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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

El Efecto: uma banda necessária

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Em passagem por Belo Horizonte para se apresentar no Festival Transborda, a banda carioca El Efecto lançou seu quinto álbum, “Memórias do Fogo”, na capital mineira. A Verdade aproveitou o momento para entrevistar os integrantes Bruno Danton (voz, violão e viola), Cristine Ariel (guitarra, cavaquinho e voz) e Tomás Rosati (voz, cavaquinho e percussão).

Formada em 2002, a banda é marcada pelo ecletismo musical e as fortes críticas sociais que expõem de forma ácida e verdadeira as mazelas do sistema capitalista. Como diz a própria apresentação da banda, “as letras propõem interpretações críticas das atitudes individuais e coletivas, movimentando-se entre a angústia e a esperança, o pessimismo da razão e o otimismo da luta”.

Renato Campos e Rodrigo Cayres – Belo Horizonte

A Verdade – Percebemos, na obra de vocês, uma série de críticas sociais. O álbum “Memórias do Fogo” fala sobre o processo de exploração na América Latina, Brasil, e os povos que constituem o nosso país. Qual a avaliação de vocês do Brasil atualmente?

Bruno Danton – É difícil falar desse assunto enquanto banda. Existem várias opiniões diferentes em torno disso. O que nos é comum é que vivemos num momento em que as máscaras estão caindo. Por exemplo: quem é racista e ficava sem graça, começou a marcar posição porque começou a ver que o movimento negro ocupava espaço. Na minha opinião, ao mesmo tempo que crescem os movimentos de luta contra as opressões, cresce também um movimento de manutenção dos privilégios. E a gente se assusta. Até outro dia estávamos sozinhos ocupando as ruas; agora, não mais.

Tomás Rosati – Esse é um assunto interessante. É uma boa avaliação para a esquerda em geral. Até que ponto é a ascensão fascista e, por outro lado, é a reação às conquistas e às lutas. Se por um lado nunca houve tanto eco nas diversas lutas sociais, movimentos organizados, seja na luta anticapitalista ou no movimento de minorias, do outro lado nunca ficou tão claro o fascismo. O que fica de saldo é que as coisas estão escancaradas e há uma necessidade de você não temer e colocar a cara. E isso se faz urgente.

Cristine Ariel – E isso está para além do discurso. Não é mais uma questão de ideia e fala, é uma questão de ação. E para os dois lados. Se eu ouvir uma opinião racista ou machista, não vou ficar calada, vou rebater, e corro o risco de o outro lado “colocar o pé” e gerar os conflitos que resultam em várias violências. Mas é necessário falar sobre.

Tomás – Há a necessidade de essas lutas dialogarem. A gente entende a crítica contra o capitalismo como um aglutinador para unificar essas lutas. É um momento efervescente e um desafio para a própria esquerda. Se antes não se ouvia a voz da favela, a questão do feminismo, a questão LGBT, quem acredita em uma transformação social tem que costurar esse balaio. Tem que saber ouvir e encontrar um lugar de aliados nessas lutas. Mas o cenário da conjuntura política, do ponto de vista institucional, é assustador.

A Verdade – Vocês levantam algumas bandeiras importantes, como a liberdade para Rafael Braga, preso injustamente em junho de 2013. Como acompanham essas lutas?

Bruno – Eu participei, durante muito tempo, do Movimento Sem Teto no Rio de Janeiro, e passei a militar dando aula de música em Manguinhos. E lá tem vários coletivos como as Mães de Manguinhos, Fórum Social de Manguinhos e um pessoal do rap, como Helen Nzinga, que participou do nosso disco. Tenho os contatos do pessoal e sempre estou como apoiador da luta contra a criminalização da pobreza, da luta de favela e do movimento negro.

Tomás – Essa relação orgânica da banda é fruto da inserção do Bruno nessa luta, e, de alguma forma, nos articulamos com isso. Há um acúmulo de experiência da própria banda, que já dialogou com diversos movimentos pontualmente, acontecem trocas com o movimento estudantil, partidos e MST. O que a gente sente é que, a partir de 2013, nossa música chegou a mais lugares, a circular mais. E começamos a entender que nosso espaço de militância é na música, que dá força pra galera ir à luta. Parte desses militantes nos convida para atuar em algumas coisas e passamos a participar de circuitos de luta e somar bandeiras.

A Verdade – É interessante acompanhar o recorte que vocês fazem nas canções. Um exemplo é a música “Café”. Isso, em Minas Gerais, é muito forte, pois é um dos maiores produtores de café do Brasil e, na semana passada, foi descoberta mais uma fazenda com exploração de trabalho escravo.

Tomás – Curioso. A gente estava no processo de composição da música “Café” há quatro anos. E nos perguntávamos até que ponto esse disco é atual, se as músicas poderiam ter sido feitas há 30, 20 anos atrás. E o fato é que a opressão segue. Poderiam, sim, ter sido feitas antes. A gente compôs “Café” e, naquele momento, sermos inspirados pelo desespero pela chacina de Pau D’Arco. Você querendo fazer uma música sobre esse tema e, de repente, vem essa porrada na sua cabeça. Pra gente é uma memória constante de buscar não se acomodar.

Bruno – O que fica pra gente é: como as pessoas não fazem música sobre isso? O mundo tá aí! Fazer música sobre isso é o que era pra ser. Parece que a gente tá fazendo uma supernovidade, mas a gente tá falando sobre coisas que estão acontecendo. Cada semana você pode pegar uma coisa que aconteceu e relacionar à música. Nós íamos lançar “Chama Negra” em uma quinta-feira. Na quarta-feira, a Marielle Franco foi assassinada. E nós decidimos não lançar, porque ia parecer absurdo se não falássemos da Marielle e, se falássemos, pareceria oportunista. A todo o momento há um ataque e um contra-ataque.

Cristine – Na história do Brasil, a gente vive as mesmas coisas desde 1500. Não houve momento em que a gente inverteu a lógica desses movimentos de opressão. Por todo este período, a mulher, o negro e o LGBT estão vivendo essas opressões. Ainda hoje é normal se ouvir na casa ao lado um homem espancar a mulher. Enquanto acharmos normal, nos acostumarmos com isso, continuará acontecendo. Então a arte tem de ser ligada aos movimentos sociais. Precisamos trabalhar com o lúdico.

Bruno – A única coisa que mudou no Brasil em mais de 500 anos são as lutas. A opressão sempre esteve lá, as lutas é que vêm crescendo.

A Verdade – Neste contexto das artes como forma de incendiar as pessoas, a primeira medida pós-golpe foi o fechamento do Ministério da Cultura. Em 2017, houve episódios de censura. Em BH, aconteceu uma caça à obra do artista plástico Pedro Moraleida. As artes sofreram um ataque muito forte. Qual a avaliação de vocês sobre isso?

Tomás – O ataque às artes é muito forte. É o primeiro ponto a ser tocado, já que o lucro não é o central neste campo. Isso também ocorre na universidade, como no caso de um curso que tem patrocínio de empresas enquanto outros desaparecem da grade curricular. Ainda tem o discurso de direita de ataque à Venezuela, à Lei Rouanet etc.

Bruno – Acho que não afeta tanto a gente porque é um movimento moralista. Ataca o nudismo, o LGBT. Esse público rechaça Pablo Vittar, não tem como censurar, mas vai debochar. Mas não nos ataca muito.

Cristine – Na música existe isso como um ataque indireto, mas no teatro é mais pesado. Os teatros estão fechando e desempregando vários artistas.

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