Após as comemorações da virada de 2019 para 2020, o tão esperado ano novo começou com mais um peso no bolso dos trabalhadores e estudantes: desde o primeiro dia do ano, o novo ajuste da tarifa do transporte público de São Paulo está em vigor. O aumento foi de R$0,10; 2,33% em relação ao preço anterior; e foi deliberado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) junto à Câmara Municipal.
Gabriela Torres
Foto: Jorge Ferreira/Jornal A Verdade
SÃO PAULO – Após as comemorações da virada de 2019 para 2020, o tão esperado ano novo começou com mais um peso no bolso dos trabalhadores e estudantes: desde o primeiro dia do ano, o novo ajuste da tarifa do transporte público de São Paulo está em vigor. O aumento foi de R$0,10; 2,33% em relação ao preço anterior; e foi deliberado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) junto à Câmara Municipal.
Os aumentos nas passagens de transporte público afetam a maior parte da população urbana e possuem, indiscutivelmente, um caráter abusivo por parte da prefeitura de São Paulo, da empresa ViaQuatro e ViaMobilidade – responsáveis pela linha 4, amarela, e linha 5, lilás, do metrô – e dos 17 consórcios responsáveis pelas linhas de ônibus da capital. Atualmente, estima-se que 8,3 milhões de pessoas passem pelas 13 linhas de metrô da capital, e que 8,8 milhões utilizem diariamente as linhas de ônibus. Analisando o conjunto do espaço urbano, ainda é facilmente possível concluir que as dimensões desse aumento extrapolam os limites da capital – já que trabalhadores de regiões periféricas e do entorno da grande São Paulo deslocam-se todos os dias até a cidade de São Paulo, vindo de regiões metropolitanas como o ABC paulista, constituído por municípios categorizados como “cidades-dormitórios” devido o contingente de moradores da região que possuem empregos e postos na cidade de São Paulo.
O caráter abusivo dessa mudança de preço pode ser considerado, primeiramente, pela falta de necessidade do aumento da tarifa. Após o aumento de R$0,30 em 2019, um levantamento feito pelos pesquisadores Augusto Conconi e Bruno Ponceano contabilizou a discrepância entre os valores da passagem e o com apenas as correções da inflação. Nesse caso, durante o ano passado, o valor pago para se locomover deveria ser R$3,82; ao invés de ter sido atualizado para R$4,30. Órgãos especializados em mobilidade, como o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT) e o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) manifestaram-se contra a nova atualização de R$4,40; e defendem que era possível manter o valor anterior para custear o serviço.
“A Prefeitura está colocando R$ 800 milhões em asfaltamento, então ela pode remanejar um pouquinho pro transporte porque o custo do transporte impacta muito a vida, a economia da cidade. É essencial que a prefeitura reorganize o orçamento pra garantia da estabilidade da tarifa sem aumento nesse período”, alegou Rafael Calabria, integrante do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito.
A problemática se agrava quando fica evidente que os ajustes não abarcam melhorias nas condições atuais do transporte público. Em contraposição ao aumento da tarifa paga pela sociedade civil, a prefeitura da cidade de São Paulo anunciou uma diminuição na verba esperada para o transporte público: Os investimentos destinados à mobilidade estarão abaixo da inflação, e o valor da compensação tarifária; que cobre possíveis gastos excedentes e as gratuidades destinadas aos estudantes, por exemplo; caiu em mais de R$600 milhões. O paulistano pagará mais caro para continuar utilizando um transporte ineficiente, demorado, superlotado e desconfortável.
É importante salientar, também, que o sucateamento do transporte público foi uma decisão do governo brasileiro. Durante os anos 50, a gestão do presidente Juscelino Kubitschek foi obediente aos interesses estrangeiros em quais deveriam ser as modalidades de locomoção com mais investimentos. A decisão de JK foi de acatar aos desejos estadunidenses e garantir um mercado inteiro para a indústria automobilística que ansiava por ampliações, e assim, canalizar o dinheiro público em incentivos ao uso de carros, ao invés de investir em alternativas coletivas. Existe um subsídio invisível necessário para sustentar o transporte automobilístico, para garantir rodovias e pedágios, por exemplo. Por causa disso, hoje, todo o povo paga para o funcionamento eficiente dos transportes privados, porém nem todo mundo possui um automóvel privado para se deslocar.
As consequências dessa adoção nacional acarretou nos tráfegos quilométricos, nos altos índices de poluição, no estresse generalizado e nos altos custos de manutenção. Para Daniel Santini, jornalista e autor da obra Passe Livre – As Possibilidades da Tarifa Zero Contra a Distopia da Uberização, os esforços do poder público de incentivar o uso de automóveis privados acarretou na São Paulo caótica que conhecemos: “Nas cidades que priorizam a circulação de veículos motorizados privados, a dinâmica é diferente. Quando as soluções individuais prevalecem, o impacto sobre a mobilidade coletiva é maior. A lógica do cada um por si com seu carro ou moto costuma resultar em ruas entupidas, ar sujo e caos cotidiano naturalizado. Isso porque cinquenta pessoas tentando atravessar a cidade em veículos particulares ocupam mais espaço e provocam mais impacto do que o mesmo grupo utilizando transporte coletivo”, alega.
O Direito à Cidade e Possíveis Soluções
A discussão da mobilidade urbana transpassa, obrigatoriamente, pelo debate do direito à cidade. Os preços que pressupõem o ir e vir no espaço urbano, não só sobrecarregam as periferias, locais distantes dos centros, onde a maior parte dos trabalhadores residem, mas também classificam os cidadãos de forma hierárquica, ditando quem pode e quem não pode desfrutar do cenário urbano. A mercantilização do transporte constrói uma distinção de direitos, entre quem pode e quem não pode pagar. Os passes livres e de meia passagem, cheios de restrições de horários, limitam o acesso à cidade dos estudantes, e a precificação em R$4,40 expulsa desempregados, estudantes de cursos pré-vestibulares do direito ao acesso às oportunidades de emprego, à cultura, ao lazer e aos esportes.
A dificuldade da questão se dá porque as decisões referentes aos transportes públicos, decisões de caráter político, são tomadas por um grupo seleto de pessoas que vivem uma realidade diferente da realidade da grande maioria da população. Afinal, por qual outro motivo a prefeitura de São Paulo estaria estudando o remanejamento de algumas rotas até o centro com o intuito de aumentar o número de baldeações sob a alegação de diminuir o fluxo da hora do rush? O que os paulistanos e paulistas precisam são resoluções que partam do coletivo para o problema complexo que é a locomoção na grande capital. A questão do direito à cidade precisa ser decidida pelo povo, e debatida amplamente para que as soluções caibam na realidade de cada local. “Em especial em metrópoles, onde os problemas de mobilidade são complexos, é preciso pensar em soluções integrais, que envolvam não uma saída, mas várias”, diz Santini. Cabe, aos trabalhadores, operários e estudantes, enquanto não detém tal poder de decisão, pressionar os poderosos que se consideram no direito de definir o espaço urbano de acordo com suas vontades mesquinhas, como fez em diversas oportunidades na História do país.