos propiciadores ou amantes da violência, mas porque se trata de uma análise objetiva da realidade, as contradições estão chegando a um ponto que terão de ser resolvidas. Passaram-se anos e anos em que o povo em geral sabe onde estão as empresas, de quem são as empresas, como escondem os produtos, e elas seguem manipulando e levando o povo a uma situação de desespero, em que medidas devem ser tomadas; e as medidas já estão escritas e conhecidas, como a nacionalização dos bancos, porque estão jogando com o dinheiro, causando problemas à população. Tem que expropriar as empresas e colocá-las a serviço dos trabalhadores, eles devem dirigi-las e não esses burocratas que não sabem nada, são uns ladrões. Isso não vai levar a medidas revolucionárias que permitam a construção de um novo Estado, porque a forma de Estado como existe, que é totalmente capitalista, foi renovada e foram postas na Constituição algumas palavras que nada resolvem. Só a participação ativa da classe operária, dos camponeses, das comunas e do povo em geral resolverá esses problemas.
E a situação do Partido do Proletariado, como se encontra para dirigir uma possível revolução?
É claro que durante muitos anos na Venezuela, assim como em todos os nossos países, os principais partidos foram e são os partidos das diversas frações da burguesia que compartilham o poder, alternando-se em um ou outro momento e gerando contradições fictícias para que o povo termine atrás de um ou de outro. Esse mesmo jogo, que termina na república parlamentar cada vez que as contradições se aguçam mais, se mostram descarados e mais difícil se torna a possibilidade de convencerem a população de que por esta via ela será capaz de resolver os problemas. Desta forma, o proletariado, como um processo de desenvolvimento histórico, tem que construir seu próprio partido, o partido marxista-leninista, o partido revolucionário comunista, o partido dos trabalhadores e operários. E em nosso país esse partido já existe, somos um partido pequeno, porque os partidos não nascem grandes, porque o processo é um processo de desenvolvimento histórico daquelas massas que vão aprendendo, conhecendo seus dirigentes e seu partido, ganhando confiança e cremos que, não só na Venezuela, mas em toda a América Latina, esses partidos já existem, eles estão se desenvolvendo, crescendo. Esperamos que no momento em que a situação revolucionária se apresente e as condições permitam este outro tipo de ação, realmente já tenhamos crescido o bastante para nos pormos à cabeça dela e não ocorra o que se deu na Venezuela em 27 e 28 de fevereiro de 1989, em que as massas populares saíram às ruas e não houve uma direção revolucionária que as orientasse no sentido de lograr sua conquista. Esperamos que, diante da situação que se apresentará na Venezuela ou em qualquer outro país, os partidos operários, proletários, revolucionários e comunistas, marxista-leninistas possam estar à cabeça desta luta.