As mulheres trabalhadoras gestantes sofrem com uma série negligências, principalmente causado pelo capitalismo, que instrumentaliza as condições necessárias para tornar a gestação em lucro para a burguesia.
Luiza Chara*
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MAUÁ – Não existe uma única definição para o termo “violência obstétrica”. Entretanto, podem-se enunciar alguns aspectos como a negligência da omissão do atendimento, a violência psicológica através do tratamento hostil, ameaças, gritos, coerção e humilhação intencional, violência física ao negar o alívio da dor quando há indicação técnica, manipulação e exposição desnecessária do corpo da mulher, além da violência sexual dos assédio sexual e do estupro.
O uso excessivo de medicamentos e intervenções no parto, assim como as mentiras para a paciente quanto à sua condição de saúde para induzir cesariana eletiva ou a omissão de informações às pacientes sobre a sua situação de saúde e procedimentos necessários, também fazem parte da definição.
Assim, a violência obstétrica é uma violação dos direitos das mulheres grávidas e a apropriação de seus processos reprodutivos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo como “a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida”.
No Brasil, se torna evidente a importância dessa discussão ao analisarmos o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em 2010, que mostra que uma em cada quatro mulheres já sofreu algum tipo de violência obstétrica. Esse cenário se agrava ainda mais para as mulheres negras e pobres, que compõem a maioria das vítimas.
O Projeto de Lei nº 435/2019, que pretende garantir à gestante usuária do SUS a possibilidade de optar pelo parto cesariano sem depender de indicação médica, a partir da trigésima-nona semana de gestação, bem como analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal. Apesar de não parecer, é um atraso para a luta do parto humanizado, uma vez que estimula cirurgias cesáreas desnecessárias, ou seja, quando não há situação que coloque em risco a saúde da gestante ou do bebê.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em 2015 mostram que a taxa de operação cesariana chega a 56% na população geral. Tendo em vista que a OMS recomenda uma taxa de cesáreas que varie entre 10 a 15%, o Brasil já se encontra muito acima do recomendado. Uma taxa maior que 15% não representa redução na mortalidade materna nem tampouco melhores desfechos de saúde para a dupla mãe-bebê, segundo relatórios do Ministério da Saúde de 2001, 2014 e 2015.
A proposta do PL nº 435/2019, portanto, só seria benéfica aos hospitais privados, uma vez que, em comparação ao parto normal, as cesáreas são muito mais lucrativas e as equipes médicas menos preparadas para acompanhar partos normais, além da comodidade da possibilidade de programar dia e hora para os partos. Dessa forma, desconsiderando todos os estudos e dados mundiais sobre saúde, o Brasil caminha para um modelo de mercantilização do parto e de poder hegemônico do médico, que controla os conhecimentos do corpo humano e da sexualidade da mulher. O Brasil ainda é um país onde a maioria das escolas de medicina trabalha com o modelo intervencionista que valoriza a tecnologia, os exames sofisticados e os procedimentos cirúrgicos, deixando de lado os cuidados com foco na mulher para realização e estimulação do parto normal.
A luta pela humanização do parto e a discussão, no âmbito público e privado, sobre violência obstétrica é, portanto, extremamente necessária. Somente por meio da luta e da organização das próprias mulheres, disseminando essas informações, cobrando do Estado a discussão de projetos de lei que de fato representem melhoria nos atendimentos à mulher e fomentem políticas públicas de acesso à saúde, é que as mulheres poderão se sentir mais seguras e empoderadas.
Assim, elas serão capazes de ocupar seu papel protagonista no parto e dispor da plena consciência de seus direitos, tanto para exigi-los, como para identificarem e denunciarem maus-tratos e violências nesse processo.
∗ – Luíza Chara é coordenadora da Casa de Referência para Mulher Helenira Preta.
Referências:
GUIMARÃES, Liana Barcelar Evangelista; JONAS, Eline; AMARAL, Leila Rute Oliveira Gurgel do. Violência obstétrica em maternidades públicas do estado do Tocantins. Revista Estudos Feministas. Florianópolis. 2018.
ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho et al. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL: UMA REVISÃO NARRATIVA. Psicologia & Sociedade. Belo Horizonte. 2017.