A luta por direitos da pessoa com deficiência

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O Fundo Monetário Internacional (FMI) atribuiu ao Brasil, no ano passado, o posto de 8ª economia do mundo. Tal colocação deveria representar um avanço na qualidade de vida da população. Entretanto, a prática nos mostra o contrário: questões extremamente básicas, como saúde, educação, trabalho, segurança e acessibilidade, ainda são negligenciadas e as minorias políticas, que são as maiorias sociais, ainda são silenciadas e desrespeitadas.

Quando pensamos a acessibilidade no contexto brasileiro fica nítido o quanto se perpetuam ideologias retrógradas, que deslegitimam a pauta e promovem ideias preconceituosas, impedindo que pessoas com deficiência (PcD) possam viver dignamente de maneira autônoma. No entanto, o capitalismo cresce e se aprofunda conforme aumentam as desigualdades, pois riqueza e pobreza são lados de uma mesma moeda e, dentro desse sistema, a inferiorização de determinada camada da população representa a valorização de outra. Desta forma, a ideia de que pessoas com deficiência são inferiores ou incapazes existe para que o capitalismo justifique as más condições às quais essas pessoas são submetidas durante suas vidas.

As más condições estruturais apontam para a privação física, que acaba se refletindo na ampliação das barreiras para a apropriação de espaços, tendo como consequência o afastamento do mercado de trabalho, já que os patrões não desejam adaptar o ambiente, mesmo que essa não seja uma demanda de todas as PcDs.

Expressões como “Nossa! Você é uma pessoa tão linda! Pena que tem deficiência!”, ou “Você não precisa de acessibilidade! Para de mimimi! Consegue fazer tudo sozinha”, revelam o preconceito e a exclusão aos quais estão submetidas as PcDs durante toda sua vida. Então, se compararmos às dificuldades de um homem branco heterossexual e sem deficiência, as pessoas com deficiência precisam ter punho de ferro para aguentar as violências dessa sociedade. Isso não significa que sua história seja uma coisa maravilhosa de superação (inclusive, acho essa história de “Nossa! Você tem deficiência e está estudando em uma faculdade? Poxa, você é um exemplo de superação!” uma apropriação muito feia das militâncias das pessoas com deficiência. Mas isso é história para outro texto). Estou dizendo que, mais cedo ou mais tarde, você vai se sentir sozinha.

Tirando o caso de escolas especializadas, você será a única pessoa da sua classe a ter deficiência. Você será a única pessoa do seu curso de faculdade a ter deficiência. Você será a única pessoa com deficiência a ser trabalhador de tal empresa. É muita solidão. Mesmo que você compartilhe das mesmas experiências das diversas situações que seus colegas ao seu redor passam, há ocasiões em que você não se identificará 100% (talvez uns 90%, mas algo estará incompleto) com eles, pois você tem uma coisa que eles não têm: a deficiência, que faz parte de você e da sua vida, além de que seu histórico com ela molda parte da sua personalidade.

E essa solidão passa por ares até mesmo na militância. Muitas pessoas com deficiência que entram em movimentos estudantis ou sindicais de esquerda acabam por defender os direitos das pessoas com deficiência. Muitas vezes tornam o carro-chefe da defesa de seu grupo ou movimento de sua cidade. Há outros militantes? Claro que sim! Mas muitas vezes distantes de você (em outros grupos ou em outras cidades). No final das contas, é você o carro-chefe. E ser o carro-chefe, sem ninguém com deficiência (principalmente na grande mídia) para se espelhar, pode até ser uma tarefa justa e necessária, perante o fascismo que sempre assolou a pessoa com deficiência, mas é difícil. É solitária.

A lei de inclusão

Mas nem tudo é um mar sombrio. Em 2015, foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Ela foi uma tentativa de reverter essa situação. Mas lógico que as mudanças são muito mais profundas do que apenas uma alteração de leis. São escolas mais acessíveis, são cidades com estruturas mais acessíveis etc. Sabendo que a base disso tudo é a reeducação das pessoas de forma que elas não tenham mais capacitismo (“capacitismo” é o preconceito contra pessoas com deficiência), só um sistema socialista seria capaz disso de fato e de maneira geral.

Mas, voltando: a LBI melhorou muito a situação das pessoas com deficiência no país. Ela colocou cotas para pessoas com deficiência no trabalho e na universidade, com regulamentações que impeçam pessoas sem deficiência a burlar as regras e roubem nossos lugares. Além disso, foi um passo importante para a acessibilidade de pessoas com deficiência ser garantida por lei.

E isso reflete na militância. Não há como você participar de um movimento de trabalhadores se você nunca esteve dentro do jogo de mercado, seja desempregado, desistente ou empregado. Não há como participar de um movimento de estudantes se você não é estudante. E até mesmo movimentos como o Olga Benario ou a UP são mais difíceis, pois onde são apresentados para as pessoas? Na grande maioria das vezes, nas ruas, dentro da sociedade. E se nós, pessoas com deficiência, não ocupamos as ruas, esses movimentos não são apresentados. A LBI incentivou que nós, pessoas com deficiência, ocupemos as ruas! E não vamos voltar para as nossas casas!

 (Ana Fernanda é militante da UJR e pessoa com deficiência)