Governo promove o fim da atenção primária à saúde do SUS

177

Jornal A Verdade, edição nº 222, novembro de 2019, Página 05.

Nayá Puertas, Lusiana Chagas e Paulo Rodrigues


Governo precariza atenção básica.

BRASIL – Não bastasse ter expulsado de forma irresponsável e sectária milhares de médicos cubanos que atendiam a população mais pobre do país e desmontar o atendimento à saúde em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, o Governo Bolsonaro (PSL) passou a atacar a Atenção Primária à Saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em 1º de agosto deste ano, o Governo Federal lançou o programa Médicos pelo Brasil para substituir o programa Mais Médicos, lançado em 2013 no Governo Dilma Rousseff. Dias depois, o Ministério da Saúde anunciou um novo mecanismo de financiamento da APS altamente prejudicial para as grandes cidades brasileiras, onde vive a maior parte da população e a maioria dos brasileiros mais pobres e miseráveis. O objetivo de todas essas mudanças é enfraquecer uma das grandes conquistas do SUS, que foi estender a atenção primária à saúde para mais de dois terços da população.

Precarização do Atendimento Básico

O programa Médicos pelo Brasil, em primeiro lugar, abandona dois componentes muito importantes do antigo Mais Médicos: 1) o início da regulação da profissão médica através da obrigatoriedade de formação através de residência médica (pós-graduação orientada para formar especialistas); e 2) o financiamento de construções e reformas de unidades de saúde em lugares remotos do país. Em vez de exigir que os médicos sejam formados em programas de residência, o novo programa permite que eles se formem por cursos a distância, sem orientação de profissionais experientes, o que ameaça a qualidade da formação e, consequentemente, da atenção que os futuros médicos prestarão à população. Essa medida visa a atender às pressões de entidades médicas que defendem os interesses corporativos voltados ao ganho monetário existente na categoria, que se colocou contra o Mais Médicos exatamente porque este visava a estabelecer a regulação do Estado sobre a mais poderosa de todas as profissões.

A Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) atacaram com todas as forças o Mais Médicos e apoiam o atual programa de Bolsonaro por não aceitarem que o Estado defenda o interesse público, estabelecendo regras para a formação e o exercício da medicina. Ou seja, querem total liberdade para que esta seja autorregulada.

A autorregulação da profissão médica atende os interesses do mercado, controlado pela grande indústria farmacêutica e por grandes redes de hospitais e empresas de planos de saúde, além dos interesses individuais de alguns poucos médicos que conseguem ter uma clientela de pessoas ricas.

O programa Médicos pelo Brasil visa a atender esses interesses individualistas e de mercado e não as necessidades da maioria da população. Para coroar a medida, o governo criou a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), que contratará os médicos do programa em parceria com empresas privadas, separando os médicos dos demais profissionais da APS, que continuarão sob responsabilidade das prefeituras.

O fim do financiamento para construção e reforma de unidades de saúde, que fazia parte do Mais Médicos, tornará ainda mais difícil assegurar que as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e mesmo favelas de grandes cidades possam contar com médicos e equipes de saúde da família e postos de saúde em condições adequadas. 

O Mais Médicos havia assegurado, pela primeira vez, que tais comunidades tivessem acesso aos cuidados de saúde, colocando nessas comunidades médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos de enfermagem e postos de saúde adequados. Ao contrário, o atual Médicos pelo Brasil desmonta essas condições, dificultando ou inviabilizando a continuidade do acesso à saúde.

Os serviços propostos para a atenção primária à saúde se limitam às atividades de atenção individual, sem sequer mencionar as atividades comunitárias que caracterizam a Saúde da Família no Brasil. Essas ações comunitárias objetivam criar condições para mobilizar a população para resolver os problemas que afetam sua saúde, como a falta de abastecimento de água e esgoto, as péssimas condições de moradia, através do que se chama de ações de promoção da saúde.

Tais ações, tão importantes diante das péssimas condições de vida impostas ao povo brasileiro pelo regime capitalista, são abandonadas por clara motivação ideológica e reacionária do fascista Bolsonaro, que não quer que a população ganhe consciência dos seus problemas, se organize e lute para modificá-los.

Cabe denunciar, por último, o novo esquema de financiamento que acaba com o Piso de Atenção Básica Fixo (PAB Fixo), que assegurava a transferência de recursos federais para os municípios poderem oferecer serviços de atenção primária à saúde.

O novo mecanismo de financiamento privilegia a população cadastrada pela APS, ponderando os valores segundo a população – quanto mais habitantes, menores os valores transferidos –, além da renda e idade, e acaba com o valor repassado por equipe de Saúde da Família e para os Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasf).

O complicado esquema de financiamento começa a ser conhecido agora, mas alguns dos seus efeitos mais perversos foram denunciados pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Rio de Janeiro (Cosems-RJ). Segundo estudo do conselho, os grandes municípios serão os mais prejudicados, perdendo valores significativos hoje transferidos pelo Governo Federal. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, que tem a maior população em favelas do país, perderá até R$ 168 milhões por ano.

Apenas os pequenos municípios poderão ser beneficiados pelo novo modelo de financiamento. Embora sejam a grande maioria, esses municípios têm menos de um terço da população do país (em 95% deles, há menos de 50 mil habitantes). Logo, a proposta do governo penalizará as cidades onde vivem dois terços da população e concentram o maior número das pessoas e de miseráveis. 

Na cidade do Rio de Janeiro, os profissionais das Clínicas da Família, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde estão em greve contra o desmonte da Atenção Primária à Saúde, que o governo do bispo Marcelo Crivella (PRB) promove desde a sua posse, reduzindo equipes e salários e desabastecendo as Clínicas da Família de medicamentos e insumos. A população que sofre com a desassistência apoia os profissionais, pois sabe que o modelo de Estratégia de Saúde da Família ampliou e melhorou a qualidade do atendimento.

É preciso que os trabalhadores brasileiros conheçam os atuais ataques do Governo Bolsonaro à sua saúde, se organizem e lutem para barrar o desmonte da atenção primária, que enfraquecerá o SUS e o direito à saúde.