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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Futebol e Resistência: As Desigualdades de Gênero em Campo

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Foto: Pascal Guyot


Após bater recordes de audiência, encher os estádios na França e as redes sociais ao redor de todo o globo, chegou ao fim a oitava edição da Copa do Mundo Feminina, com um legado que muitos já afirmam ser decisivo para o futebol feminino. Encerrada nesse domingo (7), essa edição já é tida como a maior da história da modalidade, superando todas as expectativas de público, cobertura e telespectadores.

Mas nem sempre foi assim, por muitos anos o futebol foi considerado, por lei, como um esporte exclusivamente masculino e não condizente com a natureza biológica das mulheres. No Brasil, por exemplo, há 40 anos essa proibição ainda vigorava, conforme decreto assinado na ditadura Vargas:

“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.“
– Artigo 54 do Decreto-Lei 3.199, assinado em 14 de abril de 1941.

Foto: Arquivo Público/Museu do Futebol (1941)


Nesse sentido, em 1941 – como agora – o futebol, uma vez inserido na sociedade, refletia seu machismo, com papéis de gênero claramente delimitados para servir o sistema de produção capitalista: às mulheres empregadas nas fábricas eram reservados os piores salários; nos lares, o trabalho doméstico não remunerado, o cuidado com os filhos, a dupla jornada; por longos anos, as mulheres não podiam sequer exercer o direito ao voto e à liberdade de expressão ou ao divórcio, seus passos deveriam ser autorizados pelos pais ou maridos, sob penas da lei e do julgamento da sociedade. Nesse sentido, não é de estranhar a proibição vivenciada nos campos, onde o futebol era tido como um esporte de contato, viril e, portanto, inadequado à imagem das mulheres como subservientes aos homens.

Assim, com o golpe militar de 64, a proibição do futebol é reforçada para as mulheres. Contudo, mesmo em tempos de ditadura militar, elas nunca aceitaram passivamente tais imposições, fazendo das várzeas um espaço de resistência e lutando pela igualdade no esporte. Enganam-se aqueles que acreditam que o futebol é isento de política e que a participação das mulheres começou agora.

Foi graças à resistência histórica dessas mulheres que não aceitavam ser impedidas de ocupar os campos que a prática feminina gradualmente passa a ser permitida. Porém, os efeitos negativos da proibição no Brasil e no mundo, seguem perpetuando um abismo de desvalorização, desigualdades e preconceitos: de um lado as equipes femininas sucateadas, sem investimentos e visibilidade e de outro, mesmo o futebol masculino, foco dos grandes patrocinadores e dos holofotes midiáticos, caminhando, paulatinamente, para o sucateamento das categorias de base e para a mercantilização completa dos clubes e elitização das torcidas.

A Perpetuação de um Legado de Proibições

A situação do futebol feminino não melhorou de imediato após o fim do decreto que proibia as mulheres de jogarem. Pelo contrário, ainda que a proibição tenha acabado em 1979, somente em 1983 é que a modalidade começou a ser regulamentada no Brasil e, ainda assim, com claras diferenças em relação ao futebol masculino. Existia, na época, oposição à profissionalização das equipes femininas, seus jogos, portanto, não podiam exigir a cobrança de ingressos e possuíam menor duração.

Nos jogos Olímpicos, a participação das mulheres só foi permitida a partir dos anos 1900 e com a condição de se submeterem a vistoria para garantir se eram realmente do sexo feminino, desfilando nuas, segundo o estudioso Jorge Dorfan Knijnik, para uma Comissão Avaliadora que analisaria o sexo alegado.

Em 1991, ano da primeira Copa Mundial Feminina, ainda era grande a hostilidade ao futebol praticado pelas mulheres. Não por acaso, essa primeira edição aconteceu sem o menor interesse midiático em cobrir o evento. Ainda pior, ao figurar nos programas de esporte as mulheres eram vistas mais por seu físico e aparência, do que pelo talento no esporte, obrigadas a performar feminilidade ou correr o risco de serem afastadas das equipes, como recorda a história de Sissi, a maior camisa 10 da Seleção Brasileira antes de Marta, forçada a largar o futebol após ser hostilizada por raspar os cabelos.

