URSS dominou o esporte de inverno por décadas, colecionando títulos e se estabelecendo como a principal potência mundial.
Guilherme Piva
Foto: Reprodução / Jornal A Verdade
Seleção soviética dominou o hóquei mundial por quase duas décadas e colecionou títulos.
No esporte, costuma-se usar o termo “dinastia” para se referir a uma equipe que domina um esporte por um período de tempo. Por exemplo, pode-se dizer que o Bayern de Munique é uma dinastia no futebol alemão, ou que o Los Angeles Lakers foi uma dinastia no basquete no início dos anos 2000.
Hoje, a seleção que domina o hóquei no gelo é o Canadá, país onde o esporte surgiu. Porém, dos anos 60 aos anos 80, a grande potência da modalidade não era a seleção canadense, nem o selecionado dos EUA, mas sim a equipe nacional soviética. A performance foi tão acima dos oponentes que a URSS foi apelidada de “Máquina Vermelha” (“Red Machine”, em inglês).
A ideia de estabelecer um programa de hóquei na União Soviética surgiu na década de 1940. Durante uma “turnê” futebolística do Dynamo de Moscou no Reino Unido, em 1945, os oficiais soviéticos cogitaram desenvolver o esporte de inverno no país. No ano seguinte, foi criada uma liga soviética de hóquei, e pouco depois, foi formada a seleção nacional, jogando suas primeiras partidas, jogos amistosos contra o LTC Praga da então Tchecoslováquia, em 1948. No primeiro embate contra outra seleção, os soviéticos massacraram a Alemanha Oriental, vencendo por 23×2 em plena Berlim.
A estreia no campeonato mundial ocorreu em 1954, na Suécia. E logo na primeira participação, a seleção vermelha conquistou a medalha de ouro. No restante da década, Canadá e URSS disputariam ferrenhamente o posto de melhor seleção do mundo.
Os canadenses venceriam o mundial em 1961, sendo vice-campeões em 1962, superados pela Suécia na grande decisão (neste último, a URSS não disputou o torneio por questões políticas).
A edição de 1963 do Mundial marcou o que seria o início do domínio soviético no cenário do hóquei internacional: A “Máquina Vermelha” capturou nove títulos consecutivos da competição, de 1963 até 1971. Após ver sua sequência de títulos ser interrompida em 1972, a equipe voltaria ao topo e conquistaria mais onze ouros, conseguindo manter o título por anos consecutivos em mais oportunidades, com dois tricampeonatos (1973-1975 e 1981-1983), e dois bicampeonatos (1978-1979 e 1989-1990). Além da hegemonia no mundial, a seleção também dominou as olimpíadas de inverno: em nove aparições, foram sete medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze. Se recusando a reconhecer a superioridade soviética, EUA e Canadá buscaram criar outra competição para atribuir a ela o valor de “verdadeiro campeonato mundial”, a Canada Cup (o que não adiantou muito, já que a URSS também venceu a primeira edição desta), além de fazer acusações de que a seleção do leste europeu burlava as regras.
Em 2008, a Federação Internacional de Hóquei no Gelo (IIHF) elegeu o time do Centenário (Centennial All-Star Team), baseando-se no “impacto dos jogadores no hóquei no gelo internacional durante um período de pelo menos uma década”, com o requisito de que esses jogadores tivessem jogado no “nível mais alto possível (o Mundial da IIHF, as olimpíadas de inverno ou a Canada Cup/Copa do Mundo). Dos seis jogadores eleitos, quatro eram soviéticos: Vladislav Tretiak, Viacheslav Fetisov, Valeri Kharlamov e Sergei Makarov.
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“Russian Five”: grupo de jogadores russos foi a espinha dorsal do Detroit Red Wings dos anos 1990.
Os resultados extraordinários no gelo foram resultado de um desenvolvimento massivo do esporte por parte do governo soviético, incentivando os atletas a se dedicar ao máximo no esporte desde a infância. A seleção soviética de hóquei foi motivo de grande orgulho para seu povo, e todo o empenho do governo no desenvolvimento do esporte continua rendendo frutos mesmo após a restauração do capitalismo: quando jogadores começaram a desertar para os EUA para jogar na National Hockey League (NHL), atraídos pelas promessas mesquinhas da burguesia de enriquecer com o esporte, eles se destacaram na competição. Uma “unidade” de cinco atletas russos (que ficaram conhecidos na liga como “Russian Five”) foi parte essencial do Detroit Red Wings que chegou à final da Stanley Cup em três oportunidades nos anos 1990, em 1995, 1997 e 1998, vencendo as duas últimas – na final de 1998, o grupo perdeu um de seus membros, quando um acidente automobilístico deixou Vladimir Konstantinov em uma cadeira de rodas, encerrando sua carreira.
Os frutos de todos os esforços que o Estado soviético imprimiu no desenvolvimento do hóquei seguem se concretizando, mesmo hoje: vários jogadores do país continuam se destacando na NHL: Pavel Datsyuk foi campeão em duas ocasiões, também com o Red Wings (2003 e 2008); Slava Voynov também foi bicampeão, com o Los Angeles Kings (2012 e 2014); Evgeni Malkin é uma das principais peças do Pittsburgh Penguins que conquistou 3 títulos (2009, 2016 e 2017).
Em três oportunidades, o Vezina Trophy (concedido ao melhor goleiro da temporada) foi conquistado por arqueiros russos: uma vez por Andrei Vasilevskiy e duas por Sergei Bobrovsky. Alexander Ovechkin se tornou o primeiro russo capitão de uma equipe a erguer a taça, quando o Washington Capitals conquistou seu primeiro título em 2018, após anos de campanhas frustradas nos playoffs. Ele também atingiu grande destaque em seu desempenho individual: é o jogador que mais vezes levou o prêmio de artilheiro da temporada (6), o maior artilheiro da década de 2010, com 437 gols, e já está entre os 10 maiores marcadores da história da liga: Com 695 gols na carreira (e contando), atualmente Ovechkin (ou “Ovi”) ocupa a 8ª posição no ranking, sendo o único russo na lista. Pelo seu estilo de jogo, alguns o consideram um artilheiro mais espetacular do que o atual detentor do recorde de tentos, o canadense Wayne Gretzky.
Fotos: Reprodução / Jornal A Verdade
Alex Ovechkin dominou a NHL ofensivamente na última década, e consolidou seu legado na história do esporte conquistando a Stanley Cup.
Se no futebol a seleção soviética não conseguiu o título mundial, apesar do notório legado de Lev Yashin (que dá nome ao troféu de melhor goleiro do mundo entregue pela FIFA), no hóquei a URSS permanece na história como sinônimo incontestável de excelência.