Trabalhadores em defesa do SUS

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Hoje, a sociedade brasileira passa por uma profunda crise política e econômica. O atual sistema, completamente esgotado, favorece a representação das áreas menos populosas e o processo decisório é tão fragmentado que o Congresso virou um grande balcão de negócios corruptos. Todas as decisões importantes viram disputa no Supremo Tribunal Federal e polarizam a sociedade de tal forma que facilitaram a eleição por uma minoria do eleitorado de um governo contrário aos direitos políticos, sociais e trabalhistas e que pode promover um brutal retrocesso na vida brasileira.

A crise econômica expressa-se tanto na ausência de um projeto de desenvolvimento, quanto na adoção da atual política de austeridade. Assim, sistematicamente, o governo aumenta o desemprego, destrói os direitos trabalhistas e sociais dos brasileiros e entrega o que restou de patrimônio nacional e da soberania do país para as grandes empresas estrangeiras.

O atual modelo econômico condena o país a ser um mero produtor de matérias-primas, dificulta a manutenção de empregos e impede a geração de novos com capacidade de garantir condições de vida adequadas e dignas à grande maioria da população. As contradições geradas pela crise vêm piorando as condições de vida das pessoas, acabam com direitos duramente conquistados e ampliam a corrupção, a miséria e a precarização das políticas sociais.

Enquanto isso, o Sistema Único de Saúde (SUS) vive uma imensa crise para sobreviver, pois já nasceu prisioneiro de interesses econômicos privados que dele se aproveitam para realizar negociatas de toda ordem e maximizar lucros em prejuízo das necessidades existentes para os cuidados de saúde da população que o financia. A maior parte dos serviços de especialidades e hospitalares do SUS é oferecida pelo setor privado, dominado por interesses comerciais e políticos que se mancomunam para tirar o melhor proveito dos péssimos serviços que prestam às pessoas. Os serviços do SUS de maior complexidade estão, quase que totalmente, na mão de interesses privados, o que aumenta a transferência de recursos públicos para o mercado.

Estelionato contra o SUS

A partir de 1995, foi autorizado o abatimento no valor devido ao imposto de renda de 100% por cento das despesas feitas por empresas e pessoas físicas com planos e seguros de saúde, além de consultas e outros procedimentos médicos, odontológicos, psicologia, etc. Desta forma, o Estado brasileiro abre mão de arrecadação de tributos que poderiam financiar a saúde pública para beneficiar o setor privado. Uma competição desigual com o SUS, um verdadeiro estelionato! Vale lembrar que muitas pessoas pagam planos e seguros privados de saúde – empresariais, em grupo ou particulares – quando são jovens e estão na idade ativa e, portanto, têm menor necessidade dos serviços de saúde. Porém, quando se tornam mais idosos e se aposentam, perdem o suposto benefício, simplesmente por não conseguirem mais pagar os elevados preços cobrados pelos planos e seguros de saúde, justamente quando passam a precisar mais de cuidados.

A gestão privada dos serviços públicos de saúde é outro grande problema que cresce a cada dia por meio de mecanismos diversos, como exemplo as Organizações Sociais (OS), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e as fundações de direito privado. Tais entidades submetem o interesse público e os trabalhadores do SUS a uma agenda privada, dificultam o controle do patrimônio construído e mantido com recursos públicos e ainda obrigam os trabalhadores do SUS a relações trabalhistas precárias. Essas entidades só existem por conta da invenção de um artifício da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs um limite irreal de gastos com servidores públicos, apenas para que essas despesas possam ser repassadas para o setor privado, que encontrou, nessa forma, mais um jeito de tirar proveito do SUS.

Retomar a defesa do SUS no movimento sindical

Destaca-se aqui que, desde a criação do SUS, o movimento organizado dos trabalhadores, seja em suas associações, sindicatos, federações e confederações se mantem, relativamente, afastado da saúde pública. Como foi reconhecido nos 6º e no 11º congressos da CUT, a grande maioria dos sindicatos luta pela inclusão da oferta de planos e seguros privados de saúde nas negociações coletivas com os patrões, ao invés de lutar pelo fortalecimento de um dos mais importantes direitos sociais conquistados na Constituição de 1988, o direito à saúde.

O afastamento dos trabalhadores enfraquece o SUS e alimenta a ilusão de um sistema privado que, além de não protegê-los no período da aposentadoria, uma etapa crítica e vulnerável de suas vidas, toma seus recursos e alimenta a ganância e os lucros das empresas de planos e seguros de saúde.

O governo arranjado de Temer manteve diversos ataques que podem ser mortais para o SUS. Alguns deles foram: a redução dos recursos necessários para seu financiamento; o afrouxamento das regras de transferência de recursos federais; a entrega cada vez maior dos seus serviços e de sua gestão aos interesses privados; a descaracterização da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) que estimula o abandono da Saúde da Família e o desmonte do Programa Farmácia Popular. Agora, o governo de Bolsonaro, com sua orientação ultraliberal e antipovo, irá agravar, ainda mais, os ataques aos direitos dos trabalhadores e ao SUS, além de ampliar o favorecimento do setor privado.

