A inesperada perca de Marcelo Yuka, compositor e ativista brasileiro, ocorrida na madrugada de 18 de janeiro de 2019, um ano depois dele ter lançado seu último disco, “Canções para Depois do Ódio” sem dúvida deixou a música brasileira mais triste. Nascido no Rio de Janeiro em 1965, bebeu e formou-se na cultura popular e no cotidiano do subúrbio carioca. Fundador da banda O Rappa, chamou atenção logo no primeiro disco, tanto pelo fato de ser baterista e letrista da banda.
A letra de “Todo Camburão tem um Pouco de Navio Negreiro”, do primeiro disco da banda (1994), já dava o tom do que seria sua militância ao longo de 26 anos de carreira, inúmeros prêmios e diversas parcerias que renderam letras que ilustram nossa realidade nacional, com um profundo senso crítico e poético, ao retratar e denunciar de modo contundente nossa sociedade, como “Pescador de Ilusões”, “Tribunal de Rua”, “O Homem Amarelo”, entre outras. Letras que denunciavam o racismo, a violência policial, a intolerância e as mazelas do capitalismo.
Com o disco “Lado B, Lado A” (1999), conseguiu consagrar O Rappa como uma das bandas mais importantes do Brasil além de ter sido escolhido um dos 100 melhores discos da história do país. Partiu de Yuka a proposta de fazer os clips de “A Minha alma (A Paz que eu não Quero) ” e “O que Sobrou do Céu”, ambas composições suas, como curta metragens, aproximando da linguagem cinematográfica, o que deu a banda as mais importantes premiações da música nacional até aquele momento. Em entrevista para o jornal AVERDADE, em maio de 2003, ele denunciou o crescimento do neoliberalismo no Brasil e o interesse dos EUA em tomar a nossa Amazônia. Um artista antenado e intimamente ligado em transformar a nossa realidade.
Baleado covardemente em novembro de 2000, após tentar impedir um assalto a uma mulher. Mesmo tendo levado quatro tiros, um deles atingindo sua vértebra, o que o deixou paraplégico, Yuka não parou de produzir, compor e de lutar em defesa de uma sociedade mais justa. Em 2005, depois de desavenças com os integrantes da banda O Rappa, ele lança “Sangueaudiência”, único disco de sua nova banda F.Ur.T.O (Frente Urbana de Trabalhos Organizados), trabalho esse, aliás, cheio de referências e denúncias a ditadura militar e a defesa dos direitos humanos. “Não se Preocupe Comigo”, além de ser uma das faixas do disco deu nome também a sua autobiografia, feita em parceria com Bruno Levinson, lançada em 2014.
Antes do livro, o documentário “No Caminho das Setas” (2011, direção de Daniela Broitman, premiado dentro e fora do país)1 resgata sua trajetória e sua luta para se cuidar e sobreviver a nova realidade das cadeiras de rodas. Em janeiro de 2017 é lançado o disco “Canções Para depois do Ódio”, um trabalho imprescindível para entender o caos e a crise que se instalaram em nosso país com o advento do fascismo. Yuka foi militante do PSOL, partido esse onde disputou a vice prefeitura do RJ ao lado de Marcelo Freixo em 2012, desenvolveu trabalhos em presídios, dava palestras sobre os mais diversos temas além de ter deixado uma série de trabalhos em andamentos.
Vítima de um AVC que nos privou de sua genialidade, seus curtos 53 anos foram vividos de modo intenso. Ao lado de nomes como Renato Russo e Chico Science, Marcelo Yuka representam a renovação e o redemocratização de nossa música pós-regime militar. Defensor da paz, se eternizou ao defender o amor e a esperança e o conhecimento como armas para libertar nosso povo. Crítico e pensador de nosso futuro, a melhor forma de definir e homenagear esse nosso poeta urbano é levar sua mensagem e defender a paz, pois, como ele disse, “paz sem voz não é paz, é medo”.
Marcelo Yuka, presente!
Clóvis Maia- Pernambuco.
1 Documentário completo: https://www.youtube.com/watch?v=aC_MTpSsFjI