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sábado, 9 de novembro de 2024

Estrelas-guias da libertação

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Argelia Mercedes

“A essas que se embrenharam nas matas e se negaram aos colonizadores; que atravessaram mares nos porões da escuridão; que levaram chibatadas e marcas de ferro quente; que se revoltaram e fundaram quilombos; às que lutaram com armas e às que combateram sem elas…”1

A opressão das mulheres enquanto gênero é fruto da divisão da sociedade em classes. Por isso, a luta feminina não deve ser conduzida isoladamente e em oposição às lutas de classe, nem se diluir dentro da luta geral. Em conversa com Clara Zetkin, revolucionária alemã, Lênin afirmou: “Devemos criar necessariamente um poderoso movimento feminino internacional, fundado sobre uma base teórica clara e precisa”. Comentou sobre o papel das mulheres na Revolução Bolchevique: “O comportamento das mulheres proletárias durante a revolução foi soberbo. Sem elas, muito provavelmente não teríamos vencido. Essa é minha opinião. De que coragem deram provas e que coragem mostram ainda hoje! Imaginai todos os sofrimentos e as privações que suportaram…”2

As mulheres detêm um papel fundamental no mundo inteiro. Lembro nestas linhas nomes de guerreiras que representam a capacidade, a dedicação e a bravura femininas no continente latino-americano, especialmente no Brasil.

Os nativos não escreviam. Portanto, a historiografia oficial, que é contada pelas classes dominantes, ressalta apenas as cooptadas como Paraguaçu e Bartira, que casaram com portugueses, contribuindo com a “formação do povo brasileiro”. Contudo, não havemos de duvidar que milhares de mulheres indígenas se colocaram na frente das baionetas dos invasores para proteger sua prole, se embrenharam mata adentro para fugir do massacre, do estupro, da brutalidade dos “civilizados”.

Da época da escravidão dos povos africanos, contamos com símbolos do engajamento das mulheres da luta de libertação. Dandara dos Palmares, que pegou em armas contra as tropas coloniais, criou três filhos com do legendário Zumbi e, ao ser presa em 1694, preferiu atirar-se num abismo a retornar à escravidão. Aqualtune, jovem oriunda do Congo, onde comandava um exército de 10 mil guerreiros, trazida para o Brasil, vendida no Porto do Recife. Não demorou a fugir para o Quilombo dos Palmares, onde se tornou líder de uma das aldeias e lutou até o fim (seu povoado foi destruído em 1677). Luísa Mahin, fomentando, articulando e cuidando da infraestrutura da revolta dos malês (A Verdade Nº 100).

O poder opressor destruiu Palmares, mas não a luta de libertação do povo negro. Novos quilombos de menor dimensão continuaram se formando. Quase um século depois, encontraremos Teresa de Benguela liderando o quilombo de Quariterê no Vale do Guaporé, Mato Grosso, formado por cem pessoas, negros e indígenas. Morta pelos soldados em 1770, teve a cabeça decepada e exposta em praça pública para causar medo. O mesmo que a “elite civilizada” fez com a cabeça de Zumbi dos Palmares, exposta na Praça do Carmo, em Recife. Teresa é homenageada com o 25 de julho – Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra, criado por lei (Lei nº 12.987, de 02 de junho de 2014). 25 de julho é também o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha.

No dia 7 de setembro, data em que as classes dominantes comemoram uma independência que nunca existiu, vamos encontrar mulheres que participaram ativamente de todas as conjurações: alfaiates, balaios, e, a mais célebre, a Conjuração Mineira, que imolou o mártir Tiradentes. Por sinal, o único homem do povo participante do grupo conjurador continua sendo assassinado por “revisores” da História, que chegam ao ponto de dizer que o responsável pela derrota não foi o traidor interesseiro Joaquim Silvério dos Reis, e sim Joaquim José da Silva Xavier, porque falava demais, agitando o povo para o levante.

Entretanto, a história, inclusive aquela escrita por simpatizantes da causa popular, não revela o papel das mulheres. Quase não se fala na poetisa Bárbara Eliodora, casada com Ignácio José de Alvarenga, um dos poetas da revolta. Não fosse a firmeza de Bárbara, a Conjuração teria contado com outro delator, que pensava em “salvar” a família, quando viu que o cerco estava fechado. Claro que ela tinha consciência da gravidade da decisão e sofreu as consequências. Alvarenga foi degredado, a casa da família foi completamente arrasada e Bárbara teve de criar sozinha a sua prole.