Plataforma em defesa da saúde pública

Tais ataques fazem parte de uma ação orquestrada contra o direito à saúde. A resistência a esse estado de coisas, no entanto, acontece de forma dispersa, fragmentada e despolitizada. É urgente unificar o movimento em defesa do SUS e do direito à saúde, colocando-o em sintonia com a luta popular por uma sociedade livre e, verdadeiramente, democrática, que ofereça condições dignas de vida a todos os brasileiros e brasileiras. Para tanto defendemos que todos reconheçam:

  • O direito universal, inalienável e comum a todas as pessoas terem acesso à moradia, saneamento, educação, serviços de saúde e transporte digno, seguro, de qualidade e no tempo certo e necessário;
  • A necessidade urgente de mudar o atual modelo econômico que subordina o país aos interesses estrangeiros, que negam a geração de empregos; o desenvolvimento de pesquisas e novas tecnologias e de salários dignos aos trabalhadores e impede a soberania nacional;
  • A transformação das condições acima é indispensável para que o povo brasileiro possa gozar de efetivo direito à saúde.

Para que o SUS venha a ser realmente um sistema público de saúde e atenda com qualidade às necessidades de saúde de todos é indispensável que:

  1. Os trabalhadores e seus movimentos organizados lutem pelo Sistema Único de Saúde como um direito que não abriremos mão, defenda-o como forma exclusiva de acesso aos cuidados de saúde de qualidade e não caiam no canto da sereia dos planos e seguros privados de saúde;
  2. O governo federal acabe, imediatamente, com o subsídio fiscal às empresas de planos e seguros de saúde e de prestação de serviços de saúde, destinando o aumento da arrecadação resultante para o SUS.
  3. O Ministério da Saúde amplie o investimento nas ações e serviços públicos da rede de atenção pública de saúde para acabar, o mais rapidamente possível, com a prestação de serviços privados contratados pelo SUS;
  4. O Ministério da Saúde extinga o modelo de gestão pública realizado por OS, empresas e fundações dos serviços públicos de saúde, bem como, com os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal;
  5. O Ministério da Saúde trabalhe para consolidar o SUS como um sistema público, universal, equânime, organizado em regiões de saúde e gerido por autoridades públicas sanitárias regionais responsáveis por recursos financeiros, materiais e profissionais de saúde concursados, que respondam pelos seus atos perante o Ministério Público e os Conselhos regionais de usuários;
  6. O governo federal crie e regule carreiras nacionais para todas as profissões de saúde; valorize o exercício do trabalho realizado por servidor público e com dedicação exclusiva;
  7. O governo federal recupere e fortaleça as instâncias de participação popular – conferências e conselhos – do SUS, diminuindo desses fóruns a representação dos prestadores de saúde e ampliando a proporção da representação dos usuários.

 Trabalhadores pelo SUS*, Rio de Janeiro

 *O grupo “Trabalhadores pelo SUS” foi formado em outubro de 2018 para desenvolver ações junto aos trabalhadores e seus sindicatos que mostrem a necessidade destes se apropriarem do Sistema Único de Saúde como uma conquista social indispensável e principal garantia do seu direito e acesso à saúde e questionarem a proteção fantasiosa pelos planos de saúde. Fazem parte do grupo Ana Maria Auler Matheus Peres – Secretaria de Estado de Saúde [SES-RJ], Andrea Penna – Jornalista e Doutoranda do IMS-UERJ, Carlos Alberto Grisolia Gonçalves – Psicólogo na Secretaria Municipal de Saúde [SMS-RJ], Carlos Gonçalves Serra – Doutor em Saúde Coletiva [IMS/UERJ] e Professor do Programa de Pós-graduação, em Saúde da Família da Universidade Estácio de Sá, Cleydson Assis Coelho – Enfermeiro e Mestre em Saúde Coletiva [IMS-UERJ], Denise Rangel Sant’Ana – Nutricionista oncológica e tecnologista de políticas de saúde para o controle do câncer aposentada do INCA, Gabriela Nascimento – Enfermeira residente do [IPUB/UFRJ], Glenda Amorim – Estudante de medicina e Diretoria do DCE da [UFRJ], Inês Leonesa – Enfermeira e Professora da [UFRJ], Isabela Soares Santos – Socióloga e Pesquisadora da [ENSP/FIOCRUZ], Leonardo Laurindo –Estudante de Direito [UERJ], Luana Nunes da Silva – Assistente Social e Doutoranda do [IMS-UERJ], Lucas Manoel da Silva Cabral – Doutorando do [IMS-UERJ], Luiz Henrique de França Silva – Estudante de Direito [UERJ], Mariana Fonseca – Estudante de medicina da [UERJ], Nayá Puertas – Médica de família e Diretora do Sindicato dos médicos do Rio de Janeiro [SINMEDRJ], Paulo Henrique Almeida Rodrigues – Professor do [MS-UERJ] e Vinicius Gabriel Coutinho Costa – Estudante de Medicina e Doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas da [UFRJ]