Desde o fim do mês de janeiro várias universidades estão lançando os famosos “listões” de aprovados. Em alguns lugares, as pessoas passam o dia ouvindo os radialistas falando nome a nome quem estudará um curso de ensino superior. Os grandes jornais, que só mostram o que querem, propagandeiam isso com felicidade, mas deveriam mostrar também os jovens que ficam de fora e a tristeza deles.
O termo “vestibular” faz referência a “vestíbulo”, o mesmo que a entrada de um edifício. A prova vestibular, portanto, é a prova “de entrada” para a universidade.
O Enem hoje também é celebrado como se fosse a solução dos problemas de acesso ao ensino superior. É bom recordar a propaganda que dizia “se tratar do segundo maior exame do planeta” e que “6 milhões de jovens fariam a prova”, mas não dizia que, desses 6 milhões, nem 10% entrariam nas universidades.
No Enem 2018 inscreveram-se 6,7 milhões de jovens para 200 mil vagas, ou seja, 6,5 milhões de jovens serão impedidos de entrar na universidade. Isso explica porque o Brasil tem apenas 12% dos jovens entre 18 e 24 no ensino superior. Um verdadeiro crime contra o povo, o impedimento de que os pobres entrem na universidade, que foi construída com dinheiro do povo.
E que jovens são esses, que, segundo a lógica do Enem, são desprovidos de inteligência e são proibidos de entrar nas universidades? São os filhos do Brasil, aqueles descritos no Hino Nacional, que não fogem à luta. São aqueles e aquelas que foram excluídos do grito de independência dado por Dom Pedro às margens do Ipiranga. Estudantes de escolas públicas que sonham ter uma vida digna, com um bom salário, mas que entrarão numa fila de 27 milhões de desempregados depois de o Enem destruir seus sonhos.
Grupos privados lucram com o Enem
Além de garantir a dominação intelectual das classes exploradoras sobre o povo, o Enem extorque fortunas da juventude, prometendo o tão sonhado acesso à universidade. Os cursinhos cobram de R$ 200 a R$ 2,3 mil e, quanto melhor o desempenho, mais caro é o preço. O Colégio Vértice, por exemplo, quarto colocado no Enem, cobra uma mensalidade de R$ 3.552 no último ano do ensino médio. Quantos dos estudantes, que muitas das vezes não têm dinheiro nem para pagar uma passagem de ônibus, têm esse dinheiro todo mês?
Enquanto os estudantes de escolas públicas convivem com a falta de estrutura, os grandes tubarões da educação recebem milhões em isenções fiscais e contratos milionários. É o caso da Kroton, um gigantesco conglomerado que monopoliza a educação e é dona de 20% das matrículas, resultado de programas como o Pronatec e o Fies, que desviam dinheiro das instituições públicas para as privadas. É importante frisar que cada vaga no Fies custa três vagas do que custaria numa federal.
Vestibular causa doenças psicológicas
E a juventude? Como fica em meio a isso? Nesses cursinhos de “elite”, uma infinidade de livros muito grossos é enfiada goela abaixo nos estudantes. Fazem jornadas desproporcionais de estudo, de 10 e até de 15 horas. Trocam as madrugadas e o descanso por horas enfurnados em livros. Isso, obviamente, tem efeito sobre a vida de cada um.
Segundo Patrícia Tasca, psicóloga da Santa Casa de Misericórdia do Pará, os problemas mais comuns entre os vestibulandos são fobia, pânico e transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Segundo ela, os sintomas são parecidos: taquicardia, mão suando, perna tremendo, respiração ofegante, tensão muscular. E não só a mente sofre com isso. A psicóloga acrescenta que pessoas mais frágeis tendem a somatizar, tendo reações negativas nos sistemas respiratório e digestivo.
José Galvão Alves, chefe do serviço da clínica médica da Santa Casa, alerta que uma doença comum entre vestibulandos é a dispepsia funcional, que apresenta os mesmos sintomas da gastrite: dor de estômago, desconforto, náuseas e vômitos. Toda essa pressão transforma o Enem em um processo de alta preocupação, um terrível “teste psicológico”, e é importante lembrar que nem todos os adolescentes suportam grandes pressões psicológicas como essas, pois o crivo do vestibular deixará milhões de pessoas fora das universidades e institutos.
Os estudantes apontaram como principais geradores de ansiedade o medo da reprovação, a quantidade de conteúdo para estudar e o número reduzido de vagas públicas no ensino superior.
A estes estudantes, sobra o quê? Uma fila de 27 milhões de desempregados, onde 30% são jovens. Mas, como vemos, isso não ocorre “sem querer”. Isso é planejado! Não falta dinheiro, falta prioridade de governos burgueses que preferem gastar quase metade do dinheiro público com o pagamento da dívida pública – para o pagamento dessa dívida ilegal – do que ampliar as vagas no ensino superior.
Até houve políticas de inclusão importantes, como as cotas, mas que não conseguem mais do que garantir a representatividade de setores sociais excluídos das universidades, a exemplo dos negros e dos estudantes de escolas públicas. Não fazem mais que isso, não garantem a representatividade e pintam um sistema antidemocrático e excludente como algo lindo e maravilhoso, como se tivessem resolvido os problemas da juventude.
As universidades não se pintaram de povo, 14% dos estudantes de Medicina têm renda de mais de trinta salários mínimos. Os negros não entraram na universidade, apenas uma quantidade muito pequena de jovens negros representa a negritude nesses espaços. Na prática, os negros estão fora da universidade, são 50% dos desempregados e 61,67% dos presos. Enquanto as universidades têm 15% dos jovens entre 18 e 24 anos, as prisões têm 30% dos jovens na mesma faixa etária. E 54% dos desempregados têm apenas o ensino médio.
Qual a saída? Os jovens, e principalmente os militantes da União da Juventude Rebelião, não devem ficar tristes, desanimados ou terem qualquer sentimento de derrota em caso da nota não ser a desejada, pois fizeram o melhor que podiam. A nota não foi a esperada porque a prova do Enem é feita para desmoralizar psicologicamente os jovens, para massacrá-los.
Ao contrário, o sentimento dos jovens deve ser de indignação, de mais vontade de lutar para destruir esse sistema, principal motivo de eles ficarem fora da universidade. Eles devem se revestir de indignação com aqueles que tratam a educação como uma mercadoria e sair todos os dias de casa para organizar outros jovens contra o vestibular e o Enem.
Israel de Souza, UJR Pará