Como não destacar Maria Quitéria (A Verdade Nº 98), que se travestiu de homem para poder ser aceita no exército que se organizou para defender a “independência” da Bahia, diante de tropas portuguesas que não aceitaram sequer o “simulacro” de soberania proclamado pelo imperador Pedro I, filho do Rei do país dominador. Vitoriosa no combate, dando exemplo de bravura aos homens do batalhão, ao ser homenageada na Corte (Rio de Janeiro), deu exemplo de que não se deixou atrair pelo luxo dos ricos, ao dizer sem vacilar: “Prefiro os meus matos lá na Bahia”.  E a brava freira Joana Angélica, que se postou na porta do convento em Salvador e encarou as tropas portuguesas, gritando. “Só passarão aqui pisando o cadáver de uma mulher”. Foi o que aconteceu.

A luta das mulheres na América Latina

Maria dos Remédios Del Valle, mulher negra, é a mãe da pátria Argentina. Nascida em 1776, engajou-se na luta armada pela independência do país, em 1810. Participou ativamente de várias batalhas. Foi presa em 1813, submetida a nove dias de açoites públicos, mas conseguiu fugir da cadeia e continuar na luta. Após a independência, proclamada em 9 de julho de 1816, foi esquecida. Teve que lutar por uma pensão, que lhe foi concedida somente em 1829 e morreu no dia 8 de novembro de 1847. Por lei aprovada em 2013, em sua homenagem, 8 de novembro é o Dia dos Afro-Argentinos.

Argélia Mercedes Laya López sobressai entre as lutadoras da Venezuela. Nascida no interior, em 1926. Na juventude, ingressou no Partido Comunista, fomentou e dirigiu várias organizações de mulheres. Participou da luta armada como guerrilheira exemplar das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN); era a Comandante Jacinta. Derrotada a guerrilha, foi uma das fundadoras e dirigentes do Movimento ao Socialismo (MAS) e faleceu em 1997.

Nascida em 1781, Suzanne Bélair foi uma das combatentes da Revolução Haitiana (1791-1804). Uma das guerreiras que enfrentou nas montanhas, em 1802, o Exército enviado por Napoleão Bonaparte (o Haiti era colônia francesa). A História oficial lembra a derrota do festejado Napoleão em Waterloo pelas tropas inglesas (junho de 1814), mas desconhece que o exército napoleônico foi dobrado pelo exército popular do povo negro haitiano em 1804, ano em que foi proclamada a independência do Haiti e o fim da escravidão. Suzanne foi capturada em 1802. Recusou a pena de decapitação, reservada para mulheres, exigindo ser fuzilada como os demais combatentes, pedido aceito pelos invasores.

Mulheres da Nicarágua. A Revolução da Nicarágua, vitoriosa em 1979, foi desencaminhada (A Verdade Nº 119), mas escreveu um dos mais belos momentos de levante popular na América Latina, com a participação de meninas e mulheres, valentes, dispostas, bravas guerrilheiras. Letícia Herrera, Dora Maria Tellez, Mónica Baltodano, Dona Zulema, Nora Astorga, Luísa Amanda. Quantas deixaram seu lar, sua mãe, seus filhos e filhas, para oferecerem sua vida em favor da felicidade de todo o povo, contra a ditadura de Anastacio Somoza, a favor de uma pátria soberana e justa. Provaram aos “compas” sua capacidade de escalar montanhas, carregar fuzil, enfrentar a Guarda de armas na mão. Quantas deram a vida, sua juventude, exemplo e memória!

Vivemos e morreremos “nos braços de uma mulher”, a América Latina, como canta a composição de Gilberto Gil e Capinan em homenagem a Guevara, por ocasião de sua passagem para a imortalidade.  Empunhamos a bandeira e seguimos juntos, homens e mulheres unidos na luta revolucionária por uma verdadeira independência e pelo socialismo, com a certeza do “… amanhã que cante/ El nombre del hombre muerto/ Não sejam palavras tristes/Soy loco por ti de amores/Um poema ainda existe/Com palmeiras, com trincheiras/Canções de guerra/Quem sabe canções do mar/Ai hasta te comover”3.

José Levino é historiador

Notas:

  1. Trechos de uma dedicatória escrita no livro “Mulheres do Brasil – org. por Shuma Schumaher e Érico Vital Brasil – Zahar Editores-Rio.
  2. Notas do Meu Diário. Lênin, tal como era, Clara Zetkin, extraído da obra O Socialismo e a Emancipação da Mulher – Editorial Vitória, 1956.
  3. Soy Loco por Ti, canção de Gilberto Gil e Carlos Capinan, composta em 1967, em homenagem a Che Guevara, logo após seu assassinato. Eternizada na voz de Caetano Veloso.
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