De forma semelhante, após o jogo que eliminou o Brasil da Copa desse ano, a zagueira francesa Wendie Renard foi alvo de racismo nas redes, com comentários que atacavam a estética de seus cabelos e enfatizavam, não só o machismo como o racismo que acomete, sobretudo as mulheres negras, nos campos e na sociedade como um todo.

Nesse cenário, as mesmas forças que reprimem as mulheres por fugirem dos ideais da “essência feminina” as desamparam diante da maternidade. São minoria as mães que conseguem se manter nos clubes, onde a regra é a falta de estrutura e suporte para essas mulheres. Na Espanha, isso ocorre de maneira escancarada, as atletas são obrigadas a assinar contratos com cláusulas anti gravidez que garantem às equipes o poder de rescindir o vínculo sem necessidade de pagar indenização em caso de gestação. No Brasil, apesar da cláusula ser vedada pela legislação trabalhista, a realidade indica o completo desamparo das atletas mães, enquanto nas equipes masculinas a maioria dos homens possuem filhos sem que isso seja motivo para interromperem suas carreiras.

Entre ataques velados e declarados, as mulheres seguem sendo vítimas da sexualização e da misoginia no futebol. Em caso recente, a seis vezes eleita como melhor jogadora do mundo, Marta, foi retratada como histérica em uma charge do O Globo, após eliminação na Copa, ironizando sua postura e discurso pela igualdade de gênero no esporte.

Foto: Divulgação


A revista francesa Charles Hebdo, por sua vez, estampou capa em que ilustrava uma vulva onde uma bola substitui o clitóris com a legenda “Copa do Mundo Feminina: vamos ter que engolir por um mês”; reforçando a sexualização das esportistas e a exposição, bastante frequente, ao assédio e a comentários agressivos de teor sexual.

Foto: Divulgação


A Final da Copa do Mundo Feminina de 2019

Ao todo participaram da competição 24 seleções e a final entre Estados Unidos e Holanda, ambas seleções lideradas por técnicas mulheres, resultou na vitória da seleção norte-americana da capitã Megan Rapinoe, atleta lésbica, ativista pelos direitos LGBTs e pela igualdade de gênero. Com essa vitória, as norte-americanas ostentam o título de tetracampeãs mundiais, superando a equipe masculina que nunca foi campeã mundial na modalidade e que apesar de menos lucrativa recebe maior repasse da US Soccer (Federação de Futebol dos Estados Unidos).

Mas, esse não é um caso isolado, em todos os países a situação do futebol feminino revela uma alarmante falta de investimentos e de visibilidade. Em caso recente, a seleção feminina da França, país que sediou a Copa esse ano, foi obrigada a ceder o centro de treinamento para treino de amistoso da seleção masculina, revelando prioridade dos homens no esporte. No Brasil, por exemplo, menos de 1% do orçamento dos clubes brasileiros é investido no futebol feminino, as premiações são menores e a cobertura midiática praticamente inexistente.

Não por acaso, em coro, vaias e protestos por igualdade salarial marcaram a final dessa Copa, mostrando a indignação das mulheres frente à desvalorização que sofrem no esporte. Assim, essa Copa Feminina já é considerada como uma virada na modalidade, com reivindicações por parte de torcedores e atletas, que não se contentam com meras promessas da FIFA (Federação Internacional de Futebol). Tais manifestações trazem à tona o papel político do futebol e para que sejam ainda mais efetivas é preciso que sejam direcionadas, também, contra a mercantilização do esporte, que cada vez mais o elitiza e o afasta do povo.

Jady Oliveira
União da Juventude Rebelião


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