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sábado, 23 de novembro de 2024

​Fut-business: como o capitalismo descaracteriza o esporte do povo

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No começo do ano mais uma temporada do chamado “Mercado da Bola” se abre para os principais campeonatos de futebol do mundo. Ainda que a mídia capitalista bombardeie com entusiasmo as contratações milionárias e os salários gigantescos de jogadores, cada vez mais o capital se apodera da paixão de milhões de trabalhadores do mundo inteiro para produzir espetáculos financeiros restritos a uma minoria que lucra nas costas de atletas, torcedores e toda a comunidade esportiva. Se essa é a forma que o futebol assumiu na sociedade capitalista, por qual futebol lutamos para uma nova sociedade? 

Gabriel Borges


Foto: Jornal A Verdade

BRASIL – O futebol é o esporte mais eminentemente popular que existe e a paixão por ele é uma marca registrada da nossa classe trabalhadora. No entanto, diante da sociedade governada pelos grandes capitalistas, nossa paixão se torna nicho de mercado, nossos jovens talentos se tornam matéria-prima barata pra ser exportada para o exterior e agregar lucro para empresários do futebol e times milionários, o nosso campeonato brasileiro carece de estrutura ao mesmo tempo que se elitiza ao elevar custos de ingressos, acabar com as populares arquibancadas e perseguir as torcidas organizadas – histórico foco de resistência e defesa de um futebol realmente popular –  enquanto ainda é tomado pela corrupção de grandes cartolas como João Havelange e José Maria Marin, intimamente ligados com o que há de mais atrasado na política. No final do último ano ainda, o Congresso Nacional aprovou um projeto que cria a opção para os clubes brasileiros se tornaram sociedades-empresariais, marcando de vez a transformação das equipes de futebol de associações civis não-lucrativas em verdadeiros negócios para a burguesia.  

Como mostra um estudo feito pela consultora BDO em 2011, só no Brasil os clubes movimentaram cerca de 2,8 bilhões de reais em receitas apenas no início da década. Hoje, segundo dados da Transfermarkt, na janela de verão de 2019 o futebol europeu sozinho movimentou mais de 1,9 bilhão de dólares (algo em torno de 8,2 bilhões de reais). Isso se reflete em contratações milionárias de jogadores a cada temporada, eventos esportivos cada vez mais luxuosos (e excludentes) e um lucro anual estratosférico para os grandes empresários do futebol, mesmo com o mundo passando por uma recessão econômica brutal desde que o sistema capitalista entrou em crise em 2008.  

Apesar de os grandes veículos de comunicação apresentarem esse cenário de forma romantizada e bastante eufórica, é importante mostrar o quanto essa ordem é devastadora tanto para o esporte em si, quanto para a juventude esportista que se torna refém de empresários que lhes vendem um sonho de riqueza e ostentação, mas que na verdade poucas vezes se converte em realidade (ou mesmo quando se torna, quanto tempo dura?). Como diz Mickaël Correia em seu “Uma História Popular do futebol”:  

“No caso do futebol, há uma história oficial, entoada pelas grandes competições que estão nas mãos de instituições como a FIFA. É uma história ao serviço do futebol enquanto cultura de massas mas sobretudo enquanto divertimento mercantil. Dá destaque aos feitos desportivos dos grandes clubes de elite, das seleções nacionais e de alguns jogadores profissionais como Cristiano Ronaldo. E atira para debaixo do tapete as relações com regimes autoritários, a corrupção que gangrena este desporto e os valores sexistas, racistas e homofóbicos veiculados em certas tribunas ou por responsáveis de federações nacionais. Esta história destaca um futebol de elite, sempre com a mesma lenga-lenga: ‘O futebol é apenas desporto, não é política’” 

De fato, pode-se dizer que o futebol é um bem da classe trabalhadora roubado pelos capitalistas para se transformar em negócio. É fato sabido que a popularização do futebol se deu nas massas operárias, marca presente na história de importantes clubes do Brasil e do mundo. No entanto, se de um lado a classe trabalhadora em suas iniciativas coletivas e com fins de lazer construía seus clubes, do outro, os patrões também criavam os seus, buscando esmagar os clubes populares e submetê-los a uma lógica de espetáculo financeiro e maximização de lucros. O engolimento dos clubes populares pela lógica capitalista não destruiu o cenário de resistência. Dentro dos próprios times havia revolta contra a corrupção dos dirigentes, contra os apoios a regimes ditatoriais e a reprodução de práticas racistas e sexistas dentro de campo. O historiador já citado defende como a própria invenção do drible foi um ato de resistência contra a violência gratuita e impune cometida por jogadores brancos contra jogadores negros:  

É assim que se vai desenvolver o drible no Brasil, que os negros praticam para se esquivarem às agressões físicas dos jogadores brancos. O drible, a finta, que é hoje uma prática essencial no futebol brasileiro, traz consigo a própria condição do colonizado: para existir, no campo como na sociedade, deve escapar à violência do colono.”.  

A Democracia Corintiana nos anos da ditadura militar brasileira é outro grande exemplo da revolta dos jogadores contra os cartolas do futebol que apoiaram e sustentaram os gorilas fascistas que matavam e torturavam o nosso povo. 

Foto: Jornal A Verdade

No mundo imperialista e de domínio hegemônico pelos capitais estadunidense e europeu que se ergueu nas últimas décadas com o recuo do campo socialista, a lógica dos países centrais e periféricos do sistema mundial capitalista se reproduz também no futebol. Não é a toa que, apesar da nossa seleção brasileira, ou mesmo a argentina, terem uma gama enorme de incríveis talentos futebolísticos, isso não se reflete em superioridade dos seus campeonatos nacionais. Hoje, nenhum outro campeonato no nível dos clubes movimenta tanto dinheiro como a UEFA Champions League e os campeonatos nacionais dos principais países capitalistas da Europa: Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha e França. Aliás, “campeonato nacional” é mesmo um termo bastante escorregadio, já que os clubes são verdadeiros aglutinadores de nações. Para os jogadores que encantam o público no seu país de origem (periférico) não demora muito para serem negociados para jogar nos times europeus – a promessa muitas vezes vazia de sucesso para o jogador filho da classe trabalhadora, em contradição com o lucro garantido do empresário que está por trás dele. A seleção brasileira campeã da última Copa América é um grande exemplo: de todos os jogadores titulares escolhidos por Tite, apenas Everton “Cebolinha” atua no Brasil, embora esse cenário deva mudar na próxima janela de transferências devido ao desempenho do jogador.  

Na Copa do Mundo de 2018 não foi diferente: mesmo a França sendo uma seleção central na ordem capitalista futebolística no mundo hoje, a maioria de seus craques possuem nacionalidade compartilhada com países africanos explorados cruelmente pelos franceses. Na ausência de oportunidades no país de origem dos seus pais, esses jovens jogadores das favelas de Paris ingressam na seleção francesa, muitas vezes não por orgulho nacional, mas por melhores condições de carreira. Isso que só mencionamos casos bem sucedidos: se fôssemos mencionar aqueles que vão para Europa (ou pro Oriente) como promessa e não conseguem sucesso, ficando longe de suas famílias, abandonados por empresários e sem condições de voltar pra casa, esse texto já grande não acabaria mais. 

Um dos poucos exemplos de resistência a essa dinâmica cosmopolita do futebol sob o neoliberalismo vem sendo o Atlético Bilbao, clube da região basca no território espanhol. Fundado em 1898, a partir de 1912 a equipe bilbaína adotou a política de contratar apenas jogadores bascos de sua base para disputar o campeonato nacional. Foi, no entanto, na ditadura fascista de Franco que essa política ganhou força: sob esse regime, as expressões culturais das minorias nacionais espanholas foram brutalmente reprimidas e proibidas para se criar uma artificial nacionalidade espanhola única. Bascos, assim com catalães, resistiram às proibições de inúmeras maneiras, mas no futebol a política do Atlético Bilbao de jamais esconder os símbolos de sua cultura e valorizar os atletas locais ficou mundialmente famosa. Segundo o torcedor Urko: 

A filosofia basca é a base do clube. Sem sua filosofia o Athletic seria uma equipe a mais, como o Barça, o Valencia ou o Madrid. Se contratam jogadores de outras partes da Espanha ou estrangeiros, a gente deixaria de ir ao estádio. O Athletic não seria o Athletic. Digamos que em Bilbao e Bizkaia (a província) quando você nasce, te colocam uma camisa do Athletic. É como se fosse uma parte da família. Se conhece a seus pais, tios e avós… logo conhecem o Athletic também. É como uma religião. É um sentimento difícil de explicar, tem que levar no coração para poder sentir” 

A forma de resistência do futebol basco é amplamente aprovada por seus torcedores também por ir contra a hegemonia das equipes centrais do futebol espanhol, já engolidas pelo neoliberalismo. E o resultado disso é bastante vitorioso: com 8 campeonatos nacionais, 24 copas, 2 supercopas e nenhum rebaixamento, o Atlético Bilbao é uma das equipes mais tradicionais da Espanha. 

Foto: Reprodução

O futebol popular praticado fora das vias institucionais, a pelada de domingo, o golzinho de chinelo no meio da rua, o time dos sem-camisa contra os com-camisa, esse sim é o mais legítimo representante do lazer e da coletividade da classe trabalhadora. Quando a burguesia dominou e institucionalizou o futebol, coube ao povo tanto resistir por dentro dos clubes, como também praticar o esporte de forma marginal. Mas isso ainda está longe de representar toda a potencialidade que o esporte tem para promover saúde, lazer e mesmo identidade com seu povo. O futebol “globalizado”, elitizado, predatório perpetuado por instituições como a FIFA e os grandes clubes é um reflexo de uma sociedade dominada pelo capital e pelos capitalistas. Apenas com uma sociedade socialista, em que o esporte seja de fato esporte e não um negócio, a paixão de nosso povo deixará de ser nicho de mercado e nossos jovens talentos deixarão de ser fonte de lucro pra terceiros ou vítimas da meritocrata promessa de luxo e ostentação.  

Em entrevista ao repórter brasileiro Jayme Sautchuk, o futebolista e médico albanês Petrit Dibra, mostra como funcionava o futebol naquela nação socialista que existia ao longo do século passado:  

O que nós consideramos mais valioso são os valores morais que temos. O nosso respeito é pelo nosso povo e pelo nosso partido. Eu não posso aceitar aquele ganho provisório de enormes somas de dinheiro como ocorre, por exemplo, no Brasil. A diferença básica é esta: aqui na Albânia o jogador tem sua profissão, tem seu futuro assegurado, enquanto nos países capitalistas, o jogador é profissional e ganha enquanto pode jogar. Caso ele ganhe enormes fortunas, ele tem duas alternativas: ou ele investe aquele dinheiro e se torna um capitalista, passando então para o lado dos exploradores, ou, então, ele gasta tudo e fica com o futuro incerto. Basta citar o caso do Garrincha”. 

Foto: Jornal A Verdade

O futebol dos cartolas e que serve políticos e especuladores não interessa à classe trabalhadora. Lutemos pelo socialismo e transformemos o esporte em benefício para a nossa gente! 

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