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quinta-feira, 28 de março de 2024

Solano Trindade, o poeta negro

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Em 24 de julho de 1908, nasce Francisco Solano Trindade, em Recife-PE, filho da classe proletária, descendente de negros e indígenas, origem fortemente presente em seus poemas: ‘‘Minha mãe foi operária cigarreira/ da Fábrica Caxias/ Nascida de índio/ E africano/ Meu pai/ Foi sapateiro/ Especialista em Luís XV/ Nasceu de branco e africano/ Sabia falar em nagô’’.

Ainda jovem, o poeta adquire consciência da vida árdua dos trabalhadores e das injustiças sociais contra o povo negro, expressas, por exemplo, na proibição dos cultos afrobrasileiros e no genocídio de ‘‘seus irmãos de cor’’. Fortemente afetado por essa realidade, começa a produzir seus poemas na década de 1920, tornando nítido seu posicionamento político, imbricado com a convicta necessidade de focalizar os problemas sociais: ‘‘ia falar do seu corpo/ de suas mãos/ amada/ quando soube que a polícia espancou um companheiro/ e o poema não saiu’’.

Sua trajetória de vida é marcada pelas constantes mudanças de estado, fator que contribui para o retrato preciso das regiões brasileiras em seus versos. No ínicio da década de 1940, o poeta se muda para o Rio Grande do Sul, onde funda o grupo de arte popular de Pelotas. Posteriormente, fixa moradia no Rio de Janeiro, onde é preso em decorrência do poema ‘‘Tem gente com fome’’: Se tem gente com fome/ Dai de comer…/ Mas o freio de ar,/ Todo autoritário/ Manda o trem calar/ Psiuuuuu

O tempo na prisão, no entanto, não desmotiva seu espírito revolucionário, mantendo-se sempre presente a crítica social de seus poemas e o clamor por liberdade : ‘‘Salve os que amam a vida/ sem ter medo da morte/ Salve os que amam a liberdade/ sem ter medo de prisões e fuzilamentos’’.

Grande influenciador da cultura e ciente de que a arte e o saber não deveriam estar restritos à classe burguesa, Solano funda a Frente Negra Pernambucana, o Centro de Cultura Afrobrasileiro, o Teatro Popular Brasileiro, dentre outras entidades de cultura e lazer, com intuito de levar arte ao povo trabalhador e divulgar os artistas e intelectuais negros.

No ínicio da década de 1970, vítima de pneumonia e arteriosclerose, o poeta vai a óbito, permanecendo vivo em seu legado poético que hoje encontra continuidade, por exemplo, na arte de seu neto Victor Trindade, responsável por musicar as poesias do avô em forma de samba e hip-hop.

Canto dos Palmares: Resistência e Luta

‘‘Não mataram meu poema/ mais forte que todas as forças/ é a Liberdade…/ O opressor não pôde fechar minha boca/ nem maltratar meu corpo/ meu poema é cantado através dos séculos/ minha musa esclarece as consciências’’.

O título de ‘‘poeta negro’’ atribuído a Solano Trindade é justificado à medida em que sua poesia enfoca criticamente a proibição dos cultos religiosos africanos, as festas populares afrobrasileiras, a resistência dos escravizados e o preconceito, a privação do saber e o genocídio em função da raça.

Sobre a campanha de demonização aos cultos afrobrasileiros, Solano escreve: ‘‘Branco adora o Deus que quer,/ Mas o negro não pode não,/ Tem de adorar Deus de branco/ Ou sinão vai pra prisão…’’.

Em outro poema, o artista relata a dificuldade de ingresso à universidade em função da raça e da classe social. Mais do que isso, denuncia o assassinato de camaradas decorrente da luta contra as injustiças sociais: ‘‘mataram o Ozeias/ um sujeito bom/ Ozeias desejava universidade para brancos e pretos/ e por isso mataram Ozeias’’.

Ainda atrelado ao cotidiano díficil do jovem negro e à instituicionalização do preconceito, Solano Trindade escreve o poema ‘‘Bolinhas de Gude’’: Jorginho foi preso/ quando jogava bolinhas de gude/ não usou arma de fogo/ nem fez brilhar sua navalha […] Televisionado só não deu autógrafo porque estava algemado/ Ele era o facínora/ que brincava com bolinhas de gude.

Sobre a resistência contra a opressão da classe burguesa: ‘‘O opressor prepara outra investida/ confabula com ricos e senhores/ e marcha mais forte/ para meu acampamento!/ Mas eu os faço correr […] Os civilizados têm armas/ e têm dinheiro/ mas eu os faço correr’’.

Nesses trechos, a contemporaneidade de Solano mostra-se presente, tratando em sua época das mesmas instituições burguesas e fascistas que se apropiam da cultura do negro, que distanciam do meio acadêmico as obras de Solano, Carolina Maria de Jesus e Lima Barreto, que matam Marielles e Ozeias, que prendem injustamente Rafael Braga e Jorginho e buscam, com isso, extirpar do seio da sociedade os mais variados gritos por liberdade e revolução.

Jady Oliveira, São Paulo

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