A luta diária de quem está desempregado

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Reportagem investiga a situação precária de vida a qual estão submetidos os trabalhadores e trabalhadoras sem emprego.

Denise Maia


Fila de desempregados em São Paulo.

RIO DE JANEIRO – No Brasil do desemprego, o trabalhador procura no malabarismo a arte da sobrevivência. A imensa fila de pessoas em busca de emprego retrata a cruel situação que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga através de índices, percentuais e estatísticas, que muitas vezes soam incompreensíveis para a maioria do povo pobre.

Os números, quando são traduzidos pelas histórias concretas da vida dos mais de 3,3 milhões de cidadãos brasileiros que procuram trabalho há pelo menos dois anos, ficam mais fáceis de ser compreendidos em sua total gravidade.

A reportagem de A Verdade foi ao bairro de Cavalcante, Zona Norte do Rio de Janeiro, acompanhada do metalúrgico e histórico militante comunista Carlos Roberto Maria, mais conhecido como Formigão, para conversar com pessoas simples do povo, ouvir suas histórias e relatos da luta em busca de um emprego e do pão de cada dia.

Desemprego e Exploração

Rosemberg Magalhães Simeão, 37 anos, mora com os pais em Cavalcante. É divorciado e tem dois filhos. Fez cursos de segurança (vigilante), técnico de mecânica industrial e operador de empilhadeira. Por anos, trabalhou como estoquista e conferente na antiga Telemar, agora Oi, e na fábrica de alimentos Granfino. Na fábrica, trabalhou por seis anos e sete meses. Foi demitido em 2017 e, desde então, está desempregado.

“Acho que fui demitido porque questionei que trabalhava como estoquista e vendedor, apesar de na carteira estar registrado como auxiliar de serviços. Recebia um valor bem inferior às funções que exercia”, conta.

O desvio de função já acontecia na época da Telemar. Lá, Rosemberg foi ajudante, estoquista, conferente e, por quatro anos, supervisor, mas a carteira estava assinada como auxiliar. “Desde que fiquei desempregado procuro fazer algum trabalho. Comecei vendendo bolsas, e hoje vendo camisas de futebol de porta em porta e para amigos. Consegui fazer uma clientela”, relata.

Sua namorada, agente de saúde, também está desempregada há três anos, depois que o prefeito Marcelo Crivella (PRB) rompeu contrato com a OS (Organização Social) gestora da Clínica da Família onde trabalhava. “Todos foram demitidos”, conta.

Toda essa dificuldade de encontrar um emprego formal tem deixado Rosemberg desanimado. “A situação econômica piorou muito. Tenho colocado currículo nas empresas e não tenho conseguido nada. Estou sem perspectiva de conseguir trabalho este ano. Só promessas de empresas que dizem que vão chamar, que a economia vai melhorar, mas até agora nada”, desabafa.

Qualquer Trabalho

Esse é o mesmo sentimento de Alexandre Lopes, estofador de cadeiras de escritório. Trabalhou numa fábrica de estofados durante oito anos. Com a crise, a empresa o demitiu e, em seguida, fechou. De lá para cá, tem levado a vida trabalhando com biscate. “Tenho 54 anos. Se o mercado de trabalho para o jovem está difícil, imagina para quem tem mais idade! Trabalho como biscate de eletricista, instalo janela, ventilador de teto, coloco piso, o que aparecer. Na propaganda boca a boca com os amigos, sempre digo que estou disponível para qualquer trabalho”.

Cansado de procurar emprego e não encontrar, há seis meses parou de colocar currículo no mercado. Esse tempo elevado de procura por emprego é um dos fatores que têm levado ao aumento do número de desalentados (aqueles que desistiram de procurar emprego). Somente no segundo trimestre deste ano, eram 4,9 milhões de brasileiros nessa situação.

Alexandre, porém, não desistiu: está esperando “o mercado melhorar”. “Está muito difícil. Assisto os noticiários e vejo as filas imensas, cinco mil pessoas atrás de 400 vagas. Com a perda do emprego deixei de ganhar quase dois salários mínimos porque era estofador geral, costurava, cortava, fazia todo o processo do estofado. O meu padrão de vida caiu assustadoramente. Posso citar o exemplo em relação à alimentação: antes, comia carne três vezes na semana, agora como frango; carne só um dia no fim de semana”

Segundo ele, é preciso se adequar à nova situação: “Quando a pessoa está desempregada, tem que saber administrar o pouco dinheiro que entra. Se comia uma pizza uma vez por mês, deixa de comer. Com o biscate nem sempre você consegue garantir a entrada de dinheiro”.

“Ainda bem que não pago aluguel, mas luz, telefone, água, alimentação, internet, todo o custo que tenho dentro de casa, tenho que pagar”, explica.

Perguntado sobre qual é sua expectativa em relação à economia, responde: “Bem, o país está praticamente parado, a gente assiste governo em cima de governo corrompido, roubando; aí dizem que o povo vota mal, mas não se trata disso, a gente vai lá, acredita na pessoa, e ela se corrompe”.

Quando o assunto é a Reforma da Previdência, Alexandre é ainda mais duro. “Tenho vinte e seis anos de contribuição. Pretendo ainda este ano começar a pagar a minha autonomia para ver se daqui a cinco anos me aposento. Agora, com essa reforma, como dizem, vou fazer 80 anos e não conseguirei, só quando morrer. Temos que manter o direito de nos aposentarmos para desfrutar daquilo que durante anos trabalhamos pra conseguir”, diz.

E continua: “Como vamos aproveitar o restante da vida? Comprando remédio, andando de muletas nesse transporte público que não funciona? Se para minha geração está ruim, para os jovens, com essa Reforma da Previdência, será pior. Os nossos jovens estão sem horizonte”.

Sobre o governo Bolsonaro, Alexandre se mostra reticente: “Nós colocamos Lula no governo com uma expectativa imensa. Votei nele no primeiro mandato, no segundo já comecei a ficar cabreiro com as denúncias, mas colocamos a Dilma assim mesmo, e o governo foi só piorando. O Temer deu um golpe. Agora é Bolsonaro, que não fará milagre com o país quebrado”.

Questionado se acha que o governo Bolsonaro diminuirá o desemprego, afirma: “Os empresários ganharam muito dinheiro durante longos tempos. Agora que o cinto está apertando, eles preferem fechar a empresa e não pagar os funcionários que, na maioria das vezes, precisam ir para a Justiça receber seus direitos. Quando a economia melhorar eles abrem outras empresas com outros trabalhadores ganhando menos. Estão utilizando a mão de obra do jovem inexperiente por três meses e depois que acabar o contrato mandam embora e contratam outros. Esses jovens não criam vínculos com as empresas. Antigamente você trabalhava durante três meses como experiência e na maioria das vezes o patrão assinava a sua carteira.

Agora isso não acontece. Os jovens estão desmotivados. Os empresários estão adorando. Você veja: os hospitais abandonados; se precisar de remédios não tem, médicos não tem. A população está cansada disso tudo. Só sabem tirar da população. O ontem já passou, não tem como voltar atrás; vamos pensar no futuro. Nós brasileiros não podemos desistir. Temos que ter consciência que o governo que colocamos é para trabalhar em benefício do povo, e se isso não acontecer devemos nos unir e ir pra rua exigir sua retirada”, concluiu.

Essas são apenas duas histórias entre as mais de 12 milhões que poderiam ser contadas por cada pessoa hoje desempregada no país. São histórias de revolta contra uma realidade impiedosa para o trabalhador, que é ficar sem emprego, sem salário, sem estabilidade financeira, sem poder organizar as despesas e equilibrar a vida.

Mas, também, são histórias de resistência, de um povo que não desiste, que está sempre se reinventando e nunca perde essa “estranha mania de ter fé na vida